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A nossa Administração Pública e suas perversidades
Ponto de Vista

A nossa Administração Pública e suas perversidades

Apesar da retórica governativa negar a partidarização da administração pública e tenta “justificar” os resultados das eleições autárquicas com subterfúgio à “influência” de elementos afetos a partidos adversários na administração, como forma legitima e não legal de despedir uns e atender à ganância dos militantes oportunistas que aproveitam o fenômeno eleitoral para sugar o último mililitro de leite que ainda dispõe a governação, tenho a convicção que o governo precisa, antes de mais, entender a contradição discursiva e analisar a nossa Administração Pública para tentar perceber: o índice de satisfação que merece a nossa Administração Pública e até que ponto os militantes que estão na cúpula da administração preenchem os requisitos para lá estarem.

Sempre ouvi pessoas a demonstrarem insatisfação pelos serviços prestados nas nossas organizações públicas que, como todos sabem, foram criadas para servir os cidadãos. Sempre incentivei os dirigentes e funcionários afetos às organizações em que pertenço a verificarem os sistemas de atendimento. De igual modo, nunca cansei de apresentar sugestões para a melhoria desses serviços.

Reconheço que os sucessivos governos deste País sempre mostraram suas preocupações em promover a “excelência” dos serviços públicos e até já houve iniciativa no passado recente em lançar prémio de atendimento na Administração Pública, como instrumento de promoção da melhoria no atendimento. Com isso, percebe-se que governos que agem dessa forma reconhecem a necessidade de ultrapassar alguns bloqueios e constrangimentos que persistem na prestação dos serviços.

No entanto, como bem disse um dia Tássio Noronha “vivência não é sinonimo de expêriencia quando não levamos alguma boa noção do que se passou …” A este propósito, partilho com os leitores uma experiência que vivenciei, no passado dia 14 do corrente, quando tive de me deslocar a uma instituição pública da minha Cidade Capital para tratar um assunto que vem arrastando há meses. No local, deparei-me, como habitualmente, com uma morosidade excessiva no atendimento que em nada justificaria, caso a culpa não fosse, desta vez e como sempre, atribuída a um tal de “sistema”.

Após ter retirado a senha número “J4”, precisamente às 9:29:34, aguardei a minha vez de atendimento até às 11:55, que consistia apenas em obter a informação sobre a emissão ou não de um documento. O visor eletrónico registava “J2” para esse atendimento. Confesso, entretanto, que fiquei parvo, sem saber o quê que o “sistema” tinha a ver com isso. Ressalvo ainda que haviam três balcões disponíveis para o atendimento, mas apenas um único funcionava.

Prevendo, desde logo, a impossibilidade de ser atendido, dado que mais nenhum utente portador da senha “J” tenha sido atendido, resolvi voltar à casa para o almoço. Entrementes, logo às 14:35, regressei de novo a essa instituição. Reparei que o visor eletrónico marcava, desta feita, a senha número “J7” e “K36”. Retirei uma nova senha e, desta vez, peguei o número “J23”, embora no local estivessem apenas 5 pessoas a aguardar. Esperei pelo atendimento até por volta das 16:10, sem que nem mais uma chamada para o atendimento fora feita. Procurei pelo livro de reclamação e implorei por isso, mas, em não existindo, nada havia de fazer.

Foi, nesse preciso momento, que ouvi uma voz de uma das subdivisões perguntando: “qual o número de senha “K” está no visor?”. Ao que de pronto a única atendente do balcão respondeu: K36. De novo a voz do interior ordenou: Bloqueiem a senha “K”.  

No entanto, o descaso junta-se à perversidade, quando às 16:15, precisamente 5mn após ter se ordenado o bloqueio da senha “K”, entrou um indivíduo, alegadamente conhecido das funcionárias da subdivisão, aparentemente bem mais jovem do que eu e sentou-se numa cadeira ao meu lado. Trazia o número “K48”. As funcionárias dessa subdivisão que viram o sujeito a entrar, pediram lá do fundo que se atendesse “aquele senhor de T-Shirt que estava sentado ali”. Pressupondo elas que o mesmo poderia não ser atendido dado ao avançado da hora, duas funcionárias vieram até ao balcão para o atender.

Tentei compreender o fenómeno que estava assistindo. Não resisti àquela perversidade. Exaltei-me, exigindo que me informassem o critério que estava sendo usado para o atendimento nessa instituição. Entretanto, o meu grito não moveu a atitude das chefias e seus pimpolhos. Uma das funcionárias retornou à subdivisão e a outra atendeu, descaradamente, atendeu esse indivíduo que presumo tenha sentido decoro do ato, assim como eu e todos os demais que ali aguardavam o atendimento há muito mais tempo, incluindo a utente detentora da senha “K37”.

Caros leitores; não creio que este caso reflita a imagem da nossa administração. Mas, por aquilo que se ouve, pode-se perceber que o governo, da forma como está sendo auxiliado pelas suas chefias em quase toda a administração pública, encontra-se fechado num “saco” pronta para ser atirada ao mar, por força de algum “pecado original” de desobediência em não promover qualidade na administração pública.

Apesar da retórica governativa negar a partidarização da administração pública e tenta “justificar” os resultados das eleições autárquicas com subterfúgio à “influência” de elementos afetos a partidos adversários na administração, como forma legitima e não legal de despedir uns e atender à ganância dos militantes oportunistas  que aproveitam o fenômeno eleitoral para sugar o último mililitro de leite que ainda dispõe a governação,  tenho a convicção que o governo precisa, antes de mais, entender a contradição discursiva e analisar a nossa Administração Pública para tentar perceber: o índice de satisfação que merece a nossa Administração Pública e até que ponto os militantes que estão na cúpula da administração preenchem os requisitos para lá estarem. Mas também para refletir e analisar se muitos dos ditos militantes que almejam tanto o poder e se encontravam nas naufragadas listas muito recentemente recusadas pelo povo e que estão a ver ultimamente os seus desejos a serem atendidos pelos políticos, nomeando-os para cargos de confiança política, se: (i) de facto, têm currículos para as novas funções; (ii) apresentam soluções para a melhoria dos serviços públicos e a imagem do Governo que brevemente será submetido uma vez mais, ao veredito popular; (iii) o próprio governo  fez bom aprendizado diante os resultados das autárquicas; e (iv) o governo está a ponderar, como deve ser, as vantagens e os inconvenientes das mudanças em presença.

Um bem-haja a todos! E que para cada um de nós este novo Ano nos traga saúde, sabedoria e paz!

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