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Agostinho Lopes. “Há sinais na sociedade de que as coisas não estão bem”
Política

Agostinho Lopes. “Há sinais na sociedade de que as coisas não estão bem”

Antigo líder do MpD analisa a mexida no Governo e diz que “pela forma como a remodelação foi feita, fica evidente que o PM reconhece os sinais vindos da sociedade”. “Há um limite para além do qual a imagem colectiva começa a ser afectada pelo desempenho de alguns”, afirma, sublinhando que “o MpD tem problemas de organização interna e de liderança local e central”.

O reajuste no Governo, anunciado esta quarta-feira, 20, pelo primeiro-ministro, continua a provocar reacções. Este sábado, 23, foi a vez de Agostinho Lopes, antigo presidente do MpD (2002-2008), tecer considerações sobre as mudanças propostas por Ulisses Correia e Silva.

Num post publicado esta tarde no facebook, Lopes começa por dizer que a mexida no Governo não o surpreendeu, porque, segundo diz, “há muito esperada”. “Quase vinte meses depois, creio que era tempo de se refrescar a equipa. Nenhuma equipa é suficientemente coesa e eficaz para resistir ao tempo. E na política, especialmente no governo, o tempo desgasta, corrói e provoca autismos. A injecção de sangue novo, no decorrer da legislatura, proporciona ideias novas, um redefinir de posições e, normalmente, recompõe os cenários”.

A seu ver, “o momento escolhido, também é o reconhecimento de que há um limite para além do qual a imagem colectiva começa a ser afectada pelo desempenho de alguns. Na verdade, há sinais na sociedade de que as coisas não estão bem. As reclamações são sectoriais e mais vincadas nos desempenhos da Educação, das Industrias Criativas e Comunicação Social, da Saúde, das Infraestruturas, da Economia e Emprego e dos Negócios Estrangeiros”.

“Pela forma como a remodelação foi feita, fica evidente que o PM reconhece os sinais vindos da sociedade; mas entende que um rearranjo na distribuição das pastas, um reforço político do elenco, serão bastantes para melhorar a percepção global do desempenho governativo. Veremos se assim é”, analisa Agostinho Lopes.

O político ressalva que “fica, no entanto, claro que a ideia de um Governo pequeno em Cabo Verde, só tem pernas para andar se ela for seguida de uma profunda reforma do Estado, especialmente da Administração Pública. A nossa AP está formatada para servir um regime de partido único; em que os seus quadros dirigentes têm que ser militantes partidários para se sentirem motivados, precisam de orientação administrativa e não têm poderes de decisão próprios para gerir os seus departamentos operacionais”.

Por isso, advoga Lopes, “muitas vezes, pequenas decisões de gestão financeira, patrimonial e de recursos humanos, precisam de orientação/anuência do Ministro ou do Secretário de Estado, aumentando grandemente o grau de burocracia e de dependência funcional”.

“O acesso aos lugares cimeiros depende da cumplicidade política e do grau de influência que o chefe pode ter com e sobre o candidato. A subsistência no cargo não depende do bom desempenho, da capacidade de gestão correcta e legal da coisa pública ou do cumprimento de um hipotético ‘cahier de mission’, mas das boas ou más relações pessoais que se pode cultivar e manter com o senhor ministro. Este, muitas vezes sem querer, é obrigado pelo sistema a se envolver em questões de gestão corrente que lhe absorve tempo e lhe limita na sua capacidade para governar e decidir sobre as coisas que importam. Com uma AP assim formatada não há pequeno governo que resista. Aliás, todos os primeiros-ministros de Cabo Verde democrático optaram por governos pequenos, no início dos primeiros mandatos. Mas nenhum resistiu à pressão da ineficiência administrativa e nenhum teve coragem para meter mão na massa e reformar verdadeiramente a nossa administração pública”, critica Agostinho Lopes, para quem “o problema não está nas pessoas, mas sim nos conceitos filosóficos de base e nos métodos instituídos. É o sistema”.

Lopes entende que a solução “passará por realizar esta reforma num ambiente de governo médio/gordo e só depois optar por um governo pequeno”. E só depois de feito o trabalho de casa, “aí sim, deve-se rever a constituição e nela fixar a dimensão dos governos em Cabo Verde”.

O ex-líder ventoinha comenta também a “outra dimensão desta remodelação”, que é “a criação de um Ministério de Integração Regional”, que aplaude. “Creio que ele terá como tarefa fundamental traçar e executar políticas que reforcem a nossa integração e acção nos espaços regionais em que estamos inseridos: a CEDEAO, os PALOP, a CPLP, a cooperação entre as ilhas da Macaronésia e demais. Me parece lógico que a remodelação em análise já vem sendo pensada há meses. Mas acredito, também, que o recente desaire na luta pela presidência da Comissão da CEDEAO, tenha influenciado e criação deste Ministério. É bom, porque Cabo Verde ou assume a sua pertença à CEDEAO e tira dela todas as vantagens que a pertença a um espaço deste proporciona, ou então sai. Não faz sentido continuarmos na CEDEAO só para pagar quotas!”, remata, lembrando que “os governos sucessivos, nem sequer cuidaram de participar nos espaços de concertação regional e de tomada de decisões, na organização”.

“E finalmente, uma última nota neste rescaldo. Neste período de vinte meses, já cumpridos nesta legislatura, ficaram evidentes duas coisas: 1º Este Governo comunica muito mal: não consegue passar as suas mensagens e não raras vezes aparece para simplesmente responder a comunicados ou conferências de imprensa dos partidos da oposição; está permanentemente na defensiva; as suas acções só são apreendidas pela população numa fase avançada de execução ou quando já terminadas; a agenda do Governo não é convenientemente publicitada e sua acção política é permanentemente dinamitada pela falta de comunicação. Muito do desgaste sofrido deve-se à ausência de uma estratégia de comunicação clara e eficaz”.

Ponto dois, na óptica de Agostinho Lopes: “Há uma percepção clara de falta de coordenação politica entre os diversos subsistemas responsáveis pela governação. O Governo parece funcionar de per si; o grupo parlamentar do MpD demonstra alguma fraqueza na sua organização interna e na sua relação institucional; o MpD tem problemas de organização interna e de liderança local e central; não motiva os seus militantes; há uma sensação de orfandade por abandono. Todas estas duas situações clamam por atenção e resoluções no sentido da melhoria”.

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Redação