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PGR. Estado e seu Advogado. Que confiança? Que cumplicidade?
Editorial

PGR. Estado e seu Advogado. Que confiança? Que cumplicidade?

Por mais voltas que se dê, por mais teorias ou fundamentos doutrinários que se apresente, para o comum dos mortais o direito é, antes de tudo, bom senso. Aliás, esta definição ouvimo-la, uma vez, de uma pessoa que até é formada em direito - o mui digníssimo escritor do Mindelo, o boa-vistense Germano Almeida. Que triunfe, pois, o bom senso! Sempre!

A Procuradoria Geral da República de Cabo Verde (PGR) acaba de divulgar um comunicado em que manda arquivar uma queixa apresentada por um partido político cabo-verdiano, no caso o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), sobre a gestão do dinheiro público na construção do Mercado do Coco, na capital do país. Para a PGR, “nem toda a denúncia dará lugar à abertura da instrução, sendo necessário, para tal, que a mesma traga consigo a notícia de um crime, ou seja o indício, a suspeita de verificação de um facto criminoso”.

Na sua queixa, o PAICV terá indicado haver indícios de má gestão e de irregularidades que põe em causa bens e recursos públicos e abuso de poder, o que considera ser suscetível de integrar o crime de desvio ou abuso de funções.

Nos negócios dos homens, entre o cliente e o advogado, é justo esperar que prevaleça uma confiança forte, inabalável, irrepreensível. Nas relações entre estes dois sujeitos, a cumplicidade e a defesa de interesses comuns, assumem, em simultâneo, a dimensão de meio e fim, plano e objetivo, causa e efeito. Se não, instala-se a desconfiança, a traição, os golpes, a tirania, com perdas incalculáveis para o cliente, que é quem, no final, acaba pagando todas as faturas, seja financeira, seja emocional e psicológica.

O mesmo acontece nos negócios públicos. O Estado, nas suas relações institucionais, públicas e privadas, conta sempre com a defesa do seu advogado – o Ministério Público – que é seu representante legal, sendo este titular de acção penal, com poderes para “participar, de forma autónoma, na execução de política criminal definida pelos órgãos de soberania”.

É o que determina o Estatuto do Ministério Público (MP) em vigor, aprovado pela Lei nº 89/VII/2011, de 4 de fevereiro. Este diploma define a organização funcional do Ministério Público, onde se destaca a criação, entre outros serviços, do departamento central de acção penal e do departamento do contencioso do Estado, ambos com fortes poderes no domínio da defesa dos interesses deste.

No seu artigo 70, por exemplo, o presente diploma diz, taxativamente, que compete ao departamento central de acção penal, “coordenar a direção dos crimes de corrupção, peculato e participação económica em negócio; e administração danosa em unidade económica do sector público”.

Sendo o direito uma ciência, cabe naturalmente aos teóricos e estudiosos das leis a tarefa de explicar e esclarecer o que acima ficou dito.

Para o comum dos mortais, que entende o direito como bom senso, certamente quando se fala de uma obra pública municipal, em construção há quase 10 anos, onde já se investiu perto de um milhão de contos, conforme notícias vindas a público, e que vai ainda consumir mais 350 mil contos do orçamento do Estado para o ano em curso - não se sabe a coberto de que lei ou programa de financiamento -, está-se, eventualmente, a falar de crime de corrupção, gestão danosa, entre outros palavrões da mesma família.

Cremos que não há, e nem poderia haver, muitas dúvidas por parte dos cabo-verdianos de que a construção do Mercado do Coco não esteja firmada em atos administrativos e financeiros poucos claros e que não dignificam a gestão dos recursos públicos, pondo em causa a imagem das instituições, no caso, a Câmara Municipal da Praia, e o próprio Governo, podendo este passar a ser visto como conivente com aquela, sobretudo agora que vai alocar mais 350 mil contos nesta obra municipal.

E perante um cenário deste, sem uma explicação racional, baseada nas leis e nos demais regulamentos, fica complicado aos cabo-verdianos entender este assunto, que já anda na agenda pública faz algum tempo.

Ora, cumprir e fazer cumprir os princípios da eficiência e eficácia na gestão dos recursos públicos, constitui uma das principais obrigações do Estado, no exercício das suas funções públicas. Sobretudo no contexto dos regimes ditos democráticos, onde pontificam as leis e o direito.

Os regimes democráticos se afirmam no quadro da divisão de poderes, prevendo a existência de órgãos com poderes constitucionais e legais específicos para fazer funcionar a máquina pública. O poder judicial, tal como os demais órgãos, desempenha um papel preponderante no funcionamento das instituições democráticas e na salvaguarda dos interesses do Estado.

O Ministério Público é, neste contexto, o advogado do Estado. É a lei a dizer isso. Possui uma estrutura, pessoal e orçamento para defender o Estado, sendo o fiscal da legalidade e titular de acção penal. Então, que exerça o seu papel, no sentido de “coordenar a direção dos crimes de corrupção, peculato e participação económica em negócio; e administração danosa em unidade económica do sector público”, que pode ser o caso em apreço.

A lei confere poderes e autonomia ao MP para trabalhar neste sentido, assumindo o Estado todos os custos do processo. É a velha relação cliente/advogado.

A direção,

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