A força, os fundamentos, as estruturas das sociedades democráticas estão na credibilidade das suas instituições e na idoneidade dos seus órgãos representativos. O bem-estar social, a paz e a saúde psicológica de uma nação, de um povo, são, em justa dimensão, tributários da confiança e credibilidade que as instituições democráticas gozam junto das organizações da sociedade civil, e das populações, particularmente.
Pode-se falar, no limite, de uma relação de causa e efeito, na medida em que sem a credibilidade e a confiança institucionais, a democracia fica enferma e a nação cai na incredulidade e na indiferença. E uma nação incrédula, uma nação que não confia nas suas instituições, é uma nação psicologicamente debilitada, porque deprimida e arriada à marginalidade e ao descaso.
A legitimidade de qualquer poder esteve, está e estará sempre umbilicalmente ligada à sua capacidade de produzir o bem comum, de proteger o interesse comunitário, de gerar a satisfação colectiva. São esses atributos que legitimam os poderes e credenciam os seus representantes.
Vem isto a propósito do Relatório sobre o Estado da Justiça e dos números sobre o crime tornados públicos pelo Conselho Superior do Ministério Público, presidido pelo procurador geral, Óscar Tavares, e que foram prontamente desmentidos pelo ministro da Administração Interna, Paulo Rocha.
Com efeito, o Relatório sobre o Estado da Justiça referente ao ano 2017/2018, apresentado pelo CSMP, diz que houve um aumento exponencial de crimes contra património e contra pessoas, sobretudo violência sexual contra menores.
Em relação a este último, o referido relatório diz que os crimes sexuais em Cabo Verde aumentaram quase 60% no ano judicial de 2017/2018, de 523 para 823 casos, mais de um terço dos quais é referente a abusos sexuais de crianças.
No que se refere aos homicídios, aquele documento do Ministério Público regista 354 crimes de homicídios no período em destaque, mais 166 que no ano anterior, tendo aumentado igualmente os crimes de droga. Especificando, temos que o crime de homicídio tentado corresponde a 57% dos registados, seguido dos homicídios simples (22%) e dos negligentes (19%)
Ora, perante esses dados oficiais do Ministério Público, aparece o ministro da Administração Interna perante as antenas da Rádio Nacional (jornal da tarde do dia 23 de Outubro, a partir do minuto 27), a desmentir esta instituição, que é detentora de acção penal em Cabo Verde. Nas suas declarações, aquele governante chegou mesmo a afirmar que os números divulgados pela imprensa, e que foram extraídos do relatório do CSMP, são falsos, e que se fossem verdadeiros o país estaria á beira de um colapso social.
Não deixa de ser estranho que até este momento o magistrado Óscar Tavares, que é o presidente do CSMP, não tenha vindo a público dizer da sua justiça sobre o desmentido do ministro Paulo Rocha em relação aos dados do seu relatório.
Dada a gravidade deste desmentido – a partir de agora, em quem a nação deve acreditar? – torna-se esforçado entender o silêncio daquele magistrado como consentimento, na esteira do que recomenda o saber popular, segundo o qual “quem cala consente”. Porque, se assim for, quando é que os cabo-verdianos voltarão a acreditar no Ministério Público? Se assim for, como é que os cabo-verdianos passarão a classificar esta instituição que é detentora da acção penal, e como tal, fiel depositária da legalidade em Cabo Verde?
E se o desmentido do ministro Rocha não corresponder à verdade, como é que o Governo fica neste processo?
Afinal quem está a mentir aos cabo-verdianos e porquê? Porque, tudo indica que alguém esteja a faltar à verdade, beliscando o Estado de Direito e a Democracia.
Com efeito, estes dois sujeitos públicos –Tavares e Rocha - são pagos com os recursos da nação, para prestarem um serviço que seja, no limite, proporcional à demanda da colectividade e à preservação do interesse nacional, respeitando sempre os princípios da legalidade, da transparência, do interesse público, da veracidade e da eficácia e eficiência.
Daí que esta troca de números tem que ser explicada aos cabo-verdianos, por imposição da Lei e do Direito.
Na verdade, é necessário que se conheça quem está sendo tramado aqui? Ou então, o que é que está sendo tramado aqui e porquê? A resposta a estas questões é necessária para assegurar a paz social e o bem-estar da nação.
Porque, se não se salvar a credibilidade das instituições, o Estado estará certamente a semear a incredulidade da nação.
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A direcção,
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