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Germano Almeida. “O Tribunal Constitucional haverá de reconhecer um dia que errou no caso do Amadeu. Porque acentuou o descrédito na Justiça”
Entrevista

Germano Almeida. “O Tribunal Constitucional haverá de reconhecer um dia que errou no caso do Amadeu. Porque acentuou o descrédito na Justiça”

“A questão é se isto é Justiça. Porque vingança não é justiça”, afirma, eloquente e austero, o jurista, advogado e prestigiado escritor, Germano Almeida, Prémio Camões, sobre o mediático processo Amadeu Oliveira. O autor da “Ilha Fantástica” ou “Os dois irmãos” vem insistindo em diversos artigos de opinião em como o Tribunal Constitucional agiu muito mal e decidiu muito pior no processo que mantém o advogado e ex-deputado nacional Amadeu Oliveira preso na cadeia de Ribeirinha, em São Vicente, condenado a sete anos e meio de cárcere por “atentado contra o Estado de Direito Democrático”. Um crime que Germano Almeida considera “completamente absurdo”, defendendo, quando muito, crime contra o Estado de Cabo Verde. Nesta short interview com Santiago Magazine, o reputado romancista e advogado acredita que o presidente da República, ao pedir à sociedades que abra um debate sobre o Acórdão do TC, mostrou não concordar com essa decisão e faz uma ponte entre o Acórdão 17/23 e as sentenças de regimes soviéticos, totalitários. "Quando o Tribunal Constitucional vem dizer, com base num costume, que “o Parlamento fez bem” está a justificar uma asneira.

Santiago Magazine – O Tribunal Constitucional emitiu um Acórdão que sustenta a sua tese no “costume” para legitimar a Resolução da Comissão permanente da Assembleia Nacional que autorizou a detenção do deputado Amadeu Oliveira, fora de flagrante delito, para prestar depoimento em sede do tribunal sem que tenha havido um despacho de pronúncia do juiz. Mas o argumento-base desse Acórdão 17/23, contradiz um outro de 2017 (n. 27/17), dos mesmos juízes-conselheiros, que na altura consideram o costume como inconstitucional e inaplicável. E agora? Fica sanada a suposta ilegalidade cometida pelo Parlamento?

 

Germano Almeida – É evidente que não fica. Os órgãos do poder podem achar que ficou sanada essa ilegalidade, mas a falha continua lá aberta como uma ferida. Porque não é pelo facto de o Tribunal Constitucional ter dito agora exactamente o contrário do que tinha defendido há cinco anos (Acórdão 27/17) que a falha fica composta. O erro, agora, foi mais grave porque tentaram desmentir uma coisa que é a evidência. É como essa estória de estar sol e a gente diz que não está sol, mais nada.

A Constituição proíbe a aceitação de “costumes” contra a lei e no entanto ela foi criada e justificada pelos juízes  do TC que há apenas cinco anos juravam que nunca deveria ser feito. Ora, tendo agido desse modo, o TC deu uma fortíssima machadada no estado de direito democrático que pretendemos construir, o TC decapitou a construção do tal estado democrático, porque simplesmente destruiu a segurança jurídica que tinha especial dever de defender.  O TC ignorou os princípios que enformam o nosso sistema, desprezou os nossos valores sociais, agiu como quem quer, pode e manda.

 

- Escreveu também há dias a questionar onde fica a honra do Parlamento diante desta decisão do TC. Pergunto, até que ponto o Parlamento perdeu a sua honra?

- A postura do Parlamento foi, na verdade, justificada pelo Tribunal Constitucional. Digo justificada entre aspas, porque o Parlamento ‘meteu água’ quando entregou o Amadeu Oliveira à Justiça. Mas quando o Tribunal Constitucional vem dizer, com base num costume, que “o Parlamento fez bem” está a justificar uma asneira.

As pessoas que conhecem minimamente a literatura sabem perfeitamente que os regimes soviéticos e sovietizados praticaram isso muitas vezes e não foi por isso que ficaram legalizados. O tipo de sentença que o Tribunal Constitucional deu agora, contrariando o que tinha feito no passado recente, é um tipo de sentença que encontramos muito nos regimes totalitários.

 

- Considera então que o Amadeu Oliveira foi declarado um alvo a abater?

- O Amadeu pôs-se a jeito. Começaram a dizer que ele é o L’Enfant Terrible e ele quis justificar a sua posição de L’Enfant Terrible. O Amadeu conseguiu criar o ódio de todas as instituições. E estas instituições estão a vingar do Amadeu das humilhações que o Amadeu os fez passar. A questão que temos ainda é o seguinte: isto ainda é Justiça!, porque vingança não é justiça. Porque o Amadeu não está a ser tratado com justeza. O crime de que ele é acusado é um crime completamente absurdo, isto é, Crime de Atentado contra o Estado de Direito Democrático.

 

- E com todas as críticas contra o sistema de Justiça, tudo o que aconteceu até aqui (entre a Resolução do Parlamento, a condenação e o Acórdão do Tribunal Constitucional que considera inconstitucional) acentua ou acentuou ainda mais o descrédito na Justiça em Cabo Verde?

- Exactamente. Acho que o Tribunal Constitucional ter essa habilidade de acentuar o descrédito na Justiça. O seu Acórdão é escandalosamente inconstitucional e activa ou passivamente vão reconhecer um dia que cometeram erro. O TC terá de desculpar-se, porque o seu Acórdão não tem pernas para andar, nem terá.

– Em tudo isso, o presidente da República, quando chamado a capítulo enquanto guardião da Constituição, sugeriu à sociedade civil que abrisse um debate para se discutir o assunto. José Maria Neves esteve bem ou limitou-se a passar a batata-quente para a sociedade, lavando as suas mãos?

– É evidente que num caso deste tipo, o presidente da República, enquanto guardião da Constituição e perante a gravidade da postura do Tribunal Constitucional, não quis ir tão longe. Lembre-se que quando falamos dos tribunais… as decisões dos tribunais são incontestáveis. O Tribunal já falou, a gente não pode dizer mais nada. Quando o presidente disser não!, peraí, discutam!, ele quer dizer que também não concorda com a decisão do Tribunal Constitucional – de facto, ninguém concorda com esta decisão.

(Germano Almeida já havia, de resto, instado o PR a tomar uma posição, como se pode ver no videonestelink)

https://www.youtube.com/watch?v=_fGK3tkjRcg

 

- Num dos seus artigos de opinião, disse que não há como julgar alguém por Atentado contra o Estado de Direito Democrático e sim por Atentado contra o Estado de Cabo Verde.

- É um disparate, aproveitou-se disso para manter na cadeia o Amadeu Oliveira. Não há crime de atentado contra o Estado de Direito Democrático, aquilo é um disparate. Sempre achei que o Amadeu deveria ser punido caso não se provasse as acusações que ele fazia, mas esse crime de que o acusam é um completo absurdo, portanto, eu tenho de estar contra essa acusação gravíssima, que não faz sentido nenhum.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine