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Santiago. De ilha de homens insurgentes a ilha de homens indigentes
Colunista

Santiago. De ilha de homens insurgentes a ilha de homens indigentes

Sei que o momento é inoportuno para exigir qualquer coisa dos governantes. Os deputados da situação estão mais preocupados em bajular o chefe do governo para poderem constar na lista, numa posição elegível nas próximas eleições. Portanto, dizer que Santiago está de rastos implica ficar como 8° suplente. Dizer que é desumano ver renque de crianças a começar de Sete Manipo em Godim até à esquadra dos Picos, alguns dentro da faixa de rodagem, com sacos de zimbrão, tamarindo e mangas aliciando pessoas como forma de levarem tostões para o jantar, cai mal aos ouvidos dos feitores das listas de deputados. O desfile de prados, de milhares de contos, com vidros escuros apesar de ser um insulto a essas crianças, permite aos seus ocupantes ver a realidade de Santiago que é ka só Praia. A futura geração de santiaguenses não nos perdoará pela nossa fraca capacidade reivindicativa!

Esta geração de santiaguenses na qual me incluo, salvo raríssimas exceções, é a principal responsável pelo estado de abandono que a ilha se encontra neste momento.

A nossa maior ilha e a mais habitada, além de estagnada, em muitos aspetos, retrocedeu grandemente perante a passividade, a letargia, a indiferença e o conformismo dos santiaguenses.

Os nossos antepassados, homens que desafiavam o poder colonial, que protestavam e se faziam ouvir na metrópole, quando a dignidade da ilha era posta em causa, hoje devem estar a revirar-se nas tumbas, incrédulos, perante o nosso desprezo e apatia para com a ilha mãe. 

Para Santiago, não há nenhuma obra relevante. Com sete municípios com saída para o mar, a ilha é servida por um único porto, o da Praia, quando no passado, as pessoas iam para a costa africana em navios a partir do porto da Ribeira da Barca. Em 1978, navios nossos desembarcavam recrutas e embarcavam centenas de soldados no Porto do Tarrafal. 

Quarenta e cinco anos depois, não temos navios nem portos. Os tarrafalenses e os ribeira barquenses e os demais municípios do interior (São Miguel, Santa Cruz, S. Domingos e Ribeira Grande de Santiago) em termos marítimos têm de se conformar com a fibragem de alguns botes e a distribuição de malas térmicas. Quanto às novas atribuições de bicicletas para peixeiros, só em 2026.

No que diz respeito a transportes aéreos, é incompreensível que a capital do país não tenha um aeroporto com a dignidade que a mais importante ilha do país merece. 

Em 1962, há 61 anos, o ministro do ultramar Dr. Adriano Moreira visitou Cabo Verde, acompanhado do governador Silvério Marques. Os dois foram ao Tarrafal, mas não foram de carro nem de barco; foram de avião dos TACV e aterraram em Mangue, na ex-vila do Tarrafal. Neste ritmo, as próximas gerações de tarrafalenses jamais virão um avião no seu solo.

Se tivéssemos ainda hoje uma pista, mesmo de terra batida no Tarrafal, e avião, com o último incêndio na zona de Serra Malagueta, o resultado do combate provavelmente seria menos trágico. 

A via rápida Praia/Tarrafal e o hospital nacional estão há décadas em estudo. Para Santiago é estudos que nunca mais acabam perante a passividade dos santiaguenses.

No domínio do turismo, dá impressão que existe um plano maquiavélico ou um complô para que nada avance. Há muitos interesses e interessados no tabuleiro turístico e há quem ache que o desenvolvimento do turismo nesta grande ilha é concorrencial às ilhas ditas turísticas. É por isso que existe aqui uma manada de elefantes brancos (infraestrutura hoteleiras) que não arrancam ou estão em banho-maria 

O Hotel Santiago Golf Resort, um megaprojeto com uma área de 600 hectares, nas imediações da central elétrica do Palmarejo, com quase trinta anos, não passou de uma cerca. O projeto Sambala Village, em Vale da Custa no concelho de S. Domingos, avaliado na altura, em 630 milhões de euros, está a cair aos pedaços, desde 2005. O Hotel Casino, no nosso antigo ilhéu, agora propriedade de David Chow, avaliado em 250 milhões de euros, não ata nem desata. O empreendimento que era para dar emprego a centenas de cabo-verdianos, emprega anos a fio uma única pessoa: o guarda da empresa privada colocado à entrada da baía.

Em Santiago, nada avança. Quando uma obra como o Mercado do Coco lançada pelo antigo autarca da Praia, agora primeiro-ministro, fica abandonada anos seguidos, como exigir que outras obras lançadas cumpram o prazo de execução?

Santiago é uma ilha infeliz que para a construção de grandes obras é preciso ragatxa pé na txon como foi com a Universidade de Cabo Verde, quando pessoas de outras ilhas entenderam que a mesma não deveria ser edificada em Santiago. Num outro momento que um alto dirigente entendeu que a cooperação luxemburguesa que foi concentrada numa ilha do Norte também devia diversificar a sua ajuda para Santiago, o que contribuiu para a construção da Escola Nacional de Hotelaria e Turismo, quase caía o Carmo e a Trindade.

Já no que respeita à taxa turística, não entendo o critério inventado para a distribuição das receitas. Para o desenvolvimento turístico de qualquer parte do território, todos os cabo-verdianos contribuem.  São necessários portos, aeroportos, estradas, água, eletricidade, hospitais, redes de esgosto e centros de saúde. Tudo isso só será possível com a comparticipação de todos. Agora na hora de colher louros, a maior fatia fica nas ilhas que têm menos população, que deram menos contributo e que têm menos problemas. Isto é, 40% para uma, 30% para outra e os restantes 30% para as restantes sete ilhas, incluindo Santiago. Esta é uma forma descarada de criar fosso entre ilhas. Tudo isso, nós badios de Santiago, aceitamos com naturalidade.

Ter naturais de Santiago na testa da direção do país tem-se revelado insignificante para as aspirações desta ilha. O estatuto especial para a cidade da Praia foi chumbado no Parlamento com votos dos deputados de Santiago. É notório que muitos santiaguenses são sombra coco; o coqueiro projeta a sua sombra para longe do seu caule. As pessoas que não nasceram em Santiago têm sido mais amigas desta ilha do que os chamados nativos. As grandes obras da cidade da Praia foram feitas por um autarca natural de Boavista e no domínio cultural o pouco que temos, as placas indicam o nome de um santantonense.

Assim, devido à nossa indiferença, Santiago acabará nos próximos tempos reduzido a escombros.

A única preocupação do governo com Santiago é a dessalinização da água do mar para fornecer à empresa Água de Rega para ser vendida a preço de ouro, isto é, para dar razão a um ilustre cabo-verdiano que dizia que esta ilha não precisava de liceu, mas sim de uma escola agrícola.

Uma outra consequência nefasta é o despovoamento com a saída em massa de jovens. Isso nos faz lembrar uma tirada jocosa do chefe do governo que na inauguração da extensão do porto do Maio em 2022, quando dizia aos jovens que já não havia necessidade de sair do país, porque encontrariam na ilha empregos. 

Uma coisa é certa, os nossos dirigentes não conhecem a realidade de Cabo Verde e muito menos da África. Um único porto de um país da CPLP, Angola, movimenta num ano, 17 milhões de toneladas, trabalhando 365 dias por ano. Todos os portos de Cabo Verde juntos não movimentam 200 mil toneladas. Mesmo assim, os jovens angolanos emigram. Um porto como o do Maio que funciona 6 a 8 horas por dia, três vezes por semana, que não movimenta contentores, e cuja carga principal resume-se a artigos para os pequenos comerciantes, consegue fixar os jovens na ilha?

O poeta Onésimo Silveira, quando escreveu há dezenas de anos "um poema diferente" não estava no seu horizonte que hoje 48 anos após a independência, ainda teríamos braços à espera de trabalho e bocas à espera de pão.

Sei que o momento é inoportuno para exigir qualquer coisa dos governantes. Os deputados da situação estão mais preocupados em bajular o chefe do governo para poderem constar na lista, numa posição elegível nas próximas eleições. Portanto, dizer que Santiago está de rastos implica ficar como 8° suplente. Dizer que é desumano ver renque de crianças a começar de Sete Manipo em Godim até à esquadra dos Picos, alguns dentro da faixa de rodagem, com sacos de zimbrão, tamarindo e mangas aliciando pessoas como forma de levarem tostões para o jantar, cai mal aos ouvidos dos feitores das listas de deputados. O desfile de prados, de milhares de contos, com vidros escuros apesar de ser um insulto a essas crianças, permite aos seus ocupantes ver a realidade de Santiago que é ka só Praia.

A futura geração de santiaguenses não nos perdoará pela nossa fraca capacidade reivindicativa!

 

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