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Há ou não há compra de votos em Cabo Verde? Do “tabu” à hipocrisia!
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Há ou não há compra de votos em Cabo Verde? Do “tabu” à hipocrisia!

...a prática de compra de votos é hoje oficial no nosso país. Está no orçamento do Estado, que é uma lei do parlamento. O Fundo Mais, o Cadastro Social Único e o Rendimento Social de Inclusão estão previstos no orçamento, na lei, e mais não têm sido do que moedas de troca em períodos eleitorais. Por exemplo, o Fundo Mais, em 2024, ano de eleições autárquicas, conheceu um crescimento exponencial de mais de 500 por cento. Fora do orçamento, fora das leis, o governo tem criado outros mecanismos paralelos para trabalhar nos bastidores da compra do voto, com técnicas mais ou menos sufisticadas, mas que não conseguem esconder o rabo do avestruz. É o que está, por exemplo, a acontecer neste momento quando o governo patrocina a transferência de fundos da CEDEAO (770.143 USD) para a MORABI, uma associação presidida pela vereadora do MpD na Câmara Municipal da Praia, Maria Aleluia Barbosa, vereadora essa que hoje ocupa o lugar deixado vago pela atual deputada ventoinha, Lúcia Passos.

Cabo Verde é um país de “tabus”. Aqui não se fala, não se discute vários assuntos de interesse para o país, para as populações e para as instituições da República, numa espécie de pacto de silêncio, sob falsas alegações de que é necessário preservar e proteger sensiblidades, sentimentos morais, ou tão-somente para não aparecer como extremista, entre outros adjetivos de conveniência.

Se um cidadão afirmar, por exemplo, que Cabo Verde é um país hipócrita correrá sérios riscos de ser ostracizado, sob a acusação de que estará a ser incorreto ou até mesmo indecente para com o seu país.

Mas a verdade é que efetivamente temos um país hipócrita, e se não assumirmos este facto, estaremos a ser cúmplices da nossa própria derrota, estaremos a ser simultaneamente arquitetos e edificadores de uma sociedade apática e presa nos limites que a si mesmo se impõs, mentores de um país frágil, inseguro e perdido nos labirintos da mentira e da omissão.

Num país sério, num país onde os homens e as mulheres querem vencer os desafios do presente para se empreender a estrada do futuro, não pode haver assuntos tabus, sobretudo quando esses assuntos brigam frontalmente com a sanidade coletiva, com o funcionamento das instituições da República e com a salvaguarda do interesse público.

Vem isto a propósito das eleições em Cabo Verde e das hipotéticas práticas de compra de votos. Há ou não há compra de votos em Cabo Verde? É claro que há, sim senhor!

Antes de mais, convem estabelecer a diferença entre compra de votos e venda de votos.

Compra de votos é normalmente praticada pelos atores políticos, no sentido de condicionarem as intenções de voto dos eleitores, mediante distribuição de favores em forma de prestação de determinados serviços públicos, promessas de cargos de relevo, cestas básicas, pagamento de propinas aos que estudam, liquidação de faturas de consumo de água e energía elétrica, ajudas para reparação de casas e distribuição de dinheiro por meio de depósitos bancários e em envelopes, sobretudo nas vésperas e dias de eleições.

Venda de votos dá-se quando o eleitor recebe as ajudas, os pagamentos e as facilidades dos atores políticos e vota em concordância com a indicação recebida desses mesmos “benfeitores”, muitas vezes não por sua vontade, mas sim, condicionado pelo dever moral da palavra dada, que é uma das caraterísticas bem vincada do cabo-verdiano.

A prática de venda de votos é extensiva a todas as classes sociais, dependendo das exigências e do preço que cada eleitor conseguir impor durante o processo negocial, ou no caso das classes menos favorecidas, as exigências e o preço que lhes forem impostos pelos "compradores".

Em Cabo Verde, o negócio de compra e venda de votos já está praticamente instituicionalizado, e em certas situações oficializado já.

O atual governo e o partido que o sustenta têm vindo a desenvolver um conjunto de ações neste sentido, em forma de políticas públicas de promoção social, que mais não são do que medidas de condicionamento e compra de votos.

Esta semana, o presidente da Câmara Municipal da Praia publicou um post no facebook onde abordou este assunto de uma forma muito clara.

Há cerca de duas semanas, um ministro e “único candidato oficial à Câmara da Praia”, como ele mesmo se assumiu, disse perante os órgãos de comunicação social que em Cabo Verde “não se ganham eleições com bons candidatos ou boas equipas, mas sim consoante a capacidade de mobilização do voto no dia das eleições.”

Fez bem o ministro/candidato quando assumiu esta verdade, hipocritamente considerada tabu entre nós.

Até porque a prática de compra de votos é hoje oficial no nosso país. Está no orçamento do Estado, que é uma lei do parlamento. O Fundo Mais, o Cadastro Social Único e o Rendimento Social de Inclusão estão previstos no orçamento, na lei, e mais não têm sido do que moedas de troca em períodos eleitorais. Por exemplo, o Fundo Mais, em 2024, ano de eleições autárquicas, conheceu um crescimento exponencial de mais de 500 por cento.

Fora do orçamento, fora das leis, o governo tem criado outros mecanismos paralelos para trabalhar nos bastidores da compra do voto, com técnicas mais ou menos sufisticadas, mas que ainda assim não conseguem esconder o rabo do avestruz.

É o que está, por exemplo, a acontecer neste momento quando o governo patrocina a transferência de fundos da CEDEAO (770.143 USD) para a MORABI, uma associação presidida pela vereadora do MpD na Câmara Municipal da Praia, Maria Aleluia Barbosa, vereadora essa que hoje ocupa o lugar deixado vago pela atual deputada ventoinha, Lúcia Passos.

São cerca de 70 mil contos colocados nas mãos de políticos do MpD, por meio de uma ONG próxima deste partido, destinados à reabilitação de casas de casas da famílias de baixa renda, construção de casas de banho e apoios para alimentação (cestas básicas).

Ora, a organização do Estado de Cabo Verde inclui os municípios, e estes têm como missão constitucional realizar o interesse das suas populações, em cumprimento de um conjunto de competências e atribuições, entre as quais constam as atividades que o governo anda a transferir para organizações privadas, como este caso da transferência dos fundos da CEDEAO para a MORABI, que é conhecida como uma organização satélite do MpD e sua principal aliada em todas as "ocasiões."

Está claro? O avestruz pode até ter conseguido esconder a cabeça, mas o rabo, este, está totalmente exposto.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine