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Da judicialização da política e da politização da justiça
Colunista

Da judicialização da política e da politização da justiça

...existe um sistema fechado, opaco, ritualista, hierarquizado, intocável, poderoso, corporativista, de um lado, - o sistema judicial e, do outro lado, um indivíduo, isolado, indefeso, que “desafiou” o sistema em praça pública, que “ensaia” desestabilizar o sistema, que fala e escreve coisas fora da “liturgia canónica” do sistema – o Dr. Amadeu Oliveira. Temos uma situação do “nós” - sistema judiciário – contra o “outro” - Dr. Amadeu Oliveira. O que está em causa aqui é a estabilidade do sistema como um todo que foi, supostamente, ameaçada pelas atuações do jurista Dr. Amadeu Oliveira, este “outro” “incómodo”, “perturbador”, “delinquente”, “transgressor”. O “NÓS” acusa o “OUTRO” e vice-versa, porém, os poderes de uns e de outros são astronomicamente, desiguais: enquanto um tem todo o poder o outro está despojado dele e, por isso, parece não ter razão por que não se consegue fazer-se ouvir a sua voz contra a poderosa e estrondosa voz do sistema.

O país entrou numa onda da moda mundial de transformar todos os seus dirigentes políticos em potenciais agentes criminais e tanto os do povo quanto os próprios políticos se auto-acusam e auto-agridem por tudo e por nada – por uma notificação como testemunha ou mesmo como arguido no MP ou tribunal - fazendo com que a credibilidade de toda a classe política se desgaste e se desqualifique continua e profundamente.

Assistimos muitas vezes os dizeres que o(a) sr(a). deputado(a) tem processo tal e tal como se essas afirmações correspondessem à uma prova de culpabilidade e sentença já transitada em julgado e que o sentenciado esteja recusando a cumpri-la.

Mais ainda, passamos uma ideia generalizada de que TODOS os que estejam em cargos executivos da administração central, municipal, administração indireta são corruptos e desviam recursos públicos, fato esse também não verdadeiro embora bastas vezes já cansemos de ouvir dizer que políticos “é só ladron”.

Acho tão violento quanto falso uma generalização tão grosseira e rasteira dessa natureza, igualmente, perigosa e contra-producente. São formas de desqualificar uma classe, uma categoria de pessoas e ajudar a, realmente, fortalecer aqueles indivíduos que se usam e abusam da política como elevador social e meio para prejudicar o povo e o interesse coletivo.

Na verdade, existem na política indivíduos sem escrúpulos, ordinários e até corruptos mas a grande maioria é formada por gente séria e honesta que merece a nossa credibilidade, reconhecimento e aplausos!

Deveríamos sim, ter a capacidade de saber separar uns dos outros: os bons dos maus e fortalecer a nossa democracia ao ponto de poder manter um “corpus” administrativo em determinadas áreas chaves da governação, independentemente, dos Governos de plantão. “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”, Martin Luther King Jr.

O CASO DR. AMADEU OLIVEIRA

Trata-se agora da politização da justiça.

Poderíamos tratar o caso do dr. Amadeu Oliveira sob a perspectiva jurídica mas essa não será desta vez. Convido o leitor para uma viagem antropológica para onde se confrontam duas entidades que se opõem, mutuamente, e só se reconhecem pelas diferenças e não pelos pontos que os poderiam aproximar. Ele é jurista, advogado e ex-procurador, portanto, conhecedor do sistema judicial.

Efetivamente, existe um sistema fechado, opaco, ritualista, hierarquizado, intocável, poderoso, corporativista, de um lado, - o sistema judicial e, do outro lado, um indivíduo, isolado, indefeso, que “desafiou” o sistema em praça pública, que “ensaia” desestabilizar o sistema, que fala e escreve coisas fora da “liturgia canónica” do sistema – o Dr. Amadeu Oliveira. Temos uma situação do “nós” - sistema judiciário – contra o “outro” - Dr. Amadeu Oliveira.

O que está em causa aqui é a estabilidade do sistema como um todo que foi, supostamente, ameaçada pelas atuações do jurista Dr. Amadeu Oliveira, este “outro” “incómodo”, “perturbador”, “delinquente”, “transgressor”. O “NÓS” acusa o “OUTRO” e vice-versa, porém, os poderes de uns e de outros são astronomicamente, desiguais: enquanto um tem todo o poder o outro está despojado dele e, por isso, parece não ter razão por que não se consegue fazer-se ouvir a sua voz contra a poderosa e estrondosa vóz do sistema.

Citando Celso de Mello, juíz do STF (Supremo Tribunal Federal do Brasil), “vivemos tempos difíceis”, eu diria, muito, muito difíceis!!! Parece que tem pessoas que andam com os Códigos Penal e Processual Penal na mão para caçarem os “delinquentes” e “perturbadores” do sistema, ao invés de empunharem a CONSTITUIÇÃO da República que exalta o cidadão, os direitos, liberdades, garantias e que diz que a Justiça é feita pelos juízes em nome do POVO!

Tenho absoluta convicção de que se o caso Dr. Amadeu fosse submetido a um sistema de júri popular seria absolvido e aplaudido como herói e sairia sobre os ombros dos populares!!!

“A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”, Martin Luther King Jr.

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