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E kusa di Stadu
Elas

E kusa di Stadu

“No final de contas, o valor de um Estado é o valor dos indivíduos que o compõem.”Mill, Stuart

Desde muito pequena que assistia a comentários jocosos ou depreciativos das pessoas com relação aos bens públicos, originando a máxima, “E kusa stadu”, querendo referir-se a algo que pode ser usado e abusado de forma irresponsável e ilimitada. Essa expressão era e é frequentemente usada quando alguém quisesse e quer se apoderar de alguma coisa sem pagar e, para mostrar desdém, a expressão, “E di Stadu”. E quando a situação é contrária, querendo valorizar o que é dele, obviamente a expressão é, “E ka di Stadu”.

Houve grande esforço em Cabo Verde no sentido de infraestruturar o país, construindo escolas, hospitais, diques, banquetas, estradas, e outros equipamentos sociais de grande valia na construção de um país e na criação de condições rumo ao crescimento económico. Também houve tentativas de sensibilização da população no sentido de adotarem os equipamentos sociais como sendo propriedade delas, sem, contudo, haver encarnado no espírito das pessoas a consciência de que os equipamentos sociais são bens comuns que devem ser preservados; ainda há muita confusão na ilha de Santiago, fazendo com que muitas vezes as infraestruturas sociais construídas pelos governos central e locais ou pelas ONG’s (Organizações Não Governamentais) são vistas como alheias e se apodera delas para tirar vantagens pessoais. Painéis solares são roubados, fios de telefone e eletricidade são levados, poços e postos de transformações vandalizados, locais públicos pichados, quebrados, estradas cortadas e sinalizações destruídas, só para citar alguns exemplos. Todavia, o que mais me revolta é a vandalização dos espaços educativos. Talvez o facto de nunca ter estudado numa escola de verdade durante a minha infância e adolescência, faz com que eu dê, tanto valor a uma escola, construída de raiz! Fico doente quando vejo ou oiço notícias de vandalização de escolas, jardins infantis e outros locais de educação. Mormente quando estes atos são praticados pelos próprios membros da comunidade! O que acontece nesta ilha merece atenção especial.

Estive a ver alguns posts sobre a reabilitação de escolas em vários lugares de Cabo Verde, por parte do Ministério de Educação, que muito congratulo. Há mais escolas com necessidade de reabilitação. Há outras que antes de finalizarem já se encontram em estado de degradação. Há algumas cuja construção não obedeceu a todos os critérios para construção, tanto em termos técnicos como materiais. Contudo, há uma grande irresponsabilidade por parte das comunidades locais com relação aos bens públicos. Muitas das reabilitações seriam desnecessárias caso as populações se unissem para preservação dessas infraestruturas, não as vendo como “kusa Stadu”, mas sim, como “kusa di nos”. Muito dinheiro seria poupado, muitos constrangimentos seriam minimizados!

Quero ilustrar com um caso que me vem perturbando de há um tempo a esta parte: uma escola do interior de Santiago, que, por causa de vandalismo reiterado dos membros da própria comunidade, teve que ser fechada. As criancinhas desta comunidade foram obrigadas a deslocar-se a outra comunidade mais distante, usando uma estrada nacional com algum perigo por causa do tráfico constante (felizmente os condutores vendo o drama delas, levam-nas de graça) para poderem assistir às aulas. Roubo dos géneros alimentícios, dos equipamentos, fezes em cima das mesas e cadeiras, roubo de portas e janelas, equipamentos sanitários... A escola agora ficou de pé “nua”, a olhar para nós, portas e janelas escancaradas, parecendo nos dizer, “não conseguem fazer nada”???  Pergunto: onde está a comunidade? Onde está a defesa daquilo que é nosso? (Conferir fotos).

Todos sabem quem são os autores desta barbárie; todos beneficiam do edifício nessa comunidade; contudo, a falta de espírito de cidadania, respeito e zelo pela coisa pública, impede com que se faça a coisa certa: a denúncia, que se possa por cobro à situação. Conivência, aliada á inercia! Tudo em nome de “é ka di meu, e kusa stadu!” 

As autoridades também têm a sua quota-parte. Vandalizar locais públicos devia ser considerado um crime grave. Vandalizar escolas, instituições de ensino, devia ser considerado crime grave. Considerado e também levado às últimas consequências!

Enunciei só este caso, mas sabemos dos roubos que se perpetuam nas escolas, uma afronta de todo o tamanho, com contornos de chacota, perpetuados pelos membros da própria comunidade. Panelas, pratos, feijões, farinha, arroz, óleo, e mais coisas são levados na calada da noite. Cadeiras em casa de pessoas, computadores na posse de terceiros…isso para não dizer mais!

Vai inciar-se o novo ano letivo para breve. Dos inventários dos problemas que serão enviados ao Ministério da Educação, logo de inicio, de certeza que entrarão mais escolas para reabilitar, mais panelas, que terão desaparecido, mais vidros e janelas partidos, mais equipamentos necessários e outras coisas mais.

Sem querendo tirar responsabilidades, a quem de direito, esta reflexão intenta trazer à discussão a apatia das comunidades perante certos abusos que se cometem, muitas vezes com bênção das pessoas da própria comunidade, fazendo jus à maxima, “E kusa Stadu”.

Temos alguns bons exemplos de escolas preservadas, que contam com a colaboração dos moradores, felizmente! Isso prova que é possível. Todavia, precisamos de muito mais exemplos desses! Precisamos de mais engajamento da comunidade; precisamos de mais exercicio de cidadania na defesa da coisa publica. Precisamos de mais consciencialização de que ‘nos e stadu i stadu e nos’!  Precisamos de saber que,  “No final de contas, o valor de um Estado é o valor dos indivíduos que o compõem. Deixo para apreciação mais algumas fotos ilustrativas. E um apelo a todos: cuidemos dos bens públicos, kusas stadu e kusa di nos.

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Redação