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Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde I
Cultura

Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde I

JORNADAS DE HOMENAGEM A AMÍLCAR LOPES CABRAL (TAMBÉM FESTEJADO COMO ABEL DJASSI) E DE CELEBRAÇÃO DA AMIZADE ENTRE OS POVOS DE CABO VERDE E DA GUINÉ-BISSAU POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO DO 97º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DO MORTO IMORTAL, HERÓI DO POVO E FUNDADOR DAS NACIONALIDADES - ENQUANTO COMUNIDADES POLÍTICAS NACIONAIS INDEPENDENTES E SOBERANAS- DA GUINÉ-BISSAU E DE CABO VERDE CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A VIDA E A OBRA DO LÍDER REVOLUCIONÁRIO CABOVERDIANO-GUINEENSE AMÍLCAR LOPES CABRAL OU UMA BREVÍSSIMA BIOGRAFIA POLÍTICO-IDEOLÓGICA DO MAIOR MORTO IMORTAL DA GUINÉ E DE CABO VERDE

                                         PRIMEIRA PARTE                                               

                                                I

Comemora-se no próximo 12 de Setembro de 2021, o 97º Aniversário Natalício de Amílcar Lopes Cabral, festejado Engenheiro Agrónomo que viria a celebrizar-se como fundador e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC) e principal estratega e teórico das lutas político-diplomática, clandestina e armada para a independência dos Povos irmãos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, sendo, por isso, considerado o Pai das Independências dos dois Países Irmãos e Fundador das suas duas Nacionalidades, entendidas na estrita e exacta acepção  de Comunidades Políticas Nacionais Organizadas em Estados Independentes e Soberanos, e, por isso, merecido, aliás, com toda a justiça, os grandiloquentes epítetos e qualificativos de, por exemplo, Morto Imortal, Herói do Povo, Moisés e Cristo Negros da Guiné e Cabo Verde, Demiurgo da Nação Africana Forjada na Luta, Filho Mais Grande do Povo das Ilhas e Militante Número Um do Partido-Movimento da Libertação (Bi)Nacional.

                                                     II

1.  Amílcar Cabral tornou-se de há muito o símbolo máximo da saga emancipatória dos Povos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, em razão da sua inconfundível e imperecível obra libertadora em prol desses mesmos Povos e, ademais, em razão das vicissitudes da sua muito produtiva biografia pessoal -um filho de pais caboverdianos nascido no território da antiga colónia da Guiné Portuguesa, onde - com uma pequena interrupção para ser baptizado pelos pais na Igreja de Nossa Senhora da Graça, da cidade da Praia - viveu até aos oito anos de idade, quando foi levado pelo pai, Juvenal Lopes da Costa Cabral,  para a ilha de Santiago de Cabo Verde, onde fez a escola primária, designadamente em Santa Catarina e na Cidade da Praia, já na companhia e sob a tutela da idolatrada mãe Iva Pinhel Évora, tendo depois, e sempre acompanhado pela esforçada e bem-amada progenitora materna, frequentado e concluído com muito e reconhecido sucesso o primeiro, o segundo e o terceiro ciclos do Curso dos Liceus no Liceu Infante D. Henrique/Gil Eanes da cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente de Cabo  Verde, praticou desporto como futebolista, foi dirigente da Associação Académica e começou a cultivar a sua veia de poeta, vindo depois a trabalhar na Imprensa Nacional de Cabo Verde e como professor particular na cidade da Praia, antes de ganhar uma bolsa de estudos de mérito outorgada pelo Fundo Escolar da Reitoria  do Liceu Gil Eanes e pela Casa dos Estudantes de Cabo Verde (futura secção da Casa dos Estudantes do Império) para frequentar o ensino universitário no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, capital de Portugal e do império colonial português, que concluiria de forma distinta.

2. Muito interessado nas problemáticas relativas à terra, à cultura, à educação escolar e ao homem caboverdianos, Amílcar Cabral torna-se autor de um programa de rádio na sua última estadia em férias em Cabo Verde e no qual os escritores neo-realistas brasileiros ocupavam um destacado lugar, fazendo-se depois um respeitado  articulista e ensaísta sobre essas mesmas problemáticas telúricas, sendo disso provas cabais os seus textos sobre a erosão dos solos em Cabo Verde e uma polémica a propósito da educação travada com o consagrado e conceituado letrado pré-claridoso, José Lopes da Silva, dados à estampa em vários números da revista Cabo Verde, e o seu ensaio "Breves Apontamentos sobre a Poesia Cabo-Verdiana", publicado no número inaugural da mesma revista, celebrizada nos meios intelectuais caboverdianos como Boletim Cabo Verde e tornada conhecida como a mais importante, eclética e paradoxal revista cultural caboverdiana de toda a época colonial.

3. Depois de concluído o Curso Superior de Agronomia e feito o respectivo estágio versando a erosão dos solos, na localidade de Cuba, no Alentejo, regressa, em 1952, à terra natal guineense, onde passa a dirigir a Granja Experimental de Pessubé, nos arredores de Bissau, e sempre imbuído do ideal desalienante da concretização prática da reafricanização dos espíritos, encetada desde os seus tempos de estudante universitário, dos seus primeiros contactos com a grandiosa poesia da Negritude e da sua participação no Centro de Estudos Africanos, de que foi co-fundador e assíduo colaborador conjuntamente com os angolanos Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, os moçambicanos Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, e os santomenses Francisco José Tenreiro e Alda do Espírito Santo, o Engenheiro Agrónomo Amílcar Lopes Cabral empreende o Recenseamento Agrícola da Guiné Portuguesa, façanha científica que lhe permite conhecer in loco os hábitos, os costumes e as tradições, em suma, as culturas dos vários povos/das várias etnias da Guiné dita Portuguesa e as suas variegadas e arreigadas tradições de resistência  contra a subjugação colonial, a par das  contradições internas das respectivas sociedades, horizontais e verticais na sua estruturação social, por isso, assaz diferenciadas na sua estratificação político-social e nos seus posicionamentos de resistência, confrontação e/ou cumplicidade ante os opressores e dominadores coloniais.

Ao mesmo tempo, Amílcar Lopes Cabral enceta vários ensaios e tentativas de organização de âmbito desportivo e agregador dos indígenas e de outros marginalizados suburbanos da cidade de Bissau, capital da então colónia/província ultramarina portuguesa, saindo todavia totalmente gorados quaisquer tentames organizativos seus de actuação legal no quadro jurídico-político de um colonial-fascismo particularmente repressivo e feroz na Guiné dita Portuguesa. É igualmente nesses primeiros tempos da sua estadia na capital da colónia/província ultramarina portuguesa, onde nasceu, a 12 de Setembro de 1924,  na vila de Bafatá, que participa na fundação do efémero e politicamente fugaz Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING).

Obrigado por razões várias a deixar a sua Guiné natal no ano de 1955, onde todavia continuaram a residir a mãe Iva, que tanto adorava e idolatrava, e alguns irmãos e irmãs, também naturais da Guiné dita Portuguesa e para ela regressados trazidos de Cabo Verde por ele, e a quem e com a devida e prévia autorização das autoridades coloniais portuguesas visitava todos os anos, sempre no mês de Setembro, Amílcar Lopes Cabral prossegue a sua auspiciosa carreira de muito solicitado Engenheiro Agrónomo, fixando a sua residência permanente em Lisboa, de onde se desloca com frequência para Angola, em cujas plantações coloniais toma contacto com o trabalho forçado e o trabalho serviçal dos Africanos e enceta e prossegue os contactos com os nacionalistas angolanos, com destaque para Viriato da Cruz, antes reunidos no Movimento dos Novos Intelectuais de Angola e agora mobilizados em várias organizações políticas clandestinas para a conquista da independência política e da soberania nacional da grande, úbere e rica colónia/província ultramarina portuguesa. Essa situação permite-lhe, ademais, desempenhar as funções de autêntico caixeiro viajante e de verdadeiro elo de ligação entre os nacionalistas africanos das colónias/províncias ultramarinas portuguesas espalhados pela  Europa e pela África dita Portuguesa  (Lisboa, Paris, Frankfurt, Luanda, Bissau, Acra, Dakar, Kinshasa, Brazzaville), num contexto político em que Amílcar Cabral usava o nome clandestino Abel Silva e Agostinho Neto se dissimulava sob o pseudónimo José das Neves.  

Aproveitando um seu regresso a Bissau, em Setembro de 1956, na sua primeira visita à saudosa mãe Iva e aos demais familiares aí residentes, funda,  no dia 19 desse mês e na mais estrita e rigorosa clandestinidade, o Partido Africano para a Independência - União dos Povos da Guiné e de Cabo Verde (PAI-UPGC), tendo  participado no mesmo acto formal de fundação desse doravante histórico Partido os seus camaradas e companheiros de luta Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée (Eliseu) Turpin, todos radicados e empregados em várias repartições públicas, filiais bancárias e casas comerciais de Bissau, tal como também Abílio Duarte, empregado do BNU (Banco Nacional Ultramarino), também ele um fiável e leal camarada e companheiro de luta de Amílcar Cabral, desde o seu regresso à terra natal, todavia e casualmente ausente neste mesmo memorável dia 19 de Setembro de 1956 em Paris, onde participava, na Universidade de Sorbonne, no Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros. É o mesmo Abílio Duarte que, entre 1958 e 1960, e sob a capa de estudante do terceiro ciclo do Liceu Gil Eanes, da ilha de São Vicente, em Cabo Verde, alegadamente patrocinado pelo irmão mais velho, Manuel (Manecas) Monteiro Duarte, então exercendo as funções de Delegado do Ministério Público na Comarca de Barlavento de Cabo Verde, com sede na cidade do Mindelo, seria o enviado especial de Amílcar Cabral e do PAI-UPGC  para a mobilização política do Povo das ilhas para a causa  da independência nacional de Cabo Verde, no quadro da funcionalização prática da unidade na luta do princípio pan-africanista da unidade Guiné-Cabo Verde.

Presente à porta desses fulcrais acontecimentos como guardião e vigilante do acto formal fundacional do PAI, e integrando já um dos vários grupos nacionalistas de guineenses e caboverdianos que, por essa altura, se disseminavam em Bissau, Rafael Barbosa integra uma Frente política entretanto constituída entre o PAI e esses mesmos grupos nacionalistas, também favoráveis ao princípio da unidade Guiné-Cabo Verde, como era também o caso desse na altura carismático e destemido guineense, filho de pais caboverdianos, antes de se embrenhar de corpo e alma na luta clandestina do PAI e, coadjuvado por Fernando Fortes e, depois da prisão deste, por Inácio Soares de Carvalho, assumir a liderança clandestina da chamada Zona Zero de Bissau, a partir de 1960, o ano da mudança definitiva, por sugestão de Luís Cabral, do nome do Partido da unidade e luta para PAIGC, para o diferenciar do PAI do Senegal, na altura banido pelo Presidente Leopold Sédar Senghor por ser alegadamente comunista e professar a ideologia marxista-leninista. A assunção da liderança clandestina da Zona Zero de Bissau valeria a Rafael Barbosa periódicas e frequentes interrogatórios, torturas, detenções e prisões políticas nos sinistros calabouços da PIDE, a polícia política colonial-fascista portuguesa, juntamente  com outros numerosos militantes guineenses e caboverdianos residentes na Guiné dita Portuguesa, muitos deles enviados para o Campo de Concentração de Chão Bom do Tarrafal, na ilha de Santiago de Cabo Verde, onde eram impiedosa e cruelmente maltratados. É essa abnegada dedicação à luta de libertação (bi)nacional nessa primeira e crucial fase, que justificaria a sua designação pelo próprio Amílcar Cabral como Presidente do Comité Central do PAIGC.  O seu dúbio posicionamento posterior, de colaboração com as autoridades colonial-fascistas, culminando na sua renegação pública do PAIGC numa audiência concedida a antigos presos políticos pelo General Spínola, Governador e Comandante-Chefe da Guiné Portuguesa, ditariam a sua expulsão do Partido em 1970, sendo certo que sempre continuou a jurar total fidelidade a Amílcar Cabral e à causa da independência, mesmo depois de, já no período pós-colonial ter sido julgado e condenado à morte, pena comutada em prisão perpétua pelo Presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau, Luís Cabral, por alegada participação na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral, vindo de todo o modo a ser indultado na sequência dos acontecimentos que levariam à extinção do PAIGC, enquanto partido binacional da Guiné e de Cabo Verde.

4. Com o Massacre de Pindjiguiti, de 3 de Agosto de 1959, perpetrado no porto de Bissau pelas forças militares e policiais colonial-fascistas  portuguesas e do qual foram vítimas desarmadas dezenas de marinheiros e estivadores guineenses, comprovam-se as relativas ineficácia e  falácia da luta clandestina essencialmente centrada nos meios urbanos, optando-se a partir daí pela prioritária mobilização dos camponeses, considerada "a força física principal da luta" que, doravante, teria de assumir as feições de uma luta armada de longa duração.

Não obstante a adopção dessa nova estratégia de último recurso, Amílcar Cabral e os seus camaradas e companheiros de luta dirigem, a partir do seu lugar clandestino  no qual se identificavam por Abel Djassi e por outros pseudónimos e nomes de guerra retintamente africanos, um Memorando ao Governo Português, no qual propõe a liquidação negociada do colonialismo português e uma transição pacífica para a independência e a soberania políticas dos Povos da Guiné e de Cabo Verde mediante a realização de eleições livres, universais, secretas e directas dos Parlamentos desses dois países irmãos com expressa consagração e garantia das liberdades e dos direitos pessoais e políticos fundamentais, como a liberdade de consciência, a liberdade de expressão (incluindo política) do pensamento, a liberdade de imprensa, os direitos de reunião, de manifestação, de greve, de associação e de livre constituição de associações políticas e de partidos políticos, podendo emergir dessas mesmas independências nacionais a união orgânica das duas antigas colónias/províncias ultramarinas portuguesas por deliberação favorável dos respectivos parlamentos nacionais ou o encetamento de caminhos soberanos próprios por cada um desses países, caso a esse respeito fossem desfavoráveis as decisões dos respectivos parlamentos nacionais.

Sem qualquer resposta das autoridades colonial-fascistas portuguesas (a não ser pela  extrema exacerbação da repressão política pelas suas forças militares e policiais)  a essa sua proposta de liquidação urgente e negociada do colonialismo português e de transição pacífica para a independência política mediante a implantação nos solos independentes dos nossos países e dos seus sistemas políticos de Estados soberanos democrático-liberais, Amílcar Cabral e os demais  nacionalistas africanos da Guiné e de Cabo Verde, seus camaradas e companheiros de luta, não tiveram outro remédio, senão enveredar para a preparação de todas as condições políticas, militares, logísticas e outras para o início de uma luta armada de longa duração, que, além do território da Guiné dita Portuguesa, também deveria englobar algumas ilhas de Cabo Verde, designadamente as ilhas de Santiago e de Santo Antão, conforme resulta da acta da Reunião sobre a Situação da Luta em Cabo Verde, realizada na segunda metade do mês de Julho de 1963, em Dakar, a capital da República do Senegal tornada lugar de confluência, de conflitualidade, de convergência e de efémera unidade entre as várias organizações políticas nacionalistas da Guiné dita Portuguesa e das ilhas de Cabo Verde, transitando esse lugar de embate político intra-nacionalista depois para Conacry, a capital da República da Guiné, transmutada doravante em rectaguarda segura da luta político-armada a ser brevemente deflagrada na vizinha Guiné dita Portuguesa, depois da vitória de Amílcar Cabral e dos seus camaradas e companheiros de luta na chamada "batalha de Conacry",  de criação do mais amplo Movimento de Libertação da Guiné e de Cabo Verde (denominado MLGCV de Conacry) e de  definitiva neutralização política de organizações políticas adversárias, todas elas adversas ao bi-nacionalismo do PAIGC e, também por isso, consideradas politicamente oportunistas, fantoches e de perfil neo-colonizante, nesse país africano recém-independente, auto-proclamado  pelo seu, na altura, carismático líder máximo, Sekou Touré, como sendo “ferreamente anti-colonialista, anti-neo-colonialista e anti-imperialista” e, ademais qualificada como “uma trincheira segura da Revolução em África” pelo lendário líder do país do histórico não no referendo para a constituição de uma Comunidade entre a França e as suas antigas colónias africanas, doravante erigidos em Estados autónomos no quadro da mesma Comunidade.

5. Fazendo sempre por destrinçar entre o por demais identificado inimigo comum que era o colonialismo português e os assumidos aliados naturais dos movimentos de libertação nacional que eram o Povo Português e as várias forças patrióticas, antifascistas e anticolonialistas portuguesas, mesmo se ainda muito reféns dos mitos racistas e eurocêntricos da alegada superioridade civilizacional do homem branco e da supostamente benigna excepcionalidade do colonialismo  imperial português, Amílcar Cabral era também claro na distinção que fazia entre as tarefas imediatas específicas dos movimentos de libertação nacional que eram a liquidação por todos os meios possíveis do colonialismo português e as várias estirpes de sequelas coloniais remanescentes nas nossas sociedades pós-coloniais a par da constituição de repúblicas democráticas, laicas, anti-colonialistas, anti-neocolonialistas e anti-imperialistas nas nossas terras africanas e as tarefas imediatas específicas das forças patrióticas da oposição política portuguesa que residiam na liquidação por todos os meios possíveis do fascismo e a construção de sociedades democráticas livremente escolhidas pelo povo português, sendo sumamente imbricadas as suas conexões dialécticas e as suas relações políticas, como, aliás, o 25 de Abril de 1974 e a sua Revolução dos Cravos vieram comprovar em todo o seu esplendor libertador e na sua  incomensurável mais-valia histórica.

6. É a 4 de Fevereiro de 1961 que, despoletado por nacionalistas angolanos,  ocorre o assalto às cadeias de Luanda com vista à libertação dos presos políticos condenados no decurso do chamado Processo dos Cinquenta visando a repressão político-policial do nascente nacionalismo moderno angolano. A esse acto insurreccional, considerado oficialmente e amplamente beatificado pelos nacionalistas angolanos aliados do PAIGC como o início da luta armada em Angola e no conjunto das colónias/províncias ultramarinas portuguesas, segue-se uma feroz e impiedosa repressão por parte das forças policiais e militares colonial-.fascistas portuguesas, devidamente coadjuvadas por colonos fortemente armados, e que atinge sobretudo os musseques (bairros pobres periféricos) de Luanda.

Nesse mesmo annus horribilis para o colonialismo português, iniciado de modo assaz aziago com a anexação pela força do Estado da Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu) por parte  da União Indiana, de Nehru, ocorre em Março o levantamento dos serviçais angolanos na Baixa do Cassange, também impiedosamente massacrados e exterminados pelas forças coloniais repressivas portuguesas,  seguindo-se-lhe os massacres de colonos portugueses e dos seus trabalhadores bailundos sujeitos aos trabalhos forçados e ao estatuto de serviçais (“contratados”) nas plantações do Norte de Angola por parte da UPA (União das Populações de Angola), a que se segue uma reacção desproporcionada das tropas portuguesas colocadas em Angola, prontamente coadjuvados por colonos portugueses e por alguns dos seus capatazes e auxiliares caboverdianos, a que se vêm juntar importantes reforços enviados por Salazar que viu nesses massacres de civis brancos perpetrados pela UPA o pretexto ideal para finalmente desencadear as guerras coloniais de preservação do status quo nas colónias/províncias ultramarinas portuguesas e de subjugação  pela violência física extrema dos povos africanos desses mesmos territórios colonizados, guerras essas que só teriam o seu fim com a eclosão do golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e o correlativo derrube do regime colonial-fascista na Metrópole portuguesa.

7. Em solidariedade com o povo angolano, o PAIGC apela à acção directa contra o colonialismo português no território da Guiné dita Portuguesa, sendo desencadeadas alguns actos de sabotagem, como, por exemplo, o derrube de árvores para efeito de corte de estradas e a obstrução de outras vias de comunicação.

Todavia, o início da luta armada de libertação nacional por parte do PAIGC só teria lugar a 23 de Janeiro de 1963 com o assalto ao quartel de Tite, no centro da Guiné dita Portuguesa, depois de devidamente preparadas as respectivas condições no terreno e formadas as forças que a deviam desencadear, designadamente com o envio de quadros para preparação política e militar em países amigos, como a China Popular, o Marrocos e a Argélia, designadamente os futuros Comandantes Domingos Ramos (morto em combate), Osvaldo Vieira, João Bernardo (Nino) Vieira, Francisco Mendes (Chico Té), Rui Djassi  (morto em combate), Vitorino Costa (morto em combate), Constantino Teixeira  (Tchutcho Axon), Hilário Gomes, Pedro Ramos e Manuel Saturnino da Costa, e a formação de forças de guerrilha na escola político-militar para o efeito criada pelo PAIGC na República da Guiné (-Conacry). 

Rapidamente, a luta armada de libertação (bi)nacional alastra-se a parcelas cada vez mais importantes do território da Guiné dita Portuguesa, com isso crescendo as exigências em termos de direcção política, estratégia e táctica  militares, a par da logística de abastecimento e provimento das necessidades alimentares, sanitárias, educacionais, administrativas e outras das populações das zonas libertadas.

É nesse contexto que, em 1964, se realiza o Congresso de Cassacá nas zonas libertadas da Guiné, nas proximidades da ilha do Como, então em renhida disputa militar entre as forças  portuguesas e os guerrilheiros do PAIGC. Tido como o primeiro conclave do género do movimento de libertação (bi)nacional, o Congresso de Cassacá é considerado de decisiva importância para a consolidação da liderança político-militar da luta de libertação (bi)nacional por parte de Amílcar Cabral e para a travagem de algumas tendências negativas, já devidamente identificadas, no desenvolvimento dessa mesma luta. Com efeito, é nesse primeiro Congresso do PAIGC que são delineadas as pertinentes e oportunas respostas às tendências negativas acima referidas e a outras questões anteriormente afloradas. É, pois, nessa soberana ocasião da realização do Congresso de Cassacá que são formalmente instituídos o Comité Central e o Bureau Político do Partido, para além do Secretariado Permanente, em actividade desde a instalação do PAIGC na Guiné-Conacry e integrado pelo  próprio Amílcar Cabral e por Aristides Pereira, Vasco Cabral e José Araújo,  e criadas  as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), superiormente dirigidas, a partir de 1966, por um Conselho Supremo de Guerra integrado por Amílcar Cabral como Secretário-Geral do Partido e comandante político-militar máximo,  Osvaldo Vieira e Pedro Pires, Aristides Pereira e Nino Vieira, na Frente Sul, Luís Cabral e Chico Té, na Frente Norte (vindo depois Carlos Correia a integrar esse órgão partidário de comando político-militar, depois do assassinato de Amílcar Cabral e do afastamento e posterior falecimento de Osvaldo Vieira), ressaltando ademais a denúncia pública e a pronta  neutralização das já detectadas tendências militaristas, tribalistas e de reiteradas práticas de maus tratos e abusos contra as populações civis  protagonizadas  por alguns chefes militares e responsáveis políticos guerrilheiros transmutados em verdadeiros senhores de guerra. Contrariamente ao propalado por alguns ferrenhos e empedernidos detractores de Amílcar Cabral e do seu comprovado e praticado humanismo, os métodos utilizados para essa neutralização política não foram o fuzilamento e a execução sumária desses mesmos senhores de guerra, assumidamente prevaricadores e violadores dos direitos humanos das populações das zonas libertadas, mas o seu afastamento de cargos de chefia e responsabilidade, a par das tentativas da sua recuperação para os ditames político-morais da luta de libertação nacional, numa postura característica de Amílcar Cabral, mesmo em situações politicamente extremas e assaz complexas do ponto de vista humano e militar. Da análise das ocorrências e das conclusões do Congresso de Cassacá resultariam as Palavras de Ordem Gerais do Partido, da autoria de Amílcar Cabral, de grandes e decisivas repercussões na estratégia e nas tácticas da condução prática da luta em todas as suas frentes e a que se viriam juntar depois As Análises de Alguns Tipos de Resistência, também da lavra original do eminente teórico, estratega e pedagogo político africano e resultantes das palestras que proferiu no Seminário de Quadros do Partido de 1969.

José Luís Hopffer Almada

Membro-fundador e membro efectivo (correspondente)

da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL)

e da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC)                   

 

 

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