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Explicar o racismo a um branco
Colunista

Explicar o racismo a um branco

Uma das coisas que ultimamente tenho me consciencializado é que, realmente, é muito difícil explicar o racismo a um caucasiano. Não por não existir ou porque os brancos não querem perceber, mas porque o racismo (não falo da mera discriminação) vai além e aprofunda-se na própria visão que o branco comum tem sobre o mundo.

Racismo é quando um indivíduo, numa sociedade de duas ou mais composições étnicas, é pré julgado socialmente de forma a que a sua conduta seja de submissão e até de dependência em relação à maioria étnica. Um jovem negro e europeu que é visto, na imaginação popular, como forasteiro adotado, ganhará facilmente a consciência da sua frágil posição. Assim como um branco demasiado comum abordará cada novo negro como um possível amigo não duradouro - a sua desconfiança tem mais presença do que a sua curiosidade e abertura.

Um branco comum e positivo não entende o racismo porquê? Bem, porque ele mesmo sempre viveu num mundo demasiado ocidentalizado, e ele acredita profundamente que o seu pequeno medo, em relação a outros humanos, não se traduz no imaginário comum e nem se reflete nas informalidades sociais que, no império ocidental, fazem com que parte significativa de não caucasianos tenham dificuldade em ter sucesso. É claro que existe muita gente não branca a vincar-se, mas como a consciência das mães negras sempre refere: os miúdos negros têm que saber que têm de esforçar duas ou três vezes mais do que os brancos para conseguirem ir longe. Pois nas escolas, nos primeiros trabalhos ou onde for, a maior parte dos dirigentes são brancos que também ainda desconhecem a força das suas informalidades e preconceitos pessoais.

O desespero conservador por ver o reafirmar da cultura negra dá-se porque, historicamente, o sistema ocidental evoluiu para ser incontestado.

Apesar de sofrer opressão semelhante, um gay, um transgénero, um gordo, desde que seja branco continua a ser pessoa de personificação simbólica caucasiana. Um negro, para o conservador mais radical, é um humano exterior e imprevisível como qualquer outro animal em domesticação. Para este, a diferença física e cultural é colmatada com uma espécie de mito repugnante sobre qualquer negro. O negro é ainda visto como sujo por muita gente, incluindo os próprios negros que deixaram se aceitar por esta prepotência de influência ocidental (da parte mais egoísta).

O gay é um ser especial pois o seu ser desafia o machismo e as regras impostas sobre o género. Enquanto que um negro, devido à sua proximidade histórica com o europeu, é especial por relembrar que existem outras visões humanas e não europeias. O negro não só desafia a posição do homem branco como também o privilégio ocidental da mulher e a criança branca; de facto, o negro, habitante europeu, exige a posição que, em séculos de formatação, em classes e géneros, nunca se pensara antes. O que querem estes pretos? Talvez só queiram fingir ter o poder do homem e a mulher branca. Independentemente do que a futilidade humana é capaz de querer, o ideal será aproveitar esta destabilização notável para restruturar tudo e tornarem-se todos, homens, mulheres, negros, chineses, tudo em humanos sem papéis pré-definidos pela sua apresentação física ou cultural. A proposta é essa; alterar a visão ocidental para o mundo; esperemos ser esse o caminho da globalização.

O pior aliado do racismo é a pobreza; sem dúvida! Um preto com dinheiro será sempre mais válido que o desgraçado das barracas. Mas um preto, relembrado como preto, e sem um tostão, provavelmente não terá identidade suficiente para entrar no meio da famosa meritocracia; ou ele se domestica no sistema que, para tal, ridiculiza a sua cultura e o reprime sempre que ele ousa em se lembrar como negro, ou ele merece o castigo social que o faz ser esquecido longe da representação social.

O transexual é humilhado pessoalmente. O negro vê a si e todos os seus familiares humilhados pelo silencio histórico e globalizante. A falta de poder económico fez do negro ser olhado como uma espécie de parasita social, e isso é sentença no imaginário ocidental ou popular, obrigando a que um potencial empregado negro tenha que provar que, apesar das suas habilitações boas, merece do empregador ter o lugar reservado a "civilizados".

Sim, existem negros que se vitimizam por benefício. Mas é também lamentável ver brancos que reprovam o vitimismo negro e apelam à falsa ideologia de meritocracia para perpetuar a insensibilidade que persiste até os dias atuais; falo da meritocracia que ainda reprime quem não assimilou os costumes de submissão perante as mesquinhices e ignorância dos seus responsáveis.

Os mais afetados pelo racismo são as minorias que o vivem; a agressividade dos jovens e o desaforo dos mais velhos, para além de diversos factores, reflectem o sentido de humilhação social e a falta de perspectivas para melhorias nos seus futuros.

Tanto negros como brancos confrontam-se constantemente com os seus medos (a base do racismo ou a violência individual); a ansiedade humana foi ignorada por tempo em demasia.

O racismo existe. Só que é mais complexo do que se quer.

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Redação