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A candidatura independente de Félix Cardoso em Santa Catarina: Vitória ou Derrota
Ponto de Vista

A candidatura independente de Félix Cardoso em Santa Catarina: Vitória ou Derrota

A presença e o crescimento das candidaturas independentes a competir com os partidos políticos, (num contexto em que cada vez mais os cidadãos vão dando sinais de estarem fartos do MpD e do PAICV) não só estimula a alternância nos órgãos autárquicos e renovação de elites, como se traduz num acréscimo de competitividade eleitoral e reforço da qualidade da nossa democracia. É que, se por um lado não há democracia sem partidos, por outro, não pode haver democracia só com partidos. É por isso que sou a favor das candidaturas independentes, pois, acredito que a renovação das elites políticas, pode contribuir para aumentar a participação e confiança dos cidadãos na política. A falta de confiança dos cidadãos nos partidos, esta a provocar, cada vez mais, o crescimento dos sentimentos anti partido e dos elevados deficits de participação política, daí, as elevadas taxas de abstenções em todas as eleições. Nas autárquicas do dia 25 outubro, digo que é possível sim, provocar a alternância (com alternativa) nos órgãos autárquicos; é possível sim, renovar as elites políticas; é possível sim, reforçar a qualidade da nossa democracia. Tudo isso é possível, sobretudo, nos casos em que os protagonistas “independentes” são portadores de um (bom) capital social e político e de uma imagem conhecida e reconhecida na comunidade local.

Pode a candidatura independente de Félix Cardoso ganhar as eleições autárquicas em Santa Catarina?

A reflexão e respostas sobre esta questão passa pela análise dos seguintes pontos:

i) Ordem e grau de importância das eleições autárquicas

As eleições distinguem-se pela sua ordem e grau de importância. No caso de Cabo Verde, as eleições legislativas, são consideradas de primeira ordem e de maior grau de importância, na medida em que elas servem para determinar quem governa a nível nacional, enquanto que as autárquicas são consideradas de segunda ordem, (logo de menor grau de importância) na medida em que, elas servem para determinar quem governa a nível local. Consoante a ordem e o grau de importância dessas eleições, (independentemente de outros fatores determinantes do voto) o comportamento dos eleitores tende a variar-se. Este comportamento variável dos eleitores tem, segundo André Freire, as seguintes implicações:

1) Pequenos partidos tendem a ser recompensados em eleições de segunda ordem, em comparação com eleições de primeira ordem;

2) Grandes partidos tendem a ser punidos em eleições de segunda ordem;

3) Partidos no governo tendem a ser mais punidos, especialmente, se as eleições de segunda ordem se dão a meio e/ou no fim do ciclo das eleições de primeira ordem;  

4) Em Portugal, por exemplo, segundo o mesmo autor, os partidos no governo, têm pior desempenho nas eleições autárquicas, mas apenas quando elas têm lugar a meio do ciclo, sendo as perdas tanto maiores quanto piores são as condições económicas.  

A análise dos pontos (1) (2) (3) e (4) remete-nos para os seguintes:  

1º) Se pequenos partidos tendem a ser recompensados em eleições de segunda ordem, espera-se que o movimento independente de Félix Cardoso (embora não sendo um pequeno partido) venha a ser recompensado nestas eleições;

2º) Se grandes partidos tendem a ser punidos em eleições de segunda ordem (o MpD e o PAICV são grandes partidos) espera-se que venham a perder votos nestas eleições, sobretudo o MpD;

3º) Se partidos no governo tendem a ser mais punidos, especialmente, se as eleições de segunda ordem se dão a meio e/ou no fim do ciclo das eleições de primeira ordem, espera-se que o MpD venha a perder algumas Câmaras e, uma delas pode ser a de Santa Catarina;

4º) Se os partidos no governo têm pior desempenho nas eleições autárquicas, mas apenas quando elas têm lugar a meio do ciclo, sendo as perdas tanto maiores quanto piores são as condições económicas, espera-se que o MpD sendo partido no governo (com as condições económicas a piorar) não venha a ter um bom desempenho nessas autárquicas.

Em fim, se olharmos para as eleições de segunda ordem em Cabo Verde de 1991-2016, podemos concluir que, (corroborando o que foi dito até aqui) houve melhores resultados para os partidos pequenos e candidaturas independentes, e mais punição para o partido no governo.

ii) Divisão interna e vitória dos independentes

A divisão interna nos partidos, (MpD e PAICV) fez com que só em 2016, entraram na corrida (como independentes) à liderança das Câmaras Municipais (05) candidatos, a saber: Luís Pires, em São Filipe Fogo; José Luís Santos, em Boa Vista, ambos saídos do PAICV e MpD, respetivamente. Em São Filipe Fogo (fruto da divisão interna) o PAICV perde a Câmara para o MpD e em Boa Vista (fruto desta divisão) o MpD perde a Câmara para o candidato independente. Pedro Centeio (nos Mosteiros) e Pedro Morais, em (Ribeira Brava São Nicolau), também avançaram como independentes. Em Ribeira Brava, o PAICV perdeu a Câmara para o candidato (independente) saído do MpD. Na ilha do Maio, avançou uma candidatura independente com o apoio do PAICV.

É de notar que nos (03) casos em que houve divisão e falta de coesão internas (MpD Boa Vista; PAICV São Filipe Fogo e MpD Ribeira Brava São Nicolau) 02 Câmaras foram parar às mãos dos independentes, ou seja, ficou provado que, (em alguns casos) “partido dividido significa eleição perdido”. Dito de outra forma: ficou provado que se "Juntos somos mais fortes, divididos somos mais fracos”.

Nas autárquicas de 2012, o MpD em Santa Catarina foi a votos divido e, naturalmente, mais fraco. A divisão (fraqueza) deu origem a uma candidatura independente (Roteiro Rumo a Santa Catarina) que obteve (3%) dos votos, ou seja, 446 e 484 votos para a Câmara e Assembleia Municipais respetivamente. Tanto o PAICV como o MpD, obtiveram votos a rondar os 7000 e poucos. É de notar que a candidatura independente não ganhou, porém, teve votos (484) suficientes para obrigar a repetição das eleições em algumas localidades do concelho e ditar a derrota do MpD na Assembleia Municipal, (ganhou o PAICV) caso único em Cabo Verde. Pode alguém argumentar que, face aos resultados do Roteiro em 2012, fica claro que os independentes não ganham em Santa Catarina. Digo pois que, em 2012, o contexto era outro: o MpD em Santa Catarina, (embora divido) estava mais unido; o candidato independente era mais fraco; havia apenas (03) candidaturas (MpD, PAICV e Roteiro) em presença, logo, seriam precisos maior percentagem de votos para uma candidatura vencer. Desta vez, o MpD está (mais) dividido; são (04) as candidaturas (MpD , PAICV, UCID e o candidato independente) logo, são precisos menor percentagem de votos para vencer e, obviamente, o candidato independente é mais forte.

Para o embate autárquico que se avizinha, o MpD em Santa Catarina apresenta-se (novamente) dividido e corre sérios riscos de sair derrotado, pois, o atual edil/candidato (Beto Alves) não goza do apoio do seu partido a nível local, que decidiu apoiar Félix Cardoso, (o candidato independente) que resolveu deixar a sua carreira na magistratura do Ministério Público para, segundo ele, " resgatar o município das mazelas e letargias sociais e colocá-lo nos caminhos de desenvolvimento e progressos".

Voltando à questão: pode a candidatura independente de Félix Cardoso ganhar as eleições autárquicas em Santa Catarina? Sim, pode: pode porque em função da ordem e grau de importância destas eleições, espera-se melhores resultados para os independentes, e mais punição do candidato suportado pelo partido no governo; pode porque o MpD em Santa Catarina está dividido e, como foi demonstrado em cima, "partido dividido significa eleição perdido". Se Félix Cardoso conseguir mobilizar e conquistar a adesão dos abstencionistas, provavelmente vai ganhar as eleições. Porquê os abstencionistas? Nenhum partido ganha umas eleições só com o voto dos seus militantes! O voto dos militantes é a condição necessária, porém, não suficiente! Para ganhar umas eleições, é preciso ir buscar os votos aos (sem partido), digamos, aos abstencionistas! Quantos são os abstencionistas? Nas autárquicas de 2012, (em Santa Catarina) dos 21546 inscritos, votaram (apenas) 15864, ou seja, 5682 eleitores não votaram, o que dá uma taxa de abstenção a rondar os 26%. Em 2016, dos 24398 inscritos, votaram (apenas) 15452, ou seja, 8946 eleitores não votaram, o que dá uma taxa de abstenção na ordem dos 37%. Quem são os abstencionistas? Os abstencionistas "são essencialmente sujeitos para quem a atividade política e os partidos políticos não são relevantes". Existe um consenso alargado em vários estudos científicos no tocante ao reconhecimento de que a idade é um fator relevante na participação eleitoral, ou seja, os sujeitos mais velhos têm maior tendência para votar do que os jovens, logo, os abstencionistas são, maioritariamente, os jovens, desencantados e desiludidos com os partidos políticos. Para concluir, digo que são os votos desses abstencionistas, (maioritariamente jovens, desencantados e desiludidos com os partidos políticos) que fazem ganhar umas eleições. Se Félix Cardoso conseguir conquistar a sua adesão, ganha a eleição.  

OBS: É claro que existem outros cenários em termos de quem ganha e quem perde estas eleições em Santa Catarina. Sobre eles, brevemente, darei a minha opinião.

*Politólogo

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