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O manual de insensatez do primeiro-ministro
Colunista

O manual de insensatez do primeiro-ministro

Há uma cartilha, “sem erros, falhas ou gralhas”, pela qual lê Ulisses Correia e Silva: a do desprezo pela sociedade cabo-verdiana – sempre que se vê cutucado, criticado ou corrigido pelos cabo-verdianos desvia as lanças para a oposição, como se nós, cidadãos, não temos ideias próprias.

O erro crasso. A expressão surgiu em 59 A.C, quando o poder em Roma foi dividido entre três figuras, o tal triunvirato: Júlio César, que conquistou a Gália (França), Pompeu Magnus (dominou a Hispânia, actual Península Ibérica) e Marco Licinius Crasso, que tinha uma ideia-fixa: conquistar os Partos, um povo persa cujo império ocupava, na época, boa parte do Médio Oriente - Irão, Iraque, Arménia e outros.

À frente de 50 mil soldados, Crasso confiou demais na superioridade numérica de suas tropas: abandonou as tácticas militares e tentou atacar por atacar - na ânsia de chegar logo ao inimigo, cortou caminho por um vale estreito, de pouca visibilidade. As saídas do vale, então, foram ocupadas pelos partos e o exército romano foi dizimado - quase todos os 50 mil morreram, incluindo Crasso. O erro de Marco Crasso se transformou em sinónimo de estupidez. O erro crasso.

Vamos fazer a ponte com a realidade cabo-verdiana actual. A insensatez do primeiro-ministro, fruto da sua arrogância politica em questões específicas, roça o cume da idiotice. Antes, tinha chamado a todos aquele que se posicionaram contra o “misterioso” acordo com Israel de “desavisados e boiada de serviço”.

Agora, diante de tamanha aberração dos manuais escolares, nos vê a todos – pais, encarregados de educação, professores e até alunos de 8 anos que notaram os erros graves nos livros que vão estudar e aprender prá vida e para o futuro deste país atípico - como meros descontentes com “motivações meramente politiqueiras”. Um erro (“sem falhas ou gralhas”), estupidamente crasso. Simplesmente, porque o PM do meu país insiste em ver as críticas à actuação do Governo que lidera como oriundas da oposição – no caso o PAICV – como se a sociedade cabo-verdiana, de diversas cores e sensibilidades políticas, inexistisse, ou fosse acéfala e apenas uma caixa de ressonância dos partidos distantes do poder.

Os manuais escolares do Ensino Básico trazem erros de palmatória que ninguém consegue ficar indiferente. O problema, está claro, vem de trás, porque no tempo do anterior governo também houve críticas quanto à qualidade dos livros colocados à venda (ainda hoje, os manuais de Português e Ciências da Natureza carregam erros gravíssimos sem que ninguém tenha sido responsabilizado). Mas a diferença é que agora a prepotência do Executivo chegou ao ponto de, primeiro, a directora nacional de Educação, afirmar que os manuais vão continuar como a cartilha dos alunos (como se esses erros efectivamente fossem meras gralhas), e de o primeiro-ministro, no alto da sua arrogância, debitar a culpa aos críticos (pais, encarregados de educação, professores e alunos) por serem uma espécie de mensageiros das dores de cotovelo da oposição que lhe faz sombra: o erro crasso.

Como é que o PM, a ministra Maritza Rosabal e toda direcção nacional de Educação, composta por gente que se acredita medianamente inteligente, conseguem aceitar de ânimo leve um manual (de matemática sobretudo) desta natureza? Pior, como é que eles têm lata suficiente por nos vir pedir que aceitemos tais aberrações como gralhas admissíveis?

Bem, no manual de insensatez do chefe do Governo, que confia em demasia na superioridade de eleitores de que ainda gozará, o problema está na oposição. Ou seja, é como se em Cabo Verde só existisse apenas MpD e PAICV, sem sociedade civil pensante, crítica, atenta. É, no fundo, um truque para convencer aos indefectíveis do seu partido de que a razão está do lado do Governo. Quem está errado, a seu ver, somos nós, apartidários, independentes, enfim todos nós que nos preocupamos com o futuro deste país, independentemente do partido que estiver a (des)governar.

O mais caricato nisso tudo é o Governo, na ânsia de sacudir a culpa do seu capote, incluir também alunos de 8 anos que por si só detectaram os erros aberrantes nos manuais que vão ser seus documentos de recurso. Porque o Ministério se recusa em admitir os erros e arrogantemente aponta as setas à oposição, desprezando a sociedade civil que foi a primeira e até mais eloquente a contestar esses tais manuais experimentais.

Sim, em caso de dúvida, recorre-se aos manuais. Isso é... dos manuais, pelo menos no tempo em que eu andava na escola. Hoje está tudo invertido, pirâmides, hexágonos, pentágonos e ideias de governação.

Ora, Ulisses Correia e Silva, em vez de pedir desculpas, demitir os responsáveis por tamanha atrocidade e revelar-se como um politico humilde, entende por bem demitir a sociedade cabo-verdiana de opinar, ao incluir tudo no rol de contestações do PAICV, que, convenhamos, também fez porcaria nos livros estudantis do EBI desde há três anos.

No limite, a atitude do Executivo, a denotar desconhecimento de métodos pedagógicos que poderão colmatar esses erros nos manuais põe em causa a credibilidade do Governo quanto à qualidade e a inovação no ensino que tenciona introduzir. Doravante, como bem questionou o pedagogo Bartolomeu Varela num post no facebook, qual será a autoridade do Ministério em exigir rigor e qualidade aos professores e alunos?

Agora, pergunto eu: diante de tudo isso, ainda continuamos a ser “os desavisados”, “boiada de serviço” e motivados apenas por questões “meramente politiqueiras”, enquanto assistimos aos nossos filhos, sobrinhos, amigos e conhecidos a aprenderem, nesses manuais da treta, como ser os burros do futuro?

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine