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EDUCAÇÃO EM SANTIAGO
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EDUCAÇÃO EM SANTIAGO

Assiste-se em Santiago uma procura cada vez maior do ensino superior e médio. Cada vez mais alunos, em especial do sexo feminino procuram as instituições superiores. Os pais penhoram a própria alma para dar educação aos filhos. É louvável o número de licenciados no interior de Santiago, em todos os campos do saber: da Economia à Gestão, Engenharia e Saúde, Educação e Desporto à Filosofia e Arte, mais e mais.

A descoberta de que o saber abre oportunidades levou os badius a procurarem a educação Kandia na mo. Penso que mais de metade da população estudantil se encontra em Santiago. A alta demanda levou à proliferação de instituições de ensino superior e no aumento considerável do nível académico das pessoas.

Até aos anos oitenta, pessoas com o 2º ano do Ensino Básico Complementar (atualmente 6ª classe) no interior de Santiago eram consideradas eruditas e tinham um emprego certo. Lembro-me de quando fiz o meu 2º ano do Ensino Básico Complementar (EBC) no Tarrafal, no ano letivo 1978/79, embora nem reconhecendo a importância disso na época, eu fui considerada uma erudita: ela tem o 2º ano, as pessoas diziam. Colegas meus que fizeram o 2º ano nesses anos já estão quase todos reformados.

Hoje, volvidos quase 40 anos depois, temos licenciados e mais licenciados que se acumulam a cada ano, uns que estudaram aqui em Cabo Verde, outros no exterior. Muitos à espera do primeiro emprego. Outros procurando criar o seu auto-emprego. O nível académico é alto que há dificuldades de recrutar pessoas para determinadas áreas de atividades (consideradas minor jobs), pois pessoas licenciadas, em especial homens, exigem (com toda a razão!) um emprego de nível, que coadune com o seu grau académico. A democratização do ensino levou a uma evolução da sociedade a vários níveis, com destaque a nível económico. Ser instruído e doutorado deixou de ser apanágio de um grupinho de pessoas privilegiadas. Isso provocou uma mudança social radical, com impactos profundos na hierarquia das classes. Qualquer pessoa com garra, boa vontade e espírito de sacrifício, pode ver o seu sonho de ver os filhos formados, se tornar realidade.

Há dias cruzei com um senhor que tem neste momento três filhos formados e empregados e mais dois na universidade. Estava tão entusiasmado que, ao longo de uma conversa amena a respeito dois filhos me atirou esta pergunta, “Kenha e mi ku dotor na kasa? Un sinplis kanpunes, ku 3 fidjus enpregadu? Djan branku dja!” (Querendo com isto dizer, sou gente importante). Considero isso bastante gratificante, vendo que a nossa sociedade evoluiu; e isso é assaz animador.

Se por um lado crescemos em conhecimentos académicos, por outro lado, há uma degradação substancial no que tange à educação de base, aquele “saber ser e saber estar”, aqui na terra dos badius. Há uma grande moléstia que, por incrível que pareça, está afetando pessoas de todos os níveis de escolaridade: um défice enorme concernente á postura, boas maneiras, finesse, aquilo que se chama “classe”. Que não tem nada a ver com o grau académico. Que se tem de casa, passado de pais para filhos. Que se cultiva nas famílias, quer seja ela monoparental ou nuclear. Quer seja família pequena ou alargada. Que vem do lar, quer seja do rico, pobre ou remediado. Que se aprende na interação entre pais e filhos, irmãos e irmãs, primos e primas. Que se aprende na convivência na vizinhança, na comunidade, com pessoas de diferentes níveis e classes sociais.

Refiro-me àquele comportamento base de cumprimentar, usar palavras doces, evitar palavrões, deitar lixo no lixo;

Refiro-me ao respeito aos mais velhos, atenção aos idosos, evitar cuspir no chão em qualquer lugar, pedir licença, dizer obrigado e se desculpar. Refiro me a vestir-se adequadamente, respeitar a bicha, cumprir as regras e pagar o que deve;

Refiro-me ao comer de boca fechada, dar prioridade às pessoas especiais e crianças, usar a casa de banho em vez de rua, evitar deitar água suja na porta do vizinho! Refiro a não usar faca para resolver as contendas, dialogar civilizadamente, aceitar as críticas, elogiar e aceitar elogios!

Refiro-me a mudanças de comportamento, impactando a vida, com toque de civismo, cidadania e classe! Refiro-me a ser filho, irmão, irmã, amiga, amigo, cidadão, cidadã (afinal agora temos muitas cidades)!Refiro-me ao respeito pelas mulheres, pelos homens, pelas crianças, ao respeito por si mesmos. Refiro me a contentar se com o que se tem e não tirar do outro, trabalhar e não ludibriar.

E não atribuamos esta enfermidade somente ao sistema, às escolas, aos professores, aos governos e aos políticos! Paremos de culpar os vizinhos, de apontar dedos aos outros. Nem ousemos dizer “badiu e si”, porque não é verdade!

Pode-se até dizer que seja normal, que a educação não é linear, que estamos num processo e tal, mas constata-se que, a cada dia que passa a situação se agrava. Acentua-se o gosto pela vulgaridade, passando para o nível da aceitação social até se chegar ao de “Mas isso é normal”. Então, urge que cada santiaguense, cada badiu e cada badia comece a refletir no tipo de educação que temos e que queremos na maior ilha onde alberga mais de metade da população do país. Urge que cada um de nós faça a sua parte para que, no futuro não tenhamos uma sociedade manca, cheia de doutores mas sem sabedoria!

Façamos uma mea culpa! É obrigação de todos nós. Só assim chegaremos ao cerne da questão! Deste modo, juntos, conseguiremos dar um passo rumo à educação de QUALIDADE que tanto se fala. E tem que ser hoje, agora. Antes que seja tarde demais.

Calheta, Abril de 2018.

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Redação