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“Participar e acreditar são as duas palavras-chave para o processo de mudança”
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“Participar e acreditar são as duas palavras-chave para o processo de mudança”

Eunice Almeida é uma jovem mulher lusocaboverdiana que nasceu num dos bairros periféricos da Grande Lisboa – Buraca. Fintou o destino e hoje é uma mulher de sucesso, concorre para liderar a Junta de Freguesia de Águas Livres, com “Nós Cidadãos”, nas eleições autárquicas de 1 de Outubro, porque para ela “participar e acreditar são as duas palavras-chave do sucesso”.

Santiago Magazine - Quem é Eunice Almeida?                                                                          

Eunice Almeida - Eunice Almeida é filha de caboverdianos, nascida em Portugal, mais precisamente no Bairro Alto Cova da Moura, na Buraca e actual Freguesia das Águas Livres. Uma mulher dinâmica, batalhadora, empreendedora e muito optimista. Eunice é uma fusão entre a cultura portuguesa e a cultura cabo-verdiana.

Nasceu em Buraca, formou-se em Gestão no Birckbeck College - Universidade de Londres. Conta para os leitores de Santiago Magazine como é a vida de uma criança nascida em Buraca?

A vida de uma criança nascida na Buraca. A única que conheço é essa vida. Nascer no bairro foi, no meu ver, uma mais-valia para a formação da pessoa que sou hoje. O meu bairro é a minha casa e a minha casa é o meu quarto.

A minha infância foi uma infância feliz, onde os valores da família alargavam-se aos vizinhos. Nós eramos uma grande família, onde todos eram tios e sobrinhos. Fui uma criança normal, com sonhos e projetos. Depois de concluir os meus estudos em Portugal e entrado no mercado de trabalho, verifiquei que para ter progressão na carreira eu tinha um nível de Inglês muito baixo. Dando assim origem a minha viagem para Londres.

A viagem de estudo de inglês, rapidamente se tornou em paixão pela cidade e fui ficando pela cidade, até que chegou o dia em que decidi que o meu destino estava em Londres. Ingressei na Universidade para ter um grau académico inglês ao mesmo tempo que ia melhorando as minhas condições de empregabilidade. Mais como a história da vida não é uma linha reta, depois de aprender muito na escola da vida, das vivências e convivências da vida, aqui estou eu de regresso a minha terra, a minha casa e a minha gente.

Alguma vez sentiu-se discriminada por ser filha de estrangeiros e negra?

Se eu alguma vez sente-me discriminada por ser origem Caboverdiana? Certamente que NÂO, algo que gosto jamais poderia trazer-me sentimentos tão desagradáveis e a ignorância dos outros não afecta a minha pessoa. Agora se a sua questão for se já fui discriminada por ser negra? Certamente que várias vezes, em diferentes situações, diferentes locais, diferentes contextos (entre os quais saliento o ambiente escolar onde docentes e não docentes usaram de formas inimagináveis de discriminação, mas desde muito cedo aprendi a defender-me). E aproveitando para uma nova questão se sinto que o racismo é uma pedra no meu caminho? Certamente que sim, a minha luta tem muitas frentes enquanto mulher e negra. Mas pergunto quem não tem de ultrapassar obstáculos para atingir objetivos?

Como avalia a questão racial no mundo? Considera Portugal um país racista?

A questão racial no mundo, ainda está muito aquém de atingir o ponto da igualdade tão desejada. Portugal é um país racista. No meu ver o racismo é um complexo de superioridade que foi construído pelo europeu para tirar vantagens económicas e financeiras do povo Africano e não só. O racismo é uma questão que favorece o europeu. Certamente que vão lutar (mesmo que sem armas) para poderem manter este estatuto e continuar a tirar os benefícios do mesmo. Portugal é um país europeu, logo é racista.

A Eunice é jovem e empresária? Qual o ramo de actividade que exerce? Que desafios tem enfrentado enquanto mulher no mundo empresarial?

Sim, sou jovem e empresária do ramo Imobiliário. Penso que assim como o racismo a desigualdade entre os géneros é uma coisa que foi criada pelo homem de forma a beneficiar o seu género. Sem dúvidas que existem diferenças biológicas entre os géneros, mas as sociais foram criadas pelo homem e para o homem. Enfrento desafios diariamente pela minha condição de mulher, como por exemplo se vou com um amigo fazer uma visita a um imóvel a conversa é sempre direccionada ao homem (mesmo quando o emissor é do sexo feminino). Marcar o meu território e ter de demostrar constantemente que “eu quero, posso e mando”.

Também é uma activista social. Primeiro, quais são as áreas que tem dedicado? Segundo, que motivações a levou a se interessar por essas questões?

Activista social, eu? Não. Acredito na igualdade do género, raça e religião. O que motivou-me possivelmente é o facto de ser MULHER, NEGRA E CATOLICA e tenho de ser respeitada enquanto mulher (género), negra (raça) e católica (religião).

Integra a lista do Dr. Mário de Carvalho, do “Nós Cidadãos, para a Câmara Municipal de Amadora. Conta-nos como foi esse processo?

O processo foi muito rápido e sem tempo para pensar. Uma prima minha sabendo da candidatura do Mário indicou-lhe o meu nome para cabeça de Lista de Freguesia das Águas Livres (composta pelas extintas freguesias da Buraca, Damaia e Reboleira). Tivemos uma reunião informal onde o Mário muito sinteticamente apresentou-me alguns pontos da sua candidatura e aceitei abraçar a causa e ser cabeça de lista para a freguesia que me viu nascer, crescer e onde desenvolvo feliz a minha vida.

Eunice Almeida gosta de política? O que é que espera do seu futuro na política?

Eu não gosto de política, a política é que gosta de mim. Por onde eu ando a política persegue-me. O que é uma sociedade organizada? Política. A política é a mais básica forma de organizar a vida de uma pessoa desde que ela é um embrião até a morte. Tudo está ligado à política. É um erro não gostar de política, pois só a política dá-te esse direito de pensar que não gostas de política.

Para além da mensagem constante do projecto autárquico em que participa, que mensagem levará aos jovens imigrantes e afrodescendentes, em particular às mulheres, para votarem em si e na candidatura do Dr. Mário de Carvalho?

Aos jovens imigrantes e afrodescendentes quero passar a mensagem de que nós somos capazes de vencer. Apesar de vivermos num mundo onde querem fazer-nos acreditar que não somos capazes isso é apenas a política a funcionar de forma cruel. Sim, eu sou capaz e tu também o és. Temos uma luta grande pela frente e está na hora de escolhermos armas diferentes das que eram usadas pelos nossos antepassados. A participação activa na vida política do nosso país de residência ou de nascimento é a mais poderosa arma de guerra que podemos utilizar. Pois será uma forma de influenciar e consciencializar quem faz as leis e quem as aplica que estamos atentos e que também temos uma voz na matéria. Uma forma mais fácil de dar essa voz é ir às urnas nas eleições. PARTICIPAR e ACREDITAR são as duas palavras-chaves para o processo de mudança. Eu como já disse acredito na igualdade de género, logo tenho a mesma palavra para todos.

Você é jovem, mulher e empresária. Acha que os jovens imigrantes e afrodescendentes, em particular as mulheres, se interessam pela vida pública participando em actividades de cidadania e política? Porquê?

Não. Acho que nós afrodescendentes temos a mente trabalhada para pensarmos que não vale a pena participar na vida pública e exercer actividades de cidadania e políticos, uma vez que isto não beneficiará em nada a comunidade. O que vemos agora, é transversal a quase todos os partidos, têm um ou dois elementos afrodescendentes e fica resolvido porque estes serão suficientes para a fotografia, pois na realidade a nossa afluência as urnas será muito reduzido. Nós temos de mudar essa forma de pensar, temos de nos consciencializar que somos cidadãos de plenos direitos e obrigações. Temos o direito à igualdade de oportunidades a todos os níveis e para que esse direito seja reivindicado temos a obrigação de escolher quem vai lutar em nosso nome por esses direitos. Certamente, que se começarmos a exercer esse nosso poder de voto muita coisa vai mudar, pois não vamos ser lembrados apenas quando passamos a frente de alguém e ouvimos a infeliz frase “eu não sou racista, o meu melhor amigo é preto”.

Como é que definiria Amadora no quadro dos municípios da grande Lisboa?

Amadora tem uma taxa de desemprego elevado, taxa de abandono escolar muito elevada, população muito envelhecida e muitos outros indicadores abaixo dos desejados para uma cidade de um país desenvolvido. Por outro lado, a Amadora é um município com elevada densidade populacional. Amadora abriga mais de 40 nacionalidades, sendo que a maioria dos cidadãos estrangeiros são provenientes dos PALOP´s. Viver na Amadora é viver numa cidade multicultural, onde no mesmo espaço pode-se ter 3 ou mais culturas completamente distintas a conviverem como se de uma só se trata. A Amadora é um bom exemplo de aculturação.

Como vê o poder local em Portugal?

O poder local em Portugal é a mais expressa forma de democracia. O poder local é o poder que está mais próximo da população, permitindo-lhe conhecer de perto a realidade dos cidadãos (as necessidades e virtudes sociais, económicos, culturais e financeiros). Podendo avaliar mais de perto a realidade têm a vantagem de poder actuar nas áreas de grande impacto para o desenvolvimento e qualidade de vida das pessoas, famílias, empresas e organizações da sociedade civil, em áreas como: educação, serviços locais de saúde, inclusão e coesão social, cultura, entre outros. Poder Local em Portugal tem contribuído, para o reforço da democracia e para o desenvolvimento local.

Se ganhar as eleições, o que é é que vai mudar na sua freguesia?

Na minha freguesia, Águas Livres, o que vai mudar se eu for eleita vai ser a voz do CIDADÃO. Eu acredito que não há melhor forma de fazer política do que seguir a voz do povo. Estar presente na comunidade será uma prioridade, pois sabemos que a junta é o poder mais próximo da população. O orçamento participativo será uma realidade. O turismo que é uma área com elevado crescimento em Portugal, com a minha vitória, vai ter muitos investimentos. Vamos tornar a freguesia das Águas Livres não numa fatalidade, mas em nossas casas e um destino turístico.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine