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O “frio” Natal num país tropical... celebrar em tempo da pandemia
Sociedade

O “frio” Natal num país tropical... celebrar em tempo da pandemia

Sem beijos e abraços… apenas com a família e menos caloroso do que o habitual. Assim deverá ser o Natal e fim de ano 2020 em todo o mundo. Em Cabo Verde não será muito diferente e o governo já anunciou: as festas de réveillon estão proibidas, e só serão permitidas até 15 pessoas em jantares de Natal. Até porque, mesmo em família, reuniões em ambientes fechados oferecem potencial risco de disseminação do Covid-19, principalmente entre os idosos.

O desejo de todos é que 2020 acabe logo. O ano pandêmico foi de fato pesado… e tem sido. Até o dia 15 de dezembro, Cabo Verde somava 11.395 casos positivos acumulados, dos quais 11.055 recuperados e um total de 110 óbitos por Covid-19. Até a data, o país contabilizava 225 casos ativos. Uma evolução positiva, que tirou a ilha de Santiago da situação de calamidade. Fogo, pela prevalência do ritmo de transmissão e do número de casos positivos, continua em estado de calamidade. São Vicente também é motivo de preocupação, mas a sua situação tem sido, até agora, mais controlável.

A saída de Santiago do estado de calamidade vai permitir que bares e esplanadas funcionem até à meia noite, em vez do horário limitativo que vigorava até às 21h00. Permite que o acesso e a frequência às praias balneares passem a ser permitidos entre as 06h00m e as 18h00m, respeitando as normas de distanciamento físico e de etiqueta respiratória. Cabo Verde, de acordo com o Governo, é o país africano que mais testes realiza em proporção da população. Foram realizados mais de 155 mil testes rápidos de anticorpos e de PCR.

Contudo, não podemos baixar a guarda. De acordo com o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva em declaração à Nação na última terça-feira, é fundamental que o país continue seguindo a mesma linha de combate para travar a doença: manter as regras básicas de proteção com o uso de máscaras, o distanciamento físico e a higienização das mãos por mais algum tempo, pois o vírus continua a circular entre nós.

Até 15 pessoas nas ceias de Natal… Fim de Ano sem fogos e sem festas

O Natal e fim de ano serão, seguramente, fora do normal. Para evitar situações que possam propiciar o aumento de contágios e de casos positivos de COVID 19, o governo anunciou algumas medidas restritivas para a época festiva.

Estão proibidas, em todo o país, as festas públicas ou em espaços públicos, normalmente destinadas às comemorações de Natal e de fim de ano. Os convívios nas residências particulares devem acontecer num contexto intrafamiliar, preferencialmente entre coabitantes e até um máximo de 15 pessoas, de modo a minimizar os riscos de propagação do contágio.

Excecionalmente, nos dias 25 de dezembro e 01 de janeiro, os estabelecimentos de restauração são autorizados a funcionar até às 02h30m da manhã.

Várias Câmaras Municipais também já anunciaram mudanças nos seus programas comemorativos. Em quase todos os municípios a aposta é sobretudo nas atividades que não suscitam aglomeração de pessoas e grandes aplicações de fundos: cantatas de Natal, feiras e exposições, campanhas de solidariedade e algum outro evento de cariz social.

Na Praia, o habitual Concerto de Natal da Banda Municipal, que todos os anos se realiza na Praça Alexandre de Albuquerque, mudou de palco. O cinema da Praia foi o local escolhido para brindar os praienses com a boa música, mas respeitando as normas de distanciamento e etiquetas de higiene e respiratórias. Já a famosa Noite Branca foi cancelada neste ano de pandemia. Uma medida para evitar a aglomeração de pessoas e travar o Covid-19, num Concelho que depois de vários meses conseguiu baixar o índice da propagação da doença.

No Sal a chegada do ano de 2021 não será anunciada com fogos de artifícios. A decisão é dos próprios munícipes salenses, tomada através de um inquérito lançado nas redes sociais pela equipa de Júlio Lopes. O dinheiro que estava destinado para este fim deverá ser aplicado no reforço de programas de apoio social. A edilidade lançou ainda a campanha Onda Solidária para arrecadação de cabazes de Natal destinados às famílias carenciadas, para além de outras atividades pontuais durante toda a época natalícia.

Compras virtuais e mesas menos farta

Marcado por profundas incertezas causadas pela pandemia de coronavírus, 2020 vai culminar com festas de Natal mais enxutas. As restrições impostas pelas autoridades para a realização das festas e o orçamento apertado das famílias devem fazer os gastos caírem neste fim de ano atípico.

Estamos a falar de um ano com menos emprego, com reduções drásticas nos salários e muitas dificuldades na economia, onde o dinheiro (ou a falta dele) impacta em grande o comportamento do consumidor, que quer garantir os preços mais baixos, um comportamento incomum quando o assunto é a maior festa familiar do ano.

A maioria dos cabo-verdianos já avisou: Este ano há prendas só para as crianças ou para algum familiar muito próximo. Ainda assim, em menor quantidade e a um custo mais baixo. A ceia de Natal também deve ser menos farta do que nos anos anteriores. Menos diversidade de pratos e opções de pratos bem mais baratos.

Mudanças também no que toca os modelos de compra. A situação de crise económica associada a um alto risco sanitário faz com que muitos consumidores optem de aquisições de prendas on-line. É notável alguma movimentação em lojas e supermercado. Porém, nada que se compare aos anos anteriores.

Celebrações à distância

Em casa da dona Maria do Rosário, de 69 anos, as ceias e almoços de Natal são clássicos. Os filhos, netos, noras, genros e alguns amigos próximos reúnem-se todos os anos na casa da matriarca, em Achadinha (cidade da Praia), para comer, beber, trocar presentes e celebrar. Alguns familiares costumam vir do Sal, São Vicente, Portugal e França para se unirem em grandes festas. Este ano, porém, vão ser só os mais chegados.

“Não vai ser a festa grande de sempre. Faço parte do grupo de risco, e desde o início da pandemia que restringimos as visitas familiares. Este ano vai ser um jantar rápido, com o mínimo de pessoas possível. Vamos celebrar juntos eu os meus dois filhos que estão na Praia e mais cinco netos, com quem tenho tido contato nos últimos meses. Vai ser muito diferente”, diz a dona Iaia, como é carinhosamente chamada pela família.

Contudo, vai ter a presença sim dos familiares emigrados. Ainda que virtualmente: “os meus netos já combinaram de fazer vídeo chamadas para, ao mesmo tempo, brindarmos por mais um Natal. E vamos repetir na noite de fim de ano. Este ano é fundamental celebrar, sobretudo, a vida, a saúde e homenagear aqueles que já não estão cá e as famílias que sofreram perdas humanas”, sublinha.

Será, seguramente, um Natal e Ano Novo diferente para todo o planeta em 2020. Para as famílias que, mesmo diante do perigo de contaminação pelo novo coronavírus, vão manter as festas, aconselha-se que, além de respeitar o número de pessoas indicado, seja apenas entre familiares de convivência muito próxima e que as festas sejam efetuadas em espaços amplos.

Equilíbrio entre a celebração e a responsabilidade

A psicóloga Zânia Silva considera importante as medidas tomadas pelo Governo dada a situação que hoje o mundo vive. Reconhece o desejo das famílias de estarem reunidas na fraternidade natalina, mas observa que, diante de um período atípico, é necessário encontrar um equilíbrio entre as necessidades pessoais e a responsabilidade coletiva.

“Vivemos um momento ímpar, precisamos estar mais abertos, refletir sobre as nossas ações. Quem está distante ou ainda não se sente seguro para estar com os outros podem fazer, por exemplo uma chamada, mandar uma mensagem ou até mesmo postal, um recurso tão esquecido. É fundamental pensar nas formas de cuidar da saúde mental para não se sentir sozinho e cuidar do outro também”, aconselha.

O fato de que precisamos do outro para nos humanizar, reflete na ansiedade da população pelas festas de fim de ano, sobretudo num 2020 de pandemia e distanciamento, segundo a psicóloga. Se, naturalmente o Natal carrega nas luzes e símbolos o sentido de fraternidade e união, este ano estes sentimentos podem ficar ainda mais aflorados por causa desta doença que nos afetou e afeta a todos, seja direta ou indiretamente.

“É natural sentirmo-nos ansiosos, perante o desconhecido. As festas este ano vão ser difíceis, porque não terão o sentido de comemoração, mas sim de aproximação entre os entes queridos. Vai ser de união. Porque milhares de pessoas adoeceram em todo o mundo, outros milhares morreram e a pandemia ainda não tem data nem hora de acabar. O estar próximo significa não só desenvolver empatia, como também o pertencimento a um grupo, a uma família”, frisa.

Bom senso é a regra

Vai haver agentes a bater de porta em porta para contar quantas pessoas estão nos jantares de Natal de cada família? E se eu receber na minha casa mais de 15 pessoas para a ceia, entrará a polícia porta adentro para nos deter?

Após o anúncio do Governo de limitar o número de pessoas nos jantares e almoços de Natal e de proibir as festas públicas de fim de ano, vários questionamentos começaram a ser levantadas pelos cabo-verdianas à volta do assunto.

Facto é que até o momento do fecho da reportagem o Governo ainda não tinha apresentado nenhuma resolução no que refere à responsabilização penal em caso de descumprimento das medidas acima referidas.

“A orientação principal é para evitar festejos com grande aglomeração, mesmo entre os familiares, como medida para conter a propagação do novo coronavírus. Mesmo que isso pareça rígido demais, são ideais para que a saúde pública seja mantida dentro do aceitável quanto ao covid-19”, analisa um advogado da praça que não quis se identificar.

No entender do jurista, deve-se pautar pelo bom senso e pela responsabilidade de cada cidadão, para que o país não volte a enfrentar o aumento desenfreado de casos de Covid-19, apesar de acreditar que o Governo deverá apresentar nos próximos dias uma nova resolução referente às medidas coercivas.

“É fundamental de que cada um de nós tenhamos a consciência sobre a importância de seguir à risca estas medidas para o bem coletivo”, realça alertando, contudo, que o cidadão que insistir em “quebrar as regras impostas” pode ser autuado e encaminhado à esquadra por crime de desobediência.

Recuperar o verdadeiro sentido da celebração do Natal

A pergunta que volta sempre: como será o Natal neste tempo de pandemia? Será que o Natal vai ser o mesmo? Definitivamente: não será!

A presença da pandemia - com menos festas, poucos exageros no consumo característico da época do Natal - pode ser vista como um desafio para celebrar o Natal com maior profundidade. É uma oportunidade para recuperar o verdadeiro significado da festa de Natal.

O perigo de contágio com o coronavírus obrigará a reduzir o número de pessoas reunidas. Por outro lado, o nascimento do menino Jesus vai ser celebrado em família.

Recentemente, o Papa Francisco declarou que o Natal é motivo de esperança em meio às dificuldades da pandemia do coronavírus. Durante a sua bênção tradicional aos domingos, Francisco disse que os símbolos da época, a árvore de Natal e o presépio, "são sinais de esperança, especialmente neste período difícil".

Exortou os fiéis a recordar o verdadeiro sentido do Natal, o nascimento de Jesus Cristo e a apoiar os mais necessitados. "Não há pandemia, não há crise que possa apagar esta luz", afirmou.

A esperança é de que os encontros familiares de Natal e de Ano Novo amenizem as dores e recebam o ano vindouro, que há-de-ser melhor.

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Redação