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Tolerância zero ao crime anunciada pelo primeiro-ministro  é divertimento
Ponto de Vista

Tolerância zero ao crime anunciada pelo primeiro-ministro  é divertimento

O PM tem à frente do Ministério da Administração Interna, uma área sensível, alguém que tem contas por prestar à justiça. Se quem não deve não teme, porquê essa fuga e escudo de imunidade? A polícia Nacional gostaria de ter um ministro à sua frente sem a mínima suspeição de cometimento de crime. O país tem milhares de armas artesanais e convencionais a circularem em todos os bairros e só é apreendida uma ínfima quantidade, quando alguém é assassinado ou ferido com muita gravidade. Como conseguir a propalada tolerância zero se existem mais armas nos bairros do que nos armeiros das forças de segurança?

Quem segue as tiradas do nosso primeiro-ministro (antes e depois da sua tomada de posse) não tem dúvidas de que a expressão tolerância zero ao crime proferida pelo PM é só mais uma galhofa entre as várias proferidas desde 2016.

Na sua tomada de posse em abril de 2016, dizia que áreas como emprego, o rendimento, a segurança e o desenvolvimento das ilhas estava no centro das suas prioridades, tendo acrescentado ainda que haveria tolerância zero para insegurança nas cidades e localidades. Não houve emprego, não houve rendimento, segurança é o que é e o desenvolvimento das ilhas é o isolamento total.

O próprio Diretor Nacional da Polícia Nacional, no ato da sua posse em 14 de Julho de 2016, pediu ao governo mais meios materiais e humanos que se consubstanciaria em tolerância zero à criminalidade.

Em 24 de Julho de 2018, na inauguração do Centro de Comando em Achada Grande Frente, o PM dizia que a Segurança é uma prioridade absoluta do governo.

Em 16 de dezembro de 2019, o PM no ato de encerramento da reunião dos dirigentes da Polícia Nacional dizia que queria tolerância zero em situações que envolvessem álcool e estupefacientes no seio da corporação policial.

Em 19 de março de 2019, no encerramento da campanha “Basta de violência contra crianças”, na presença da presidente da ACRIDES, o PM disse que existia tolerância zero no que diz respeito aos crimes de abuso e exploração sexual das crianças e o que é que temos neste momento?

No dia 7 de setembro de 2020, o PM prometeu tolerância zero na resposta à covid 19. Como veem, quando o PM utiliza a expressão tolerância zero, não tem qualquer preocupação com o sentido ou significado do termo.

Dado à situação crítica de insegurança que existia em 2019, três anos após a sua tomada de posse, o PM anunciou catorze medidas para pôr cobro à situação reinante e nenhuma delas foi posta em prática e como exemplo aponto apenas três:

A 1ª medida era priorização das investigações dos processos e julgamentos, relacionados com a criminalidade urbana. Vem sendo prioridade?

A 8ª medida era a cooperação em matéria de análise e tratamento de informação por parte das forças policiais.

A 9ª medida era atuação coordenada e conjunta da Polícia Nacional, Polícia Judiciária e Inspeção Geral das Atividades Económicas. A inexistência desta cooperação e coordenação entre as polícias ficou patente com a recente declaração do Inspetor da Polícia judiciária referente à captura dos supostos assassinos do cidadão e empresário indiano.

 A guerra de protagonismo entre as polícias não é recente e está a agudizar-se desde a instalação das câmaras de videovigilância que são monitorizadas apenas por agentes da PN que por sua vez deveria facultar em tempo útil as imagens à PJ. Essa “guerra” constante de protagonismo é alimentada ao mais alto nível, não esqueçamos que a PN é tutelada pelo Ministério da Administração Interna e a Polícia Judiciária pelo Ministério da Justiça.

Quanto ao recente anúncio do PM Ulisses Correia da criação de mais uma estrutura para a Segurança, o de Secretário de Segurança Interna, para os mais atentos não é nenhuma novidade, porque temos um chefe de governo megalómano que compôs o maior governo da história de Cabo Verde, 29 membros, superior ao da França, Espanha, Itália e Portugal,

O PM tem mais conselheiros e secretários que o PM de Portugal, António Costa, de Espanha Pedro Sánchez ou Mário Draghi de Itália; no total ultrapassa uma vintena, é só dar uma olhadela no Boletim Oficial nº 123 II Série de 2 de Agosto de 2021 para verem os últimos nomeados.

O Sr. PM não domina a área de segurança e está a ser muito mal assessorado no combate ao crime. Neste minúsculo território de 4033 km quadrado com menos de 500 mil habitantes, um bairrito de Europa, já temos estruturas a mais: o Ministério da Defesa e seus departamentos, o Ministério da Administração Interna, a Direção Nacional da Polícia que antes era dirigida por um único Diretor e agora tem mais dois Diretores Nacionais Adjuntos e vários departamentos, a Direção Nacional da Polícia judiciária e os seus vários departamentos, o conselheiro da segurança, a Direção do Serviço de Informações da República e a Inspeção Geral das Atividades Económicas, todos como órgãos de combate ao crime, são demasiadas estruturas e muitos encargos para este pobre país sem recursos que vê Europa, Estados Unidos  e os emigrantes como tábua de salvação.

Consequentemente, criar mais um secretário de Segurança que não sabemos a quem vai coordenar nem de quem vai depender, como bem disseram várias pessoas nas redes sociais, não é para combater a criminalidade, mas, sim, para alguém do partido que não teve ainda a sua chupeta.

O PM tem à frente do Ministério da Administração Interna, uma área sensível, alguém que tem contas por prestar à justiça. Se quem não deve não teme, porquê essa fuga e escudo de imunidade? A polícia Nacional gostaria de ter um ministro à sua frente sem a mínima suspeição de cometimento de crime.

O país tem milhares de armas artesanais e convencionais a circularem em todos os bairros e só é apreendida uma ínfima quantidade, quando alguém é assassinado ou ferido com muita gravidade. Como conseguir a propalada tolerância zero se existem mais armas nos bairros do que nos armeiros das forças de segurança?

No dia 20 de Outubro de 2016, S. Exa o Presidente da República, Dr. Jorge Carlos Fonseca, dizia na sua tomada de posse “A problemática da Segurança está no centro das nossas prioridades, pois, se não for possível o seu efetivo controlo, todos os outros objetivos   ficarão comprometidos”. Cinco anos depois, no fim do seu mandato, porque não foi possível o efetivo controlo da problemática da segurança, o mesmo estará a pensar, com desalento, que todos os objetivos deste governo ficaram comprometidos.

Enquanto o PM continuar a divertir-nos com o slogan tolerância zero ao crime, vamos continuar com tráfego de droga e pessoas, corrupção, crimes cibernéticos, branqueamento de capitais, imigração ilegal, exploração sexual e exploração laboral dos cidadãos da costa africana.

Praia, 3 de Setembro de 2021

Elias Silva  

 

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