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Parcerias Público Privadas. Setor dos Transportes Aéreos - 3.º Caso de Insucesso
Ponto de Vista

Parcerias Público Privadas. Setor dos Transportes Aéreos - 3.º Caso de Insucesso

A privatização da TACV concorre para ser o terceiro FRACASSO de PPP.

O desafio da privatização da TACV foi lançado em 2000. Vicissitudes diversas que não cabe aqui apresentar, nomeadamente a crise da aviação civil desencadeada com o 11 de setembro de 2001, entre outros, ditaram os sucessivos adiamentos do processo de privatização.

No entanto, o equilíbrio financeiro e a sustentabilidade da empresa passaram por sérios abanões durante esse período. A reestruturação da companhia na perspectiva da privatização, conforme recomendação de estudos realizados, havia iniciado, quando, em 2016, se despoletou um processo acelerado de privatização com outros parâmetros.

Tanto quanto se sabe, a assinatura do Acordo de Gestão entre o Governo de Cabo Verde e a Loftleider Icelandic do grupo Icelandair, visando a gestão da Transportadora Aérea Cabo-verdiana (TACV- internacional), foi um dos factos económicos marcantes de 2017.

O contrato de um ano, previa mudanças substanciais no modelo de gestão da empresa assente num plano de negócio acordado entre as partes com o objetivo de, não apenas concluir o processo de reestruturação dos TACV, mas, sobretudo, transformar Cabo Verde num hub de operação aérea no atlântico médio.

Com o acordo assinado, a companhia aérea cabo-verdiana deixou de operar os voos domésticos, continuando a voar apenas a nível regional e internacional.

Não são conhecidos os reais resultados nem o valor acrescentado da reestruturação propugnada e, pelo que foi tornado público, terá havido, um redimensionando com vista à expansão para novas rotas, à medida dos interesses muito específicos da empresa gestora.

O contrato de gestão não foi cumprido no tempo previsto e estendeu-se até dar lugar a um outro contrato, desta feita de compra e venda de 51% da TACV, assinado em Março de 2019.

E quem adquire, por compra, os 51% do capital social da TACV? A Loftleider Cabo Verde, detida em 70% pela Loftleider Icelandic do grupo Icelandair, esta, a mesma com quem foi assinado o acordo de gestão.

O preço de compra/venda foi de 1.318.102,50 € do qual 66,7% (878.735.00 €) foi destinado para a liquidação integral da dívida do Estado, à data, relacionada com a implementação do acordo de gestão e o restante 439.367,50 a ser pago no dia 31 de dezembro de 2019.

Todo o passivo da TACV, contabilizado na ordem dos 105 milhões de euros, foi assumido pelo Estado, através da empresa NEWCO (100% detida pelo Estado), especificamente criada para o efeito. Para a NEWCO foram transferidas todas as dívidas da TACV, das quais 50% estavam garantidas pelo Estado.

Ficou assim consumada mais uma PPP, realizada através da privatização da transportadora aérea nacional. E eis que, uma vez mais, a acionista controladora da companhia, é igualmente designada de parceiro estratégico.

E como surge a Loftleidir Cabo Verde?

Num primeiro momento, por resolução do Conselho de Ministros (setembro de 2018) é anunciada a Loftleidir Icelandic, subsidiária do Grupo IcelandAir, constituída em 2002, como parceiro estratégico identificado para a aquisição das ações representativas de 51% do capital social da empresa.

Mais tarde (Fevereiro de 2019), a Loftleidir Icelandic solicitou e o governo aceitou, que a operação fosse feita não com ela, mas com uma nova subsidiária sua, a Loftleidir Cabo Verde, empresa participada em 70% pela Loftleidir-Icelandic, e em 30% por privados islandeses.

A teia acionista maioritária e controladora da TACV é então constituída pela: Loftleidir Cabo Verde, empresa de registo islandês, subsidiária da Loftleidir Icelandic, esta, por sua vez, subsidiária do Grupo IcelandAir. Não são conhecidas as razões desta alteração, mas trata-se de um arranjo acionista de conveniência para permitir que a Loftleidir Icelandic assumisse o controlo da TACV S.A. sem ser, verdadeira e diretamente, detentora dos 51% de ações.

A Loftleidir Cabo Verde é, assim, uma entidade de intermediação que serviu para juntar os acionistas privados islandeses (30%) com a Loftleidir Icelandic (70%).

Quem são os privados islandeses que entraram nesse negócio? Como surgiram e qual o valor acrescentado para o negócio?

E, desta forma, no final das contas, a TACV ficou ao serviço dos interesses estratégicos da Icelander. Contrariando todas as projeções de aquisição por uma operadora aérea, a TACV acaba por ser adquirida pela Loftleidir Icelandic, que não é propriamente uma operadora aérea regular, mas uma empresa do grupo IcelandAir, especializada em serviços de leasing ACMI (aeronave, tripulação, manutenção e seguro). Com esse arranjo acionista a empresa controladora, Loftleirir Cabo Verde, determina as rotas e requisita os aviões em regime de leasning à Loftleidir Icelandic. É este o VERDADEIRO NEGÓCIO da chamada parceira estratégica.

Percebe-se assim a razão tangível do aumento de rotas e, consequentemente, do número de aviões em leasing. Voar com ou sem passageiros, com a taxa de ocupação dos aviões acima ou abaixo do breakeven load factor[1] constitui grave constrangimento para a TACV, mas não afeta o negócio da Loftleidir Icelandic – leasing de aviões.

Não são conhecidos estudos que deem conta da viabilidade económica e financeira de muitas dessas rotas. E a viabilidade não se alcança simplesmente com a assinatura de acordos aéreos entre países.

Sabe-se, por canais não formais, que a taxa de ocupação tem sido efetivamente muito baixa o que, associado aos elevados custos operacionais das aeronaves em leasing, que estão quase no fim do ciclo de vida útil (velhos), coloca em baixa o Breakeven Load Factor, com pesadas repercussões no equilíbrio financeiro da empresa.

A TACV havia declarado que precisava de três anos para o take off da empresa pois, projeta atingir o breakeven load factor em 2023 e assim iniciar o a curva ascendente para o equilíbrio financeiro. Num comunicado de novembro de 2019 a administração faz saber que “a companhia está focada em cumprir o seu plano de negócios definido até 2023, mas depende do financiamento contratualizado para atingir os seus objetivos”.

Este o ponto em que se encontrava a companhia à chegada da pandemia do COVID 19.

A situação financeira que já era má certamente tornou-se muito pior com os constrangimentos do Covid 19 que tiveram impacto estrondoso no transporte aéreo a nível global e também em Cabo Verde. Em julho de 2020, a administração da CVA fez saber que a companhia necessita, com urgência, de um empréstimo de longo prazo para garantir a sua operacionalidade e que aguarda com “expectativa e esperança” que “outras ações sejam tomadas eminentemente pelos acionistas da companhia aérea, a fim de melhorar a liquidez atual da empresa em benefício de seus funcionários, credores e todas as demais partes interessadas”.

Em que patamar de necessidades financeiras foi colocada a TACV, pela Covid 19? Quais as dívidas da companhia da TACV decorrentes do leasing de aeronaves? Que negociações foram feitas para conciliar o contrato de leasing de aeronaves com a interrupção de voos por causa do Corona vírus? Até onde pode ir, ainda, o Estado de Cabo Verde, neste processo de reabilitação da TACV?

A cada dia que passa a situação vai-se deteriorando e percebe-se que há muitas dificuldades de entendimento entre os acionistas. Tudo indica que este processo já reuniu tudo para não dar certo. Medidas urgentes e disruptivas devem ser tomadas no sentido de um novo “RESET” e uma nova largada.  

Lições retiradas de experiências anteriores, com alguns traços de semelhança, fazem crer que estamos perante mais um caso de INSUCESSO de parceria público privado. Não estaremos perante uma situação que implica o resgate da participação acionista da Loftleidir Cabo Verde na TACV? Não se vislumbra uma situação de reestatização, muito semelhante ao da Electra? Qual a razão do fracasso? Da opção de privatização? Da parceria montada na privatização? Do processo de privatização? Vale a pena procurar as respostas para delas se retirar os ensinamentos que se impõem.

[1] Breakeven Load Factor (BLF) é a percentagem média de assentos que deve ser ocupada num voo médio com as tarifas médias atuais para que a receita de passageiros da companhia aérea fique equilibrada com as despesas operacionais da companhia aérea.

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Redação