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Os Efeitos da Displicência na Economia e a Visão que se Impõe Concretizar (P.II)
Ponto de Vista

Os Efeitos da Displicência na Economia e a Visão que se Impõe Concretizar (P.II)

Em Cabo Verde, o crescimento dos diversos setores de atividade económica terá que ser, seriamente, reavaliado em todas as suas perspetivas. O seu silenciamento ou a sua quase paralisação, devido a pandemia que nos assola, vai exigir de nós e do mundo uma nova visão. O segundo semestre será o recomeço gradual e progressivo, sobretudo, das atividades da Administração Central e Local, do comércio e serviços, construção, indústrias alimentares e, sem dúvida, por indissociabilidade, do aumento das atividades bancárias. O comércio, basicamente, de mercadorias e produtos importados será a atividade mor e com arranque quase que imediato. Quanto a atividade turística, com influência direta nas companhias de transportes, perspetiva-se, praticamente, na mesma linha prevista pelas organizações internacionais - um crescimento muito lento e gradual, durante o ano de 2020, e com ligeiro crescimento, no final do primeiro semestre de 2021. Tratando-se do fim de um ciclo do mandato, toda a atenção será direcionada na tentativa de concretizar e iniciar alguns investimentos e reforçar a política social para a camada populacional menos favorecida.

Durante todo o segundo semestre de 2020, o fraco crescimento das atividades imobiliária e turística, resultante do adiamento de determinados projetos, terá um impacto direto no crescimento das atividades bancárias. O volume de negócios da banca e das seguradoras vão baixar-se, comparativamente ao semestre homólogo. A banca terá que procurar alternativas para rentabilizar a sua liquidez. O crédito ao consumo, com certeza, vai merecer um destaque especial. As atividades produtivas - todas as que geram utilidades- vão sofrer uma enorme contração, devido ao reflexo de uma diminuição intensa das atividades turística e imobiliária, contrariamente à alguns países africanos e europeus, cuja economia é diversificada.

As poupanças dos cidadãos vão reduzir-se por motivos vários, nomeadamente aumento considerável de trabalhadores que vão para o desemprego, emprego precário e a diminuição brusca de investimentos privados e, obviamente, de investimentos públicos antes previstos para este ano. A crise Social e económica, caso não haja uma intervenção direta do Estado, pode originar-se em crispações sociais! Pois, os impactos negativos da pandemia afeta sobremaneira as atividades formais e informais. Embora as ajudas dos cidadãos, não residentes, aos seus familiares tendem, globalmente, a aumentar, estas não serão de todo suficientes. Não haverá oferta de emprego/ocupação “menos valorizada” para dar resposta a enorme procura! A teoria de que há sempre emprego e de que somos nós que rejeitamos determinados empregos não será aplicável ao nosso caso. Já as pessoas não vão dizer de que como empregada doméstica não trabalham! Nas áreas de construção e, caso chover, da agricultura, haverá mais interesse e iniciativa pela procura de trabalhos, nestes ramos, por cabo-verdianos!

O Estado, sob critérios claros e otimizados, e de forma metódica e transparente, terá que fazer de tudo para solucionar as carências das populações, em termos de meios de sobrevivência, por meio de criação de empregos, mesmo que precários e temporários, ou de ajuda direta as famílias carenciadas- à figura do assistencialismo- e de melhoria, no geral, da qualidade de Saúde Pública.

A taxa de crescimento do PIB do país, em 2018/019, situa-se entre os 4,5% e 6% (fonte INE). O setor terciário, com incidência sobre os ramos de comércio e serviços, incluindo alojamento e restauração, concentra a maior parte da riqueza criada, em média, mais de 60% do PIB, seguido de atividade de construção e nas indústrias alimentares, em 20%. O setor primário, nomeadamente a agricultura e pesca, situa-se muito abaixo dos 10%. Os restantes dizem respeito aos impostos e taxas.

As atividades de comércio/serviços e a construção são dos ramos que mais contribuem para o PIB do país e na diminuição de desemprego, quer diretamente, quer através de atividades conexas, nomeadamente transportes. Infelizmente, o setor da imobiliária poderá passar por alguns momentos menos fáceis, durante o 2º semestre de 2020 e o 1º de 2021. Um dos motivos tem que ver com o adiamento de projetos investimentos e da impossibilidade do seu cumprimento, conforme tiveram sido previstos. Outro motivo estará relacionado com a instabilidade do emprego e o financiamento a economia.

Certos ramos do setor comercial terá menos dificuldade em se alavancar. Os nossos empresários estão mais virados a importação – compra (saída de capital) e (re)venda de mercadorias e produtos importados. É o ramo, como é natural, com maior abrangência nacional. Os privados e o Estado dão, na prática, uma atenção menos desejada à promoção da produção nacional, lá onde é possível. Queria aqui referir-se aos ramos de atividade como a agricultura, a suinicultura e as atividades conexas. O comércio de importação é um dos mais defendidos pelas associações do comércio, sendo estas com um papel determinante nas orientações políticas do governo!

Dai questiona-se: Será que a nossa provável forte propensão aos resultados imediatos e a aversão ao risco estão a nos dificultar em apostar em outros ramos de atividade? Portanto, é de se interpelar o porquê de se dar tanta atenção as atividades de compra e (re) venda de mercadorias/produtos importados, seja de que tipo for, quando se poderia ter uma política virada para a implementação e incrementação da produção nacional possível, sobretudo de determinados produtos alimentares, por meio de investimentos públicos ou de parcerias público-privadas, seguido da sua venda (concessão) total à privados. Há alguns países, designadamente Israel e Canárias, que, mesmo em face à situações climatéricas adversas, conseguem incrementar a produção de certos produtos alimentares nacionais.

Já é o momento de se concretizar a tarefa de diversificação da economia cabo-verdiana. Ficar, praticamente, dependente do turismo constitui um erro muito grave. A crise pandémica atual levou, de forma brusca, a paralisação da economia mundial e, obviamente, de uma das nossas atividades mais acarinhadas - a turística. Os efeitos desta crise turística para o país deverão nos servir de reprimenda, se é que apreendemos com os nossos erros (a prática, por motivos outros, nos mostrou o contrário), para que, finalmente, a economia seja diversificada.

Esta diversificação deverá passar por três pilares essenciais – a Agricultura, a Suinicultura e a indústria transformadora de produtos, resultantes destas atividades. Acrescenta-se ainda todas as outras atividades conexas, particularmente a turística, porquanto seremos nós os produtores e fornecedores da maioria destes produtos aos hotéis e restaurantes do país. Aliás, em caso de uma eventual crise, pandémica ou guerra entre as nações, são estes os setores que asseguram a sustentabilidade do país e que constituem o ponto de equilíbrio da sua população, recurso a partir do qual nos permite viver e enfrentar as eventuais causas sociais indesejáveis!

Destarte, os efeitos dos impactos negativos, resultantes da crise económica e financeira e das possíveis falhas de ação e prevenção, estariam salvaguardados, em grande parte, com a diversificação da economia! A convicção de que isto é real é explicada, em parte, pela paralisação da atividade turística, devido a pandemia do Covid19, mas que poderia ser guerra ou atividades terroristas, e a impaciência dos governantes e do povo, todos os anos, quanto a queda das chuvas! O povo sentir-se- á mais autónomo e o governo mais aliviado! Neste sentido, pergunta-se: Será que já não é tempo de valorizarmos e apostarmos mais nas atividades agrícola, suinícola e na indústria transformadora destes produtos?

Importamos quase todo tipo de produtos, derivados destes ramos de atividade! Muitas vezes, de qualidade duvidosa e que pode pôr em causa a saúde pública. Uma das bases para a diversificação da economia já foi construída, que são as barragens. Certamente, alguém vai questionar-se, para quê ter tantas barragens sem água! Deveriam, também, questionar a ação deficitária dos governos, durante o período em que as barragens estiveram a transbordar-se de água! Bastava ver os terrenos a jusante e a montante das barragens!

Se for a questão de equipamentos de irrigação resolve-se por meio de financiamento, via banca, aos proprietários e com o reforço, em parte, da garantia bancária do Estado; Se for a questão da propriedade privada resolve-se por via da expropriação de terrenos, mediante uma indeminização justa. Se for o problema de água da chuva para aprovisionamento das barragens, existem soluções alternativas: introdução de outros elementos decisivos e complementares da escassez da água/chuvas: i) Construção de um centro de dessalinização da água e ii) Gestão da água! Centro que, dependendo do custo de produção e da necessidade da água a irrigação, funcionará como alternativa, a semelhança de um gerador, em caso de ausência da energia elétrica! Outra questão poderá ser colocada: e o custo de manutenção?! É irrelevante! Na medida em que pode-se produzir água destinada a fornecimento de diversas outras atividades desenvolvidas no país, nomeadamente construção civil, e compensar os gastos resultantes da manutenção das instalações!

Se os privados, normalmente, têm apetência por um período rápido de recuperação dos investimentos hipoteticamente realizados, razão pela qual procuram investir em setores com maior capacidade de libertação de fundos, o Estado tem de pensar o país ao longo prazo, independentemente do prazo eleitoral. O Estado tem a obrigação de diversificar, valorizar e promover diversos setores da atividade, a fim de minimizar os impactos negativos do risco de concentração económica. Isto será o input para que os privados se manifestem interesse em empreender e trabalhar em qualquer ramo de atividade. O Estado não pode delinear políticas económicas, explícitas ou implícitas, que deixem a entender que o turismo, o comércio e a imobiliária são mais refinados do que outros setores de atividade! Se não, estamos, em face à desconsideração, indiferença e displicência económica!

 28maio20

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Redação