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Mercado de Coco. Mais de 1 milhão de contos já enterrados e sem data de conclusão à vista. Francisco Carvalho fala em “obra da vergonha”
Política

Mercado de Coco. Mais de 1 milhão de contos já enterrados e sem data de conclusão à vista. Francisco Carvalho fala em “obra da vergonha”

Cerca de um milhão contos já consumidos, em 10 anos de construção, a obra do Mercado de Coco ainda vai longe da conclusão, tendo passado pelas mãos de 3 empresas de construção: Construções de Cabo Verde (CVC), Sogei e Consórcio Elevolution/Construção Barreto. Com orçamento inicial de cerca de 350 mil contos, esta “obra da vergonha”, como adjetivou o presidente da Câmara Municipal da Praia, Francisco Carvalho, já atingiu uma derrapagem financeira de mais de 300 por cento, prevendo-se que até 2030 poderá custar só em juros junto da Bolsa de Valores acima de 520 mil contos.

O projeto Mercado do Coco arrancou em 2011. Os capitalinos contavam ter o seu novo mercado em pelo menos 2 anos. Mas não foi possível e já se passaram uma década. Em 2017, isto é, 6 anos depois do arranque das obras, um relatório elaborado pela empresa Construções de Cabo Verde, cujo teor Santiago Magazine teve acesso, dava conta que a fundação e as estruturas das obras não reuniam as condições para suportar o avanço dos trabalhos, e aconselhava o dono da obra, no caso, a Câmara Municipal da Praia, a refazer o projeto, para corrigir eventuais erros de cálculo e projeção.

O referido relatório, que foi elaborado no quadro de uma missão de trabalho conjunta entre técnicos da CMP e os responsáveis da empresa Construções de Cabo Verde, chega mesmo a prever a derrocada da obra, quando a dado passo regista que “a estrutura não verifica os requisitos mínimos de segurança, pelo que é expetável que o seu colapso ocorra quando sujeita à totalidade das cargas que estão previstas”.

Perigo de colapso

Não foi possível a este diário digital chegar às informações que possam confirmar se os conselhos desse relatório foram ou não acatados pelo dono da obra, a CMP.

O que o jornal está em condições de afirmar é que neste momento, as obras estão entregues ao Consórcio Elevolution/Construção Barreto e que o futuro desta que tem sido o "cemitério de recursos públicos" não se vislumbra de feição, tudo porque, conforme observa Francisco Carvalho, “a derrapagem financeira é incomportável” e tudo indica que esta obra não irá cumprir a missão para que foi concebida, tendo em conta condicionalismos naturais e do próprio projeto em si.

Plano de negócio e projeto de arquitetura comem 13 mil contos

Entretanto, enquanto se espera o desfecho quanto ao futuro desta infraestrutura municipal que muita tinta tem feito correr no país nos últimos 12 meses, Santiago Magazine tentou mergulhar nos bastidores da sua construção para trazer aos seus leitores informações que poderão ser úteis ao interesse geral, particularmente na avaliação de um projeto que tem estado a consumir um considerável acervo do erário público.

Neste particular, Santiago Magazine conseguiu saber que de 2011 a esta parte a CMP já pagou cerca de 665 mil contos só em empreitadas de obras, assim divididos: 663.434.863$00 aos empreiteiros e 1.150.000$00 à fiscalização.

Ainda no capitulo de pagamento às empresas, regista-se que entre 2010 e 2013, a empresa Ccgs - Consultoria em Importação e Exportação Lda - recebeu um total de 13.085.778$00 para elaboração de plano de negócio e projecto de arquitetura.

Até 2030 empréstimo obrigacionista vai comer 520.495.396$00 só em juros

No que se refere ao serviço da dívida nas instituições de crédito, consta que foi contraído um empréstimo obrigacionista, em 2010, na BOLSA DE VALORES DE CABO VERDE, no montante de 446.678.000$00.

Deste empréstimo, já foram pagos até a presente data um total de 260.247.696$00 só em juros, e 236.542.011$00 do capital em dívida. Falta ainda o capital de 210.135.989$00 a ser pago daqui até 2030.

A nova equipa camarária diz não dispor ainda do plano financeiro nem do contrato do empréstimo. “Não dispomos do plano financeiro e do contrato do empréstimo para conhecermos os termos dos mesmos. O que se sabe é que o pagamento do capital e juros é semestral e o contrato foi feito para ser amortizado em 20 anos”, informa a diretora financeira da CMP, Maria José Lopes.

130 mil contos canalizados diariamente para o serviço da dívida

Entretanto, feitas as contas com os dados financeiros disponíveis, temos que até 2030, último ano de amortização deste empréstimo obrigacionista, a CMP irá pagar um total de 520.495.396$00 só em juros, o que somado ao capital ascende a um acervo financeiro de 976.173.392$00. Isto só com a Bolsa de Valores.

Neste momento, os serviços financeiros municipais informam que sai da conta corrente da CMP junto do Banco Comercial do Atlântico o montante de 130.000$00 diários, que é canalizado para uma conta designada BCA Obrigações. Os colaboradores da tesouraria municipal dizem desconhecer o memorando ou documento que suporta esta transação, mas confirmam que, efetivamente, diariamente acontece essa transação automática de 130.000$00 de uma conta para outra.

Mais 350 mil contos do PRRA

Mas a torneira financeira do Mercado do Coco não fica apenas por este crédito obrigacionista. Não. Santiago Magazine teve acesso a um contrato programa assinado entre o governo de Cabo Verde e a CMP, no âmbito do Programa de reabilitação, Requalificação e Acessibilidades, conhecido por PRRA, para financiamento do mercado de Coco, no valor de 350.000.000$00, supostamente para conclusão das obras.

O referido contrato estabelece na sua primeira cláusula que esses 350 mil contos seriam destinados à conclusão da construção do piso térreo e do piso elevado, construção de estruturas de apoio às atividades do mercado, nomeadamente bancos, seguradoras e jardins, bem como arranjo exterior.

Desse montante, informam os serviços financeiros da CMP, o governo já desembolsou 123.413.670$00, sendo que o saldo remanescente será desembolsado mediante apresentação pela CMP da situação dos trabalhos.

Tribunal de Contas rejeita visto ao financiamento do PRRA

Trata-se de um contrato programa foi assinado em março de 2019. Entretanto, terá sido remetido ao Tribunal de Contas, para efeitos de visto, só em 2020, ou seja, um ano depois. E o Tribunal de Contas rejeitou o visto, devolvendo-o à procedência, ou seja, à CMP.

Com a rejeição do visto do Tribunal de Contas, a entidade que responde pela legalidade das despesas públicas em Cabo Verde, a CMP “está manietada, sem saber o que será deste ato administrativo e financeiro, cuja execução já vem de há quase 2 anos,” desabafa o edil, Francisco Carvalho.

 

 

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