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Os monges e os aprendizes
Ponto de Vista

Os monges e os aprendizes

A Universidade Pública de Cabo Verde (Uni-CV) vai a votos no próximo dia 19 de Janeiro. Os docentes vão as urnas neste dia. Nos termos estatutários, o reitor é eleito por escrutínio secreto de entre docentes doutorados com pelo menos três anos de experiencia docente de investigação e/ou com experiência de gestão no Ensino Superior em Cabo Verde. Contudo, a participação dos estudantes se afigura, como sempre, irrelevante e não conta para o “jogo académico”.

Uma instituição que conta com pouco mais de onze anos de vida, não seria justo exigir que esteja ao nível das grandes universidades europeias e africanas. Seria de todo uma incongruência. Porém, poderíamos estar melhor, isso é inegável, mas a questão partidária em Cabo Verde constituiu uma “doença crónica” das instituições, sobretudo daqueles que procuram um lugar não ao sol, mas ao frio do “ar condicionado” das muitas e ineficazes chefias que temos nesta “terra ensolarada” que muito precisa de técnicos superiores disponíveis a melhorar as nossas instituições.

A Universidade Pública constitui um campo onde as “vozes”, por vezes, não podem falar, onde contentamos com pouco, nomeadamente com ineficácia, falta de respeito e até praticas que se afiguram pouco democráticas. Os alunos aqui não são tidos, nem achados. São pois submetidos ao silêncio, contrariando os valores de qualquer universidade onde o objetivo primordial é o de formar uma massa critica e, antes do diploma, era esperado que soubessem pensar para, mais tarde, se saber fazer.

Até os serviços que deveriam dispor dos estudantes são, muitas vezes, confrontados pela oposição. Parece que nos tratam como sendo desinformados. Pagar uma elevada propina numa universidade “pública” que, na verdade, parece privada para assim podermos pagar a incompetência e ineficácia de muitos. Os estudantes podem até não ser sempre honestos nesta história, mas nunca serão os vilões.

Vamos escolher uma nova equipa de gestão e direção. Na prática, os estudantes não vão escolher nada. Trata-se apenas de uma operação de cosmética. Não têm o mesmo peso eleitoral que os docentes. Estes são os mais prejudicados neste jogo. Vejamos três exemplos: [1] A Uni-CV no Campus do Palmarejo possui duas bibliotecas, mas quando as comparamos com algumas bibliotecas municipais ou mesmo bibliotecas de organismos do Estado, não “chegam” a ter as mesmas condições. Perguntamos a este respeito: o que é que se fez nestes últimos anos no sentido de melhorar este serviço tão essencial ao ensino? [2] Temos falta de mesas e de lugares condignos nas salas de aulas para o estudo; [3] Os Serviços Académicos (SAC) funcionam de forma pouco satisfatória, deparamos diariamente com longas filas de espera e processos bastante morosos.

Não vamos simplesmente colocar fé numa Direção ou uma nova gestão e esperar que esta venha verdadeiramente revolucionar o “estado de coisas” na Uni-CV. Essa tarefa constitui uma utopia. Já tivemos a oportunidade de assistir outras candidaturas. Não podemos ser, de todo pessimistas. Todavia, o realismo é atualmente urgente para se mudar as práticas de uma instituição e só assim mudar a organização.

Nós, alunos, podemos decidir votar e não votar. A maioria dos estudantes continuam a enfrentar o problema para encontrar uma bolsa de estudo. Assistimos a uma época em que a lógica clientelista persiste de forma contínua. Conseguir uma bolsa de investigação é uma tarefa árdua. Resta à maioria dos estudantes custear as próprias despesas e dispor das condições para assim puderem prosseguir a sua formação de forma” despreocupada”. Mas a lógica clientelista e partidária parece inverter este princípio, uma vez que se sobrepõe ao mérito, constituindo este como uma prática que nos parece cada vez mais comum, não trazendo benefícios para o desenvolvimento da instituição e do país.

Qualquer instituição tem sempre que pautar pela transparência. Sentimos que isso não verifica na nossa instituição. Já chegamos ao ponto de questionar a própria forma como que se avalia os alunos. Existem, por vezes, dúvidas nos critérios utilizados para a avaliação.

Desde o topo à base, começando pelos órgãos de direção da instituição, indo até aos serviços institucionais, deparamos que, na verdade, estes deveriam estar junto dos estudantes, auxiliando-os na defesa dos seus interesses. O certo é que acabam por estar a ser usados para fins clientelistas, como meio para lutas de interesses pessoais. Os estudantes e toda a academia saem geralmente prejudicados.

Queremos que a Uni-CV seja uma organização autónoma. Para isso, tem de deixar de ser um “centro de recrutamento” e de “fazedores de opinião”, mexendo com a própria ética da investigação e da ciência. A academia deve ser “incolor” e constituir um espaço de debate, livre de ideias, sem condicionalismos de qualquer outra natureza.

Precisamos mudar a instituição, mas isso só será possível, se mudarmos as nossas práticas.

Adilson Santos Varela

 Finalista do curso de Ciências Sociais – Percurso Ciência Política.

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Redação