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Boa Vista. A ilha ancorada entre dois mundos (ii)
Ponto de Vista

Boa Vista. A ilha ancorada entre dois mundos (ii)

Diante da crise sanitária mundial, Boscatto e família seguiram da Boa Vista para a sua terra, Itália, onde as estatísticas das mortes por corona vírus são alarmantes. A Itália lidera, juntamente com os EUA, as estatísticas das mortes no mundo, mas mesmo assim o senhor Boscatto preferiu Itália a Cabo Verde.

Boscatto justifica a sua decisão: “Tenho altos investimentos em várias aéreas na Boa Vista; pago, todos os anos, mais de 1.000.000$00 de Imposto Único sobre Património (IUP); Todos os anos, eu e os meus empregados pagámos mais de 20.000.000$00 de impostos sobre o rendimento e não vejo quaisquer investimentos de vulto no setor da saúde, para turbinar um sistema de saúde antiquado e retrógrado - um sistema de saúde que padece de investimentos consideráveis. Se o sistema de saúde do seu país fosse mais ou menos alinhado com o sistema de saúde da Itália, eu continuaria aqui, mas tenho pouca confiança no sistema de saúde do seu país. Se houver um boom de casos da doença, o colapso será total. Desta forma, pelo sim pelo não, volto para Itália.”

Esta declaração põe a nu o falhanço da governação de Cabo Verde ao longo de vários anos. Por um lado, priorizou-se o turismo como atividade económica fundamental do Estado, colocou-se todos os ovos num mesmo cesto, pendurado numa linha que poderia não suportar o peso da concorrência ou mesmo de uma crise qualquer. Por outro lado, os serviços públicos conexos ao turismo, como a saúde, a segurança pública, o urbanismo e outros serviços complementares, foram ignorados pelos sucessivos governos centrais e locais.

Cobram-se impostos e taxas em Cabo Verde, para suportar as ineficiências do Estado. Ainda ontem no telejornal da TCV, um vereador da Câmara Municipal de São Vicente anunciava que os 40.000.000$00 do orçamento do Município de São Vicente, destinados ao Festival da Baia das Gatas, iriam ser aplicados nos apoios sociais. Esses 40.000.000$00, dinheiro do contribuinte, iriam ser utilizado para uma única festa e paródia!

Veja, amigo leitor! O custo deste festival – Baia das Gatas - em 10 anos suportaria a compra de mais ou menos 200 ventiladores hospitalar que, hoje, face a esta crise sanitária, fazem falta ao Hospital Batista de Sousa em São Vicente!

É com ineficiências sobre ineficiência, é que vamos gerindo este país sem pensar nas gerações vindouras, contraindo dívidas públicas cuja aplicação será sempre questionável pelos homens e mulheres de amanhã, estes que hoje ainda são crianças. Ficarão sabendo que na ilha de Santiago, os festivais da Gamboa e Criol Jaz gastavam ao erário público um valor estimado em 80.000.000$00/ano; que os festivais noutros concelhos da Ilha de Santiago seriam suportados por impostos, taxas ou dívidas que seriam pagos por estas crianças, homens e mulheres de amanhã, estimados em 160.000.000$00/ano. Portanto, a ilha de Santiago gastou por ano o valor de 240.000.000$00 em festas e paródias, do dinheiro do cidadão; São Vicente, com dois festivais por ano, 80.000.000$00; Santo Antão 60.000.000$00; São Nicolau, 40.000.000$00; Sal, 60.000.000$00; Boa Vista, 30.000.000$00; Maio, 20.000.000$00; Fogo, na festa de Banderona, 25.000.000$00, e noutros concelhos 45.000.000$00 (isto é, Fogo gastaria um valor global de 70.000.000$00); e, por último, Brava, 25.000.000$00. Portanto, Cabo Verde gasta, anualmente, em festas e paródias, 545.000.000$00. Valor esse daria para comprar mais ou menos 240 ventiladores hospitalar.

É esta a governação municipal e central que temos! Paciência, é o que temos! É o paradoxo das fronteiras de possibilidades económicas de um Estado. Entre a saúde e as festas, priorizou-se as festas e paródias, que servem para alienar e levar toda a Nação e a sua juventude à perdição e à resignação. Assim, não sobraria ninguém para questionar a legitimidade e o desempenho dos governos central e local, pois toda a nação estaria embriagada!

Enfim, tenho lido comentários que se fazem aos artigos que venho publicando no jornal digital Santiago Magazine. Respeito todos os comentaristas! Todos sem exceção, mesmo aqueles cuja má-fé é expelida em cada palavra escrita. Para estes, fica o convite para consultarem, no Arquivo Histórico, os artigos publicados por mim no Jornal ASemana e no Jornal Expresso das Ilhas, nos quais, remando contra a maré, desde 1995 a 2015, sempre questionava os gastos do dinheiro dos cidadãos nos festivais e paródias! Portanto, o que questiono hoje, face à crise sanitária atual, não decorre de nenhum oportunismo doentio de ataque a qualquer governo! Há, sim, uma linha de coerência nestas publicações desde 1995 a esta data!

Para concluir, lamentavelmente, diria que a Boa Vista é uma ilha ancorada entre dois mundos: um mundo dos turistas ricos que pagam altos impostos ao Estado de Cabo Verde e um outro mundo representado pelos Governantes Centrais e Locais que gastam tais recursos em ineficiências do Estado como festas e paródias, ignorando setores complementares para o turismo, como a saúde, a segurança e o urbanismo!

Tudo isto está explicado pelo seguinte pensamento de Jorge Bernanos: “O pobre prefere um copo de vinho a um pão, porque o estômago da miséria necessita mais de ilusões que de alimento!”

Que Deus nos socorra nesta guerra contra o novo coronavírus (o COVID 19)! Amém!

Sal Rei, 13 de Abril de 2020

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Redação