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O Estado de Emergência a meio percurso - o meu estado de alma
Ponto de Vista

O Estado de Emergência a meio percurso - o meu estado de alma

Muita gente pretendeu, nestes 11 dias decorridos sobre o início do estado de emergência, transformar essa excepcionalidade democrática numa questão política e de luta partidária. Mas não é! Trata-se, antes de mais, de uma decisão de ordem jurídico-constitucional motivada, exclusivamente, por um imperativo de saúde pública. Logo, as análises que devia suscitar, as inquietações que provoca e os balanços que necessariamente merecerá, terão que ser de âmbito epidemiológico, em primeiro lugar, e só a seguir de carácter social e económico, e nunca, repito, nunca, de enquadramento politico-partidário. Sim, porque importará também saber, depois de averiguarmos qual é o estado de saúde dos nossos cidadãos, de que forma estão ou vão passar a viver com as restrições (ao trabalho, ao rendimento, à alimentação, etc) impostas pelas limitações decretadas para o regime temporariamente vigente.

Há quem já defenda o alargamento do estado de emergência, e julgo que sem ponderar todas as valências do problema, olhando apenas para uns incómodozinhos menores que implicam os pequenos sacrifícios inerentes a uma confinação obrigatória mas com salários garantidos, despensas cheias, assinaturas de TV pagas por seis meses e outros “direitos” dados como adquiridos.

Mas há que olhar para aqueles que são obrigados a sair à rua para ganharem o pão dos filhos - que em regra, para essas famílias, são muitos –, sejam eles pescadores, carpinteiros, operários da construção civil, peixeiras, rabidantes ou vendedeiras de balaio às esquinas dos nossos bairros. Para estes, o estado de emergência significa mais do que pequenos sacrifícios, é um golpe duro na sua capacidade de sobrevivência.

Devemos igualmente ter em conta a economia do país. Sendo certo que estarão com a razão aqueles que dizem que a economia pode ser recuperada mas as vidas perdidas não nos serão devolvidas, a preservação dos instrumentos de financiamento do Estado e a boa saúde das empresas, geradoras de riqueza e de emprego, deve preocupar, e muito, os cidadãos e os governantes.

São estes, principalmente, os aspectos que os órgãos de soberania do Estado de Cabo Verde, nomeadamente o Governo, que dá parecer, a Assembleia Nacional, que autoriza, e o Presidente da República, que decide em última instância, devem ter em conta na perspectiva da reedição do estado de emergência.

E devem fazê-lo sem sobrevalorizar a valência política da questão, porque aqui e agora não se trata de fazer campanha para ganhar eleições mas, sim, de ultrapassar um desafio muito maior que, a ter um vencedor, não será ninguém, mas, se tiver um perdedor, seremos todos nós. Por isso, na análise pré-decisória, o principal factor a ater em conta, repito, é o epidemiológico, é a saúde pública, seguido das preocupações sociais e económicas. Tudo o resto não passará de questões acessórias, das quais o aspecto político será, certamente, a menos importante.

E a questão política vem a propósito devido à importância que muitos tentaram atribuir-lhe antes de ser decretada e durante a primeira metade da vigência do estado de emergência. Em primeiro lugar tentou-se mostrar que se tratava de um desígnio apenas ao alcance de predestinados, como se accionar um instituto constitucional, num ambiente de geral aprovação social, fosse um acto verdadeiramente divino.

De seguida, alguns cabo-verdianos com direito a intervenção no espaço público de opinião procuraram fazer do estado de emergência e de todos os actos legais visando a sua regulamentação e aplicação prática objecto de um unanimismo universal, em que qualquer voz minimamente divergente e toda a crítica, mesmo que assente em propostas e sugestões bem-intencionadas, eram catalogadas como vindas de quem não queria o bem de Cabo Verde.

Pelo meio, assistiu-se a um escrutínio censório de todo o discurso ou publicação, de políticos, de cidadãos ou mesmo de jornalistas, passíveis de ser interpretados (em regra de forma elástica e abusiva, pelos citados censores) como de motivação inconfessa e contrária aos interesses da comunidade. Atiçar desnecessariamente animosidades com atitudes, palavras e actos puramente maniqueístas, dividindo os cabo-verdianos entre bons e maus, foi, parece-me, a prática de alguns, mas que, infelizmente não deu frutos.

Em consequência, estrámos já na segunda metade do estado de emergência, com muitas preocupações quanto às nossas fragilidades sanitárias, sociais e económicas, mas com algumas certezas positivas e quase generalizadas: a decisão foi bem e atempadamente tomada; a actuação das autoridades sanitárias tem sido competente (salvaguardando uma ou outra falha); as medidas governamentais visando a implementação prática do estado de emergência são abrangentes e saudáveis; o confinamento está a ser observado com razoável rigor; a população está serena e confiante nas instituições; e, last, os impactos do Covid19 na saúde pública têm sido mínimos.

Espero que, na próxima fase, comecemos a fazer os testes à Covid19 com critérios de abrangência mais alargados, e que se criem formas inovadoras e tecnologicamente simples de auscultar o estado de saúde da população, nomeadamente através de inquéritos online que possam permitir, a todo o momento, saber onde e como se encontra cada cabo-verdiano.

Se o estado de emergência tiver de ser prolongado, que seja. Mas que se tenha em conta, primeiro, os aspectos que não puderam ser acautelados no seu primeiro período de vigência e todas as outras disfunções que os primeiros 20 dias tenham posto a nú.

Praia, 08 de Abril de 2020

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Redação