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A nova Lei do Álcool. Que efetividade e que efeitos?
Ponto de Vista

A nova Lei do Álcool. Que efetividade e que efeitos?

Num colóquio sobre o alcoolismo que decorreu na cidade da Praia, almejando o “desmatamento” do terreno para semear a lei nº 51/IX/2019 de 8 de abril (doravante – Nova Lei do Álcool), o Ministro da Saúde passa a batata quente ao Tempo, no que diz respeito fazer juízos sobre a bondade e efetividade da referida lei. Segundo as palavras do Ministro, “o tempo dirá da sua bondade e efetividade”[1].

Quanto a hipotética bondade legislativa que esteve na base da lei em apreço, não se questiona. Sugiro que é do interesse de todos os cabo-verdianos, ter uma sociedade sã, livre do pungente odor do alcoolismo. Já em relação a sua efetividade penso que, deve-se perguntar e agora: que efetividade se espera? Como se pretende alcançar a referida efetividade?

Ora, isto inevitavelmente, faz-nos recuar no tempo e falar da proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, prevista na lei nº 27/V/97 de 23 de junho, até então em vigor. Aliás, no próprio preambulo da nova Lei de Álcool refere-se que “embora a lei em vigor proíba a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, é bom de ver que 45,4% de estudantes entre 12 e 18 anos já ingeriram álcool...”.

Esses famigerados dados impedem-nos de fazer outro juízo, que não concordar com o fracasso na aplicação da lei 27/V/97 de 23 de junho. Diante deste fracasso, importa saber as causas a ele subjacentes. Uma coisa é certa: não se pode esperar que pessoas abrangidas pela proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de 18, cumpram as suas obrigações, sem que as autoridades fiscalizadoras desempenhem efetivamente o seu papel. A aplicação efetiva da lei (do Direito) requer em primeiro lugar que as autoridades com poderes de fiscalização sejam proativas no desempenhar das suas funções. E ser proativo, significa não se limitar à aplicação de sanções em caso de infrações, mas também, desenvolver ações de colaboração mútua com as pessoas obrigadas, despertando nestas o espírito e a necessidade de cumprimento das leis. Ou seja, como diz a sabedoria popular, “um exemplo vale mais do que mil palavras”.

Nestes termos, penso que, o fracasso na aplicação da lei 27/V/97 de 23 de junho se deve ao mau desempenho do papel da fiscalização pelas autoridades elencadas no seu artigo 7º, e que consecutivamente acaba por ser um exemplo para as pessoas obrigadas, e neste caso concreto, um mau exemplo. Por outras palavras, se as autoridades fiscalizadoras não cumprem as suas obrigações, as pessoas obrigadas também não cumprem as suas.

Mas, não obstante, de o possível epicentro do problema da venda (e consumo) de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos se situar no seio da fiscalização, como forma de reforçar o controlo do uso de bebidas alcoólicas, optaram nessa nova Lei do Álcool por alargar o leque de proibições. Parece-me que a lógica utilizada pela nova Lei do Álcool é a seguinte: proibindo a venda, diminui-se o consumo. Ora, creio que esta lógica tende a surtir mais efeitos colaterais do que os próprios efeitos esperados. Veja-se a título exemplificativo o caso do consumo de drogas.

Tudo isso, para dizer que, ao meu ver, o reforço do controlo do uso de bebidas alcoólicas nas nossas ilhas não se dá com o aumento das proibições de venda e consumo, mas sim, com a efetivação da fiscalização. Pelo contrário, o aumento das proibições, certamente que irá também aumentar o incumprimento e alimentar o espírito de desrespeito pelas leis. Lembre-se que, só na ilha de Santiago, de 1 de janeiro a 31 de dezembro temos mais de 17 festas populares, sem contar com celebrações municipais, festas de caracter privado e etc. A esse respeito, pergunta-se, como as autoridades pretendem fiscalizar o consumo de bebidas alcoólicas na via pública nessas ocasiões?

Concluindo, reitero que o controlo do uso de bebidas alcoólicas em Cabo Verde está na efetivação do papel da fiscalização. Por outro lado, o aumento das proibições gera efeitos colaterais, que em última instância, frustram a confiança dos cidadãos no sistema judicial do país.

*Jurista, mestrando na FDUL

20/10/2019

Lisboa

[1] https://www.cmjornal.pt/mundo/africa/detalhe/ministro-da-saude-de-cabo-verde-diz-que-nova-lei-do-alcool-nao-vai-promover-desemprego

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Redação