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Greve, pimenta e arrogância
Colunista

Greve, pimenta e arrogância

1. Um amigo meu, disse-me que a quantidade de asneiras que este governo está a fazer faz parte de uma tática maior: enchem-nos de asneiras, umas atrás de outras, que ficamos perdidos sem saber com qual das asneiras devemos nos chatear. E, quando, finalmente decidimos, vem mais uma, muito, mas de longe pior do que a anterior. Ficamos atordoados! Tiraram-nos toda a possibilidade de nos chatearmos em paz! Depois, lá mais para o fim do mandato, qualquer coisinha que o governo faça, vai brilhar que nem ouro de latão untado com vaselina pura! É com grande preocupação e sem qualquer pingo de alegria que estou a começar a acreditar no meu amigo;

2. O Governo de um país é uma instituição que deve dar o primeiro exemplo de seriedade. No caso de Cabo Verde, esse papel social do Governo, enquanto modelo, referência, para a postura no espaço público, é ainda muito maior! Isto porque na nossa sociedade, o campo político-partidário é o campo de maior importância; centra a maior parte das atenções; tem a possibilidade de exercer o maior controlo dos órgãos de comunicação social – que atualmente atravessa o seu período mais negro –; é o maior empregador, somado os empregos diretos e os através do setor privado que financia. Portanto, tem o poder de meter medo, criar receio e coagir. Cabe ao Governo decidir se resiste a essa tentação, ou não, e, em função dessa decisão, indicar o caminho que a amorfa e reduzida sociedade civil; os constitucionalistas de ocasião; e a comunicação social dormente – quarto poder em outras paragens – podem seguir também!

3. Ao ameaçar os grevistas e ao recorrer ao argumento da força, quando poderia ter negociado e evitado a greve, o governo mostrou qual o caminho interesseiro e populista a ser seguido. Rapidamente, os praticantes do “desporto do em cima do muro” desceram e assumiram posições: dei comigo mesmo constrangido, assistindo a jornalistas a tentarem convencer os entrevistados de que a Polícia Nacional deveria ser mais compreensiva para com o Governo e vi catadupas de condenações ao direito à greve, representando um retrocesso à democracia – precisamente, nesta nova era de governação dos “papás da democracia”;

4. Alguém que recorre à arrogância, ao “argumento da força” e da ameaça para com a Polícia Nacional, é alguém que não tem a mínima noção do que é um dos traços, simultaneamente, mais feliz e mais infeliz da nossa polícia: partir para a força quando confrontado! Quem nunca experimentou um ameaçador “nhu cala boca” quando tentou argumentar com um agente policial? Pior ainda neste caso em que tudo lhes tinha sido prometido! Pensaram que nunca iriam ser cobrados pela campanha eleitoral feita. Contavam com uma amnésia coletiva. O Governo está a pagar a fatura pelo monstro que andou a engordar enquanto esteve na oposição: deu dezenas de conferências de imprensa, alimentou populismos de toda a espécie, afirmou que “todas as contas estavam feitas”, criou a ideia de que o país poderia sustentar todos os aumentos de todas as classes profissionais. Na altura, a pimenta estava nos olhos dos outros!

5. Nas sociedade descendentes de escravos, como a nossa, se é verdade que a ameaça do manduco e o medo do chicote continuam bem presente lá no fundo da alma e, logo, a condicionar decisões, podendo até fazer com que as pessoas recuem, já não sei se este temor será válido para com homens armados e psicologicamente treinados para enfrentarem situações de ameaças de vida com que se deparam todos os dias, todas as horas, cada vez que atravessam a soleira da porta para darem o peito aos perigos, cada vez mais refinados que, infelizmente, tendem sempre a crescer em certas sociedades humanas;

6. Governo de um país a ameaçar a polícia com mais de 800 processos disciplinares?! É a democracia que está em perigo! Vamos a ver até onde irá o impacto negativo desta ameaça de se ficar sem trabalho por se ter participado numa greve!

 

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine