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CEDEAO, peditório e vitórias diplomáticas
Colunista

CEDEAO, peditório e vitórias diplomáticas

1. Há um facto extraordinário na derrota de Cabo Verde na sua candidatura à presidência da CEDEAO. É que chegou a vez de Cabo Verde ser presidente e foi-lhe retirado esse direito. Isto é profundo, tendo em conta o significado da “fila” e da “vez” enquanto princípios fundamentais que regulam a ordem e o acordado entre homens e nações, enquanto sinal de civilidade e forma de funcionamento: presidência na CEDEAO é rotativa e seguindo a ordem alfabética: tinha chegado a vez da letra “c” de Cabo Verde!

2. Acontece, porém, que para factos extraordinários, há sempre causas e razões, igualmente, extraordinárias! Para grandes males, grandes remédios, diz o adágio popular, sempre infalível e coberto de razão! Se formos ver com objetividade e serenidade, sem paixão e nacionalismo fingido, são as próprias reações ao afastamento de Cabo Verde que demonstram que este país não está à altura de assumir o cargo!

3. No rescaldo, (i) uns repudiam com a sua veemência inócua que não atinge nada, nem ninguém – característica intrínseca dos repúdios; outros, (ii) manifestam-se indignados, um pouco na linha de “como se atrevem, esses africanos”?; há aqueles, ainda, que (iii) fingem-se de mortos, e anunciam, apaziguadores, que não há drama nenhum, pois amanhã é um novo dia e haverá um novo sol no horizonte do mundo! Tudo sinal da preocupante imaturidade e superficialidade que já tomou conta deste "maravilhoso país de faz de conta", onde é espantoso o desenvolvimento da capacidade de ignorar os factos da vida quotidiana e aprofunda-se o culto do jogo da perceção e da boa comunicação!

4. Cabo Verde não tem a mínima noção da imagem que os países africanos fazem deste arquipélago, ou, pelo menos, finge que não tem! (i) Somos o único país africano – no total sentido da palavra – que assinou um acordo com a Europa para deportar os africanos que forem apanhados em situação irregular naquele continente! Facto que, em certos círculos, mereceu o rótulo de traidor; (ii) pululam relatos de cidadãos provenientes da CEDEAO que passam desgostos e aflições quando chegam às fronteiras nos nossos aeroportos – enquanto, eufórico e bajulador, Cabo Verde isenta de visto o “branco europeu”; (iii) em setembro último, numa mesa redonda na Universidade Nova de Lisboa, um professor doutorado da Universidade Federal da Baía, Brasil, olha para mim e diz-me: vocês cabo-verdianos também são esquizofrénicos, não sabem se são brancos ou pretos, africanos ou europeus;

5. É este Cabo Verde que acreditavam que seria o representante de uma parte de África perante o mundo?! Só se não dependesse nunca da votação dos países membros da CEDEAO. A extraordinária imagem de Cabo Verde no Mundo não tem nada a ver com a imagem de Cabo Verde na CEDEAO. Lembremo-nos todos: a votação era para a CEDEAO e não para o Mundo! Uma coisa é o poder da oratória numa sala cheia de subordinados, todos receosos de perderem os seus postos de trabalho, ou mesmo numa reunião com meia dúzia de parceiros conluiados; outra coisa, absolutamente diferente, é a oratória dirigida para chefes de estado autónomos em que o desafio reservado às nossas palavras são não menos do que o de derrubar preconceitos; reconhecer os erros de forma genuína e autêntica; e, sobretudo, construir confiança e mostrar capacidade para o futuro!

6. É possível isso tudo, por parte de um país que horas antes dá saltos de “criança de olhos esbugalhados com presente de Natal”, só pelo facto de – através de um peditório fiado internacional – ter conseguido, à custa da seca, arrecadar o montante correspondente, quiçá, às despesas de telefone da organização que pretende representar? Ao invés disso, Cabo Verde deveria estar a exibir uma folha de feitos fora do comum!

7. No mínimo: um Observatório Nacional para a CEDEAO criado há já vários anos e não – saloiamente esperta – na véspera da cimeira para a escolha da presidência; meia dúzia de especializações específicas subsidiadas pelo Estado nas universidades do país, como sinal de engajamento público para com a organização regional e criação de bolsa de quadros à altura; e um departamento governamental com recursos humanos e financeiros para um funcionamento acima da média – pois igual à média não é sinal de aposta alguma! Aí, sim, poderia até ganhar contornos de credibilidade qualquer oratória proferida;

8. Pudera! Quase dois anos depois de ter chegado ao poder, o executivo ainda não se tinha dado conta de que as quotas estavam em atraso, exatamente, na organização à qual pretendia presidir?!

9. É claro que alguns poderão vir dizer que sou eu que estou a misturar alhos com bugalhos. Podem até ter razão no que dizem, pois eu sou humano e, logo, passível de cometer erros de leitura do mundo, mas um facto é certo: Cabo Verde, mesmo tendo chegado a sua “vez” de ser presidente da CEDEAO não mereceu a confiança dos países – seus pares – na organização da Costa Ocidental de África!

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine