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Novos tempos, novas cores, novas companhias…
Colunista

Novos tempos, novas cores, novas companhias…

Praia/São Filipe, com partida as 7:40h da manhã. Foi este o meu primeiro voo Binter CV, um ano depois da companhia ter assumido as ligações domésticas em Cabo Verde e 5 meses depois de ter começado a voar para a ilha do Fogo. 

Depois de algum tempo a acompanhar o desenrolar da “reestruturação” da TACV, foi só esta semana, ao pisar a placa do aeroporto internacional da Praia para embarcar, que me dei conta de que a saída da companhia de bandeira das rotas domésticas era já efectiva.

Enquanto caminhava para o ATR da Binter, observei o panorama à minha volta. Um dos boings da Icelandair dominava tranquilamente o cenário, enquanto o Boing 757-200 da TACV permanecia estacionado, lembrando a atual situação da empresa. 

Uma pequena bandeira de Cabo Verde visível junto às escadas e a inscrição “operado por Binter CV” lembram aos passageiros tratar-se de uma companhia de direito cabo-verdiano, embora de capital maioritariamente estrageiro.

Éramos pouco mais de uma dezena e fomos recebidos por dois jovens assistentes de bordo.

As instruções foram dadas (apenas) em português e inglês e seguimos viagem. O voo foi rápido, tranquilo, sem sobressaltos. A bordo serviu-se água com e sem gás, rebuçados e snacks em embalagens devidamente identificados com o logotipo da Binter.

Ao aceitar o rebuçado oferecido pela assistente de bordo, lembrei-me do tempo em que, nos voos inter-ilhas, a TACV também servia pequenos mimos, em embalagens que ostentavam as cores nacionais. Mas o tempo de fartura passou e aos poucos as gentilezas foram escasseando, até desaparecerem por completo.

A revista de bordo feito nas Canárias, mas com uma ficha técnica também cabo-verdiana, serviu para preencher os 20 minutos de voo. Não me senti totalmente em casa, mas também não me senti numa companhia estrangeira. Ficou o meio termo, de uma companhia meio cabo-verdiana, semi-pública e semi-consensual.

Soube-me bem sair e chegar a horas. Contudo, no fim do percurso, não consegui evitar uma certa saudade do pequeno ATR azul e branco que tantas vezes me transportou nesse mesmo percurso.

A minha primeira vez na Binter CV, fez-me lembrar a minha última viagem na TACV internacional. Foi em julho passado.

O voo, que saía de Paris, tinha como destino final a cidade da Praia, com escala em São Vicente. A voz da Lura aquecia o compartimento, enquanto os passageiros ansiosos buscavam os seus lugares. Uma mãe reclamava porque não tinha reparado a tempo que ficou separada das filhas na atribuição dos lugares.

Sotaques e caras se misturavam. E o francês era também ingrediente naquela salada russa.

A brincadeira corria solta. Dentro do avião os crioulos sentiam-se já em território cabo-verdiano. Desobrigados das formalidades parisienses. Excuse moi madame… monsieur são substituídos por bon dia, mo ki stadu, tu dret, bosê, ó senhóra..

Do meu lugar, mais ou menos a meio do avião, contemplava a azáfama e o desfile dos passageiros.

Imigrantes saudosos, jovens que vinham atrás da promessa de sol, mar, música, diversão e festa, crianças contentes por conhecer a terra dos pais ou rever primos e amigos do verão passado, casais com bebés recém-nascidos. 

Também entravam turistas, com semblantes inseguros, um pouco atordoados com a confusão de cores, volumes e formatos das supostas bagagens de mão, que pareciam querer saltar cabine afora. Sacos e sacos da duty free passavam pelo corredor como uma extensão do corpo de quem os transportava. Até embalagens com menus do MC Donalds entraram na festa. 

Na passagem, as trouxas iam esbarrando nos braços dos passageiros sentados nos lugares do corredor. Mas não há crise. Estávamos entre crioulos, ninguém reclamava. Ouvia-se apenas uma alegre cavaqueira que denunciava a felicidade de voltar para casa.

Aos poucos, as pessoas libertavam-se da pressão de um ano de trabalho, do stress da capital francesa e entravam em modo férias.

O Boing Imigrante seguia a 25 mil pés de altitude, a 250km/h mas a sensação era de já estar em casa. É assim quando a assistente nos fala em crioulo, quando viajamos com vizinhos e ex-colegas de escolas e a refeição tem sabor di tera.

Hei de repetir a dose quando o negócio para as rotas internacionais com a Icelandair estiver concluído. Ainda não se sabe quais serão as mudanças, mas as sensações serão certamente outras.

Até lá partilho estas simples lembranças. Porque viajar com e entre os nossos tem sempre sabor especial.

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SOBRE O AUTOR

Karina Moreira