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O outro lado da moeda dos TACV
Colunista

O outro lado da moeda dos TACV

1. As moedas são assim. Sempre foram assim, sempre tiveram dois lados. Aliás, este é um dos princípios mais importantes da vida: tudo tem sempre dois lados, no mínimo. Parece, todavia, que nos tempos modernos o discurso mais poderoso e mais valioso é aquele que consegue defender com eloquência a ideia de que a moeda tem um e apenas só um único lado;

2. Vários seres humanos de boa índole têm feito um esforço enorme para elucidar a humanidade sobre esse perigo. Em 2009, com apenas 32 anos de idade, Chimamanda Ngozi Adichie, uma brilhante escritora nigeriana, discursou no TedGlobal sobre o “Perigo das estórias únicas”. Foi uma forma simples que ela encontrou para abordar um dos mais sólidos princípios da vida em sociedade e da própria democracia: nunca devemos ficar apenas com uma única versão dos factos. Devemos deixarmo-nos – constantemente – abertos a outras possibilidades, a outras alternativas, a outros ângulos, a outras abordagens, de cada problema com que nos deparemos no quotidiano;

3. Recentemente, vimos o mundo a ser invadido com dois novos conceitos: “narrativas” e “factos alternativos” para darem nome à elevação do jogo no campo político-partidário ao seu último nível de sofisticação do “spiki”: para desvalorizar os argumentos de que não gostamos, basta dizer que não passam de uma "narrativa", logo, mais uma entre muitas possíveis. Ou, face a um facto concreto, constatado e verificado, cria-se uma outra verdade em "alternativa" e, de forma simples, vitupera-se aos quatro ventos que o facto anterior, observado, é uma notícia falsa (fake news!) e pronto: duas verdades passam a caminhar lado a lado e cada fanático que venha e escolha a sua, como se estivéssemos todos num mercado de verdades a preços de saldo. Com os jornalistas, ao entrevistá-los, a fingirem-se de mortos e a jurarem que estão apenas a relatar os factos, amplificando a mentira sem um pingo de problema de consciência. É que a TACV foi julgada com base em números concretos. Este avião não se sabe quanto custou!, como veio, nem como vai ficar! Já ninguém fala em números! A moda agora é ter fé;

4. Por estes dias as redes sociais foram invadidas por fotografias de um avião a deslizar em táxi no aeroporto Internacional da Praia, com portentosas legendas a acompanhar. Vende-se a narrativa das soluções que chegaram, das promessas agora transformadas em certezas do futuro, do fim das angústias e do início dos lucros a serem divididos para as populações locais;

5. Há uma outra estória que não foi contada! É a história da "trocolância" de conceitos: a companhia nacional do país não voa para a capital do próprio país! Por outras palavras, os TACV não voam para a Praia que é onde está a maioria de cabo-verdianos que viajam de avião. Ou seja, a TACV deixou de ser pensada para servir a maioria de cabo-verdianos. A TACV passou a estar ao serviço da Binter – que é das Canárias – porque cada vôo de um Boeing 757 dá para garantir vários vôos internos de distribuição a partir da ilha do Sal. Todos lucram, exceto o cabo-verdiano da Praia que para ir para o estrangeiro vai ter que se deslocar à ilha do Sal, num retrocesso ao passado, numa desvalorização da Praia;

6. Alguém sugeriu que se pode sair da Praia com a TAP. Sim, essa companhia que agora vende bilhetes à parte e malas à parte. As rabidantes, uma vez que precisam de boas malas para as suas mercadorias, que comprem passagens nos TACV. Sair-lhes-ão "mais baratos". Não és “rabidante”? Então, viajas com a TAP, ficar-te-á mais em conta. Pois, só precisas do teu "carry-on", a tua mala de mão, em língua de Camões. Ficas com aquela enganada sensação agradável de teres exercido a livre escolha de comprar um bilhete mais barato!

7. Tudo bem pensado e concertado ao milímetro, revelando um profundo e medonho conhecimento da psicologia do cabo-verdiano: “come calado” e “pia baixinho”, sob o medo do chicote ou para garantir a cachupa. Resquícios de uma sociedade escravocrata, diria, certeira, uma amiga

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine