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Acordo SOFA e o respeito de uma nação
Colunista

Acordo SOFA e o respeito de uma nação

Os Estados Unidos têm participado de acordos multilaterais e bilaterais que tratam de Estatutos das suas Forças Armadas enquanto estão presentes em um país estrangeiro. Esses acordos, são referidos como Estatuto das Forças Armadas Norte-Americanas, em inglês Status of Forces Agreement (SOFA).

Os SOFAs podem incluir muitas disposições, mas uma das questões mais abordadas é qual país pode exercer jurisdição criminal sobre o pessoal dos EUA. Olhando para o acordo SOFA assinado pelo Governo e aprovado no parlamento pela maioria, os Estados Unidos mantém jurisdição criminal exclusiva sobre seu pessoal, sem que, pelo menos, se tenha acordado uma jurisdição compartilhada com Cabo Verde, que é o que alguns países costumam fazer, reservando o direito de jurisdição exclusiva sobre determinadas ofensas as leis nacionais, reconhecendo, contudo, o direito dos EUA solicitar o levantamento de jurisdição a seu favor. Mas neste caso, não há jurisdição compartilhada. Ou seja, há uma completa imunidade às leis do nosso país, como atesta, por exemplo, as seguintes clausulas do acordo:

As Partes renunciam a todas e quaisquer demandas entre si (exceto as resultantes de direitos contratuais) por danos, perda ou destruição de propriedade da outra Parte, ou por lesão ou morte de pessoal das forças armadas ou pessoal civil de qualquer das Partes, decorrentes do desempenho das suas funções oficiais no âmbito das atividades ao abrigo do presente Acordo

As reclamações de terceiros por danos ou perdas, incluindo danos corporais ou morte, causados pelo pessoal dos Estados Unidos são resolvidas pelos Estados Unidos em conformidade com a legislação e regulamentação vigentes no território dos Estados Unidos da América

A intervenção de forças americana e contratantes pela embaixada (muitos deles podem ser empresas empenhadas em ganhar facilmente dinheiro com o negócio da defesa e da segurança, estando pouco sensíveis aos interesses de Cabo Verde) escapam ao controlo do poder político. Com este acordo Cabo Verde não estará nem em condições de evitar a entrada, armazenamento e experimentação de armas e produtos perigosos nocivos para o ambiente e para a saúde humana. A sua própria segurança nacional estará comprometida!

A clausulas de precauções de proteção do pessoal militar dos EUA, as omissões quantas as atividades a serem desenvolvidas pelos militares, mecanismo de seguimento e de medidas de mitigação de efeitos sobre o ambiente e a segurança nacional e a desproporcionalidade das exigências e contrapartidas, torna a questão um pouco mais obscura.

Na verdade, Cabo Verde está omisso no acordo enquanto parte com interesses próprios. Não se consegue deslumbrar no acordo uma palavra que espelhasse propósitos, preocupações e interesses nacionais cabo-verdianos que naturalmente os têm. Os interesses económicos e outros de Cabo Verde estão completamente omissos. A proposta de resolução fala de “pareceria e cooperação” mas não há absolutamente nada que represente ganhos para Cabo Verde. Parceria sem ganhos para uma parte não é parceria. Poderão sempre perguntar que ganhos teve os EUA com o MCA e as ajudas passadas? Este não é o ponto agora, mas seguramente que houve e há grandes ganhos ignorados ou subestimados pela literatura sobre a ajuda ao desenvolvimento!

Daí, indignar a pacividade negocial do Governo, a sua postura servil, deitando, sem pastenejar, para o caixote de lixo, a nossa soberania, a magna Constituição e os interesses da República. Vejamos por exemplo o ponto 3 do artigo III que diz “Se Cabo Verde o solicitar, os EUA informarão Cabo Verde sobre o Estado de quaisquer processos penais relativas infracções alegadamente cometidas no território na República de Cabo Verde”. Depois de abrir mão de tantas prerrogativas de soberania que pelo menos criasse a obrigação de ser informado. Fica a impressão de que o texto foi elaborado pelos EUA e que Cabo Verde não teve capacidade de analisar e propor soluções alternativas, quanto mais não seja para não perder completamente a face.

As reservas e objecções e os questionamentos quanto à pontos de duvidosa constitucionalidade e a oportunidade deste acordo agora levantadas pela oposição e pelos diferentes quadrantes da sociedade são legitimas. O Governo falha ao não socialziar previamente este acordo, seja a nível interno seja a nível das partes interessadas, como CEDEAO, União Africana, etc. Afinal.

De referir que a importância da relação com os EUA é inquestionável para Cabo Verde. E ela deve ser cultivada. Cabo Verde deve aproximar-se de espaços politicamente estáveis e economicamente dinâmicos. Mas, a mesma atenção que se deve dar a este posicionamento estratégico do país, deve ser dada a um olhar interno das nossas vulnerabilidades, enquanto micro-Estado e micro-sociedade. E isto impoe que Cabo Verde tenha algum cuidado ao entrar inocentemente na arena complexa que caracteriza o jogo estratégico mundial.

Acho que os países são respeitados quando nas negociações e acordos eles expressam seus pontos de vista. País dócil, passivo e permeável à imunidade e privilégios excessivos, e governos que ficam de cócoras, ao ponto de fazer tábua rasa a sua própria constituição da República, correm sérios riscos de não serem respeitados.

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SOBRE O AUTOR

Carlos Tavares