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Evacuações e Serviço Público de Saúde. Respeito pelo cidadão ou pelo dinheiro?
Colunista

Evacuações e Serviço Público de Saúde. Respeito pelo cidadão ou pelo dinheiro?

O acesso à saúde é um direito constitucionalmente consagrado, competindo ao Estado garantir que tal se concretize e que seja universalmente acessível e com qualidade. Todos têm direito à saúde, independentemente das suas condições socioecónomicas.  

Desde a independência Cabo Verde elegeu a saúde como uma das principias áreas de intervenção. Cedo a população começou a colher os frutos dessa politica, pois, poucos anos depois os indicadores da saúde melhoraram consideravelmente.  E até recentemente seguiu uma curva ascendente, atingindo patamares sempre mais elevados, contribuindo para a melhoria da imagem do país. 

É o segundo sector da governação em termos de afetação do Orçamento Geral do Estado, sendo ultrapassado apenas pela educação. Todos os governos da República mantiveram esse perfil de intervenção, o que quer dizer que se tratou de uma politica consensual, transversal aos partidos políticos, e apoiada por toda a população. O consenso estendeu-se à população que nunca deixou de reclamar mais e de pressionar os poderes públicos a melhorarem continuamente, cumprindo os seus deveres. É assim que, a pouco e pouco, o país foi dotado de infraestruturas, equipamentos e profissionais, embora se reconheça as fragilidades ainda existentes. A verdade é que a própria comunidade internacional elogia e reconhece os esforços feitos por Cabo Verde, assim como a excelência dos resultados alcançados.

Uma das áreas privilegiadas na saúde e onde os ganhos foram maiores é na saúde materno-infantil. Vacinação de crianças, seguimento de gravidas durante a gravidez, realização de partos nas estruturas da saúde e com assistência de profissionais especializados, tornaram-se práticas banais em Cabo Verde.   

Apesar de sermos um arquipélago, com escassez de recursos, a verdade é que os cabo-verdianos de qualquer ilha, sempre conseguiram ser evacuados para um hospital central, quando faltavam recursos a nível local. O Estado criou mecanismos (através do INPS ou da Promoção Social) que lhe permitiram assegurar a evacuação. A TACV nunca negou transportar um paciente para Praia ou Mindelo e quando necessário atrasava voos à espera de doentes ou realizava voos extraordinários, pois tinha orientações do governo nesse sentido. Quando tal não era possível alugava-se os aviões da Cabo Verde Express, no caso da Brava e Santo Antão, para socorrer a pessoa. 

Cabo Verde, através do Ministério da Saúde, sempre teve uma politica para as evacuações, não permitindo que ninguém ficasse desamparado e abandonado à sua sorte.  Havia uma politica responsável e humana na matéria de evacuações que implicava o aluguer de aviões se necessário fosse. 

Conquistas que contribuíram muito para a melhoria das condições de vida da população e, logo, para a ascensão de Cabo Verde ao grupo de país de desenvolvimento médio. Trata-se de um capital que não pode ser posto em causa, sem consequências graves.

Entretanto, nos últimos tempos, com a governação da actual maioria, têm ocorrido casos graves em matéria de evacuações com consequências fatais para as vitimas. O sistema de emergência médica foi desmantelado e há uma regressão em matéria de evacuações em Cabo Verde, com consequências gravíssimas para a saúde da população e a imagem do país.

A Binter, numa atitude de desprezo pela vida humana, e possivelmente criminosa, recusa-se a transportar pacientes, abandonando-os à sua sorte, não havendo sinais de que esta tenha mais respeito pelo cidadão do que pelo dinheiro. 

É mais uma consequência da desastrosa e anti-patriótica liquidação da TACV, num processo obscuro e que até o dia de hoje os cabo-verdianos não conhecem os contornos do negócio nem as obrigações da BINTER.

A discussão que importa é a responsabilidade na prestação dos serviços públicos, mas ela é amplamente ignorada. O Governo demite-se das suas responsabilidades, nada diz, nada faz, como se não tivesse a obrigação de dar continuidade à politica de evacuação que sempre existiu em Cabo Verde. O Governo é, pois, o responsável pelo que vem acontecendo, pois desencadeou uma ofensiva que liquida direitos e configura o Estado ao serviço do capital monopolista.

O Governo do MPD foi frouxo nas negociações com a binter, entregando a esta empresa o monopólio privado de exploração comercial de linhas aéreas internas e ainda sem acautelar o serviço de evacuações médicas. O Governo revelou-se insensível, adentro de uma perspetiva que submete serviços essenciais, à logica do mercado, desprezando o princípio da comunidade de interesse, a razoabilidade e a solidariedade social. 

Como consequência, para além do sofrimento de muitos pacientes e familiares, já se registaram dois casos de óbito de mulheres gravidas, quando viajavam de bote, face ao descaso do Binter e a completa omissão do Governo. Pelo que a sociedade cabo-verdiana não pode ficar indiferente perante tal situação que configura uma regressão sem precedentes em matéria de saúde em Cabo Verde. O Governo deve ser responsabilizado e assumir as suas responsabilidades. A Binter deve ser responsabilizada, pois se fosse nas Canárias não agiria assim. O Presidente da República, outrora bastante afoito, não pode ficar calado. 

Outrossim, a mortalidade materna reflete não só a situação de assistência à saúde, mas as condições de vida da população. As suas causas são reflexos de determinantes sociais, como desenvolvimento socioeconómico, politica, distribuição de renda e acesso aos bens sociais.  Reflete as condições de assistência à saúde da mulher, desde o acesso aos serviços de saúde à qualidade de assistência prestada. Sua analise é também necessária para identificar ações concretas para a redução das mortes maternas evitáveis. Cabo verde tem um compromisso com os ODS (Objetivos de desenvolvimento sustentável) neste caso, com o 3 objetivo de desenvolvimento sustentável que é assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. O terceiro ODS, tem como eixos de atuação as saúdes infantil e materna e o combate ao HIV/AiDs. Portanto com esses maus indicadores nesta matéria, também comprometerá o seu desempenho deficitário nas ODS.

É notório que estamos a viver uma conjuntura difícil, onde mingua soluções da atual maioria, definhando a esperança da população nas politicas governativas, suportado por um partido, que há quase 3 anos, brindou os cabo-verdianos com a propaganda de uma governação à esquerda, mas que na prática, exerce uma política neoliberal agressiva e “sem djobi pa lado”, enquanto o povo impacienta-se e contorce-se nas malhas de uma vivência empobrecida, num estado social diminuído que aniquila os direitos sociais, concentrando muita riqueza para poucos e muita pobreza e indignidade para muitos. A politica do MPD não serve para o país real que temos.  Na verdade, a ânsia pela diminuição do Estado cabo-verdiano agride a nossa realidade, pois enquanto o MPD busca implantar a tese do Estado mínimo, o País ainda luta para consolidar o mínimo de Estado necessário para funcionar em algumas áreas.  É preciso um outro rumo, que só será possível com a ruptura de política, a construção de uma nova política económica e social que ampara a população, e que só uma agenda genuinamente patriótica e de esquerda podem assegurar. 

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SOBRE O AUTOR

Carlos Tavares