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“Este é um Governo marcado pelo capitalismo selvagem”
Entrevista

“Este é um Governo marcado pelo capitalismo selvagem”

O Governo completa três anos de mandato em Abril próximo. Na mesma altura, o Partido Popular realiza eleições internas, sendo o actual presidente, Amândio Barbosa Vicente, candidato à sua própria sucessão. Embora sem assento no parlamento, o PP é um dos mais críticos da acção do Executivo de Ulisses Correia e Silva, denunciando erros e incongruências e fazendo propostas de medidas alternativas.

Santiago Magazine - Entramos há três meses no terceiro ano de mandato do actual Governo, liderado por Ulisses Correia e Silva e o MPD. Neste momento, enquanto líder do Partido Popular, que não tem assento parlamentar, que avaliação faz da acção governativa?

Amândio Barbosa Vicente - A avaliação que fazemos desta governação é negativa, numa escala de 0 a 10 daríamos 4. É uma governação fechada sobre si mesmo, que não tem em conta o período limitado de mandato a que está sujeito nem a questão da representatividade. É uma governação que quase se assume como dono desta terra, de tudo, quando na verdade não é dono de nada, mas foi eleito para governar, tendo sempre em conta o interesse público, mas, se formos ver, em vários domínios este governo age como dono de tudo, como é o caso da privatização dos TACV. Faz-se tudo na calada, na surdina, não é passada informação ao grande público, o verdadeiro dono de tudo, como se fosse um negócio privado. Quando o negócio é de um bem público, nunca se deve agir sob o pressuposto de que o segredo é a alma do negócio.

- Ontem (13 de março), no Parlamento, o ministro José Gonçalves negou-se a responder a uma pergunta de um deputado, numa atitude de menosprezo claro. Ouviu-o? O que tem a dizer sobre isso?

- Fiquei a saber por meio de terceiros. Eu não oiço esse parlamento porque, na verdade, não representa condignamente a nação cabo-verdiana. O que acaba de relatar é mais um exemplo de que este é um governo virado para si mesmo. Um deputado faz uma pergunta a um membro do Governo nega-se a responder, como se fosse dono e não tivesse contas a prestar, e faz o que bem entende do negócio público.

- Disse que o nosso parlamento não representa bem o povo de Cabo Verde. Porquê?

- O próprio sistema político não ajuda. É uma representação parlamentar que é quase uma caixa-de-ressonância do Governo, a maioria fala a mesma língua que o Governo fala, não há controle efectivo da governação. Até porque se um deputado da maioria contraria o governo ele é sancionado e, com certeza, não aparecerá nas listas candidatas em 2021. Por isso, como podemos dizer que temos um Parlamento que representa o povo cabo-verdiano? É, sim, um parlamento que representa os interesses do partido e o interesse que não é público, mas particular.

- Isso explicaria por exemplo a ausência total de qualquer tipo de reacção parlamentar acerca das mortes por negligência hospitalar ocorridas no Hospital Agostinho Neto e que foram denunciadas recentemente pelo PP?

- É mais um exemplo que mostra que temos um parlamento que não representa o interesse da população. Como é possível que num país ocorram 24 mortes por negligência hospitalar – o que, acreditamos nós, é apenas a ponta do iceberg, provavelmente a situação no HAN e nos outros hospitais é muito mais escandalosa – e não vemos o parlamento a exigir qualquer esclarecimento ao ministro da Saúde ou ao Governo. Se estivéssemos num outro país, o Governo ou, no mínimo, o ministro da Saúde seria demitido ou teria a honestidade de demitir-se. A nossa saúde não vai bem e durante o nosso trabalho de rua, que fazemos sempre às quartas e aos sábados, as pessoas têm feito muitas queixas sobre este sector. São queixas de diagnóstico errado, cirurgias desnecessárias, etc, etc.

- O que estará a faltar: equipamentos de diagnóstico ou conhecimento médico?

- No campo da saúde falta tudo. Basta recordar a recente entrevista do novo Bastonário da Ordem dos Médicos, em que ele diz que não há valorização do mérito. Se não há valorização é porque falta tudo. Como é possível que num campo tão sensível como a saúde não há valorização do mérito pessoal? Se não há valorização do mérito pessoal não há motivação. Ou seja, independentemente de fazer a coisa certa ou a coisa errada ganho o mesmo que os outros? Isso faz com que o sistema de saúde seja caótico. Por outro lado, não se faz muito investimento no sector. O Orçamento de Estado 2019 reservou apenas 8% do bolo à saúde, o que é bastante baixo.

Qual seria o montante ideal?

Já respondo, mas antes deixa-me referir que também há um conflito de interesses entre o sistema público de saúde e o sistema privado de saúde. É o mesmo médico que trabalha no sistema público de saúde que tem clínica privada. Paga-se também por um exame numa clínica privada mas o exame é feito no hospital público … Qual o valor que o Orçamento de Estado deve destinar à saúde? 8% é francamente baixo, basta ver que em outros países esse valor atinge os 20%, e o resultado é o que se vê, cobra-se aos utentes, o que dá origem a situações tristes como prender na Maternidade mães e seus bebés por não terem dinheiro para pagar a cama.

Algumas até fogem de lá, saem à socapa por não terem dinheiro para pagar a conta….

Sim, é verdade. É o mesmo Primeiro-Ministro que manda prender uma mãe e o seu bebé no hospital no momento da alta hospitalar por falta de pagamento, o que constitui um sequestro, que também fecha os olhos à auditoria às contas do Hospital Agostinho Neto, porque há “fumo” que diz que dinheiro desse hospital foi desviado, uma quantia enorme, e também à corrupção no Novo Banco, quase um bilhão de escudos, no Fundo do Ambiente, cerca de 200 mil contos desviados.

Neste mês de Março mais uma mulher e o seu bebé, originários da ilha Brava, perderam a vida devido às deficiências graves que afectam dois sectores, a saúde e os transportes. O PP pede um hospital para a ilha Brava, mas o Governo diz que não é viável.

Este é um Governo neo-liberal, marcado pelo capitalismo selvagem, um governo que avalia tudo em função do mercado/lucro. Mas dizer que a ilha Brava não merece um hospital onde se possa fazer uma cesariana e outras cirurgias simples é indício de que não devia jamais ser eleito para representar o povo de Cabo Verde enquanto Governo. Não podemos avaliar a realização das coisas apenas submetidos à lógica do lucro. Construir e equipar um hospital na ilha Brava pode não ser viável economicamente, mas é viável socialmente porque a população da ilha Brava também pertence a Cabo Verde. Se as condições climatéricas forem agressivas num determinado momento e não permitem que nem um helicóptero ou um barco cheguem à Brava, a existência de um hospital na Brava pode salvar muitas vidas. Se houvesse um hospital na Brava essa mãe, Idilia Gonçalves e o seu bebé teriam sido salvos. Dias melhores hão-de vir, têm é que acreditar em outras pessoas.

A população da Brava saiu à rua para contestar a sua situação na saúde, nos transportes e em outros sectores cujo bom funcionamento é condição sine quo non para o bem-estar social de qualquer sociedade, e os naturais da ilha residentes na cidade da Praia seguiram o exemplo, reivindicando em frente ao Palácio do Governo melhorias das condições de vida na sua ilha. Como interpreta essa acção do povo da Brava?

Na verdade, não é só a população da Brava que está a contestar o Governo, é também o povo do Tarrafal, a Policia, Santa Cruz, Praia, Segurança Privada, São Vicente e outras ilhas e outros sectores já deram cartão vermelho a este Governo. O Primeiro-Ministro diz que há mais liberdade agora e por isso as pessoas estão a manifestar-se. Não, não é isso. Pode haver mais liberdade, mas as pessoas estão a manifestar-se devido ao fraco desempenho deste Governo. Se houvesse uma ferramenta que permitisse as pessoas votar neste momento entre “sim” e “não”, quando estamos a meio do mandato, eu quero crer que este Governo seria posto fora.

Isso faz com que acredite que das próximas eleições legislativas sairá um governo formado por outro partido, que não o MPD?

Não sei, esta é uma questão que só as urnas poderão responder, isto numa democracia que é ainda bastante imperfeita, em que o voto é manipulado, assim como o sistema eleitoral, há fraude eleitoral. Veja o caso da Câmara Municipal. Há já anúncio de várias acções no sentido de desvirtuar o processo eleitoral. Ora, eles têm dinheiro. Receberam quase 400 mil contos decorrentes dos votos conseguidos nas eleições legislativas e nas eleições autárquicas de 2016, e ainda recebem cerca de 40 mil contos todos os anos como subsídio aos partidos políticos. Ou seja, ao fim de cinco anos terão mais de 200 mil contos. Assim, têm, ao todo, 600 mil contos para gastar nas campanhas eleitorais e conseguem comprar votos e fazer festas. São 15 dias de festas em que muita coisa muda. Eles já têm estrangeiros aqui em Cabo Verde que estão a fazer estudos do comportamento do cabo-verdiano e daqui a nada esses especialistas vão-lhes dizer o que têm de fazer para conquistar o voto dos eleitores. Ora, em Cabo Verde, a cidadania é ainda deficiente e, por causa disso, o nosso povo vai ainda receber muita cacetada do MPD e do PAICV para acordar. Não creio que em 2021 o povo estará acordado e atento de modo a provocar uma mudança.

É esperar para ver.

É esperar para ver, mas também é verdade que hoje a mentalidade muda mais rapidamente do que antigamente porque qualquer decisão ou acontecimento que ocorre, por exemplo, no Japão, do outro lado do mundo, torna-se conhecida em Cabo Verde em pouquíssimo tempo e a exigência do povo para com o Governo torna-se por isso maior.

Temos presenciado negócios feitos por este Governo do MPD (TACV, Binter, Icelandair) que, pelo menos, têm deixado o cabo-verdiano com a pulga atrás da orelha porque há suspeitas de que o Estado está a ser lesado. O PP elegeu com seu cavalo de batalha a aprovação de uma lei de responsabilização dos titulares de cargos públicos e está por isso a recolher assinaturas para poder submeter essa proposta à Assembleia Nacional. Como está a decorrer esta iniciativa?

Aqui na cidade da Praia já recolhemos perto de 2 mil assinaturas, e precisamos de 3 mil assinaturas que tenham sido recolhidas em 11 concelhos, segundo a lei. Pretendemos já no mês de Abril ir a outros concelhos, mais 10, e continuar a recolha, quando a lei diz que em cada concelho devemos conseguir, pelo menos, 100 assinaturas.

Alcançado o número exigido de assinaturas, qual será o passo seguinte que o PP tem de dar para alcançar o seu objectivo?

Os passos seguintes estão definidos na lei da iniciativa popular, que diz que, cumpridos todos os requisitos, a proposta deve ser entregue no Parlamento, que também tem prazos a cumprir.

Quando pensa o PP entregar a proposta no Parlamento?

Estamos em Março e durante este mês estaremos recolhendo assinaturas na cidade da Praia, e em Abril e também no mês de Maio em outras localidades, daí que provavelmente em Junho estaremos entregando essa proposta de lei no Parlamento.

Quais são os pontos principais desta vossa proposta de lei de responsabilização dos titulares de cargos públicos?

Se você for ver à lei actual – a Lei nº 85/VI/2005, que fala sobre os crimes de responsabilidade política, vai ver que ela foi feita de forma a ninguém ser responsabilizado, porque não fala em crime de corrupção nem fala do crime de participação económica em negócios. Se em Cabo Verde incluirmos estes dois pressupostos teremos uma lei rigorosa. Se já tivéssemos essa lei e também um sistema judicial eficiente e um Procurador-Geral da República que não seja boy nem do PAICV nem do MPD e que defende a justiça e o Estado, grande parte da equipa da actual Câmara Municipal e também dos anteriores governos estaria presa. Há tantos negócios obscuros, com falta de transparência. O presidente da República disse, em jeito de piada, piada que era para nós, PP, que se faz julgamento das pessoas através das câmeras de televisão, mas não é isso que queremos. Queremos que haja ampla oportunidade de defesa, mas também queremos impedir que a culpa continue a morrer solteira no campo da corrupção em Cabo Verde. Veja o caso do Novo Banco, tudo calado. Veja o caso do Fundo do Ambiente, tudo calado, assim como a TACV, Casa para Todos. São vários negócios que pecam por falta de transparência.

Gostaria de voltar à questão da morosidade e até falta de actuação de Justiça, mas ainda sobre a proposta de lei do PP de responsabilização dos titulares de cargos públicos, pergunto-lhe: a partir do momento que a proposta der entrada no Parlamento para ser votada, o que espera o PP?

Se o Parlamento esconder a nossa proposta de lei na gaveta, ou se aprovar uma lei que não nos satisfaz continuaremos a insistir. Entramos nesta luta conscientes de que não se trata de uma corrida de 100 metros, mas é uma maratona, são quilómetros e mais quilómetros que temos à frente para correr. Se a aprovação da lei não for aquela que é a mais estrita no combate à corrupção e à participação económica em negócio, pode crer que não vamos desistir, um dia teremos em Cabo Verde uma lei que é uma autêntica ratoeira para quem tocar no dinheiro do povo.

Há dias, em conferência de imprensa, o PP abordou a questão da morosidade da justiça, cintando na ocasião um caso que é exactamente o contraponto, o julgamento de Amadeu Oliveira, que foi feito num ápice, enquanto há casos que há anos aguardam resolução/julgamento, e nesta semana tomei conhecimento de um caso que só agora, ao fim de 10 anos, está prestes a ir a julgamento. Porquê esta discrepância?

Temos em Cabo Verde uma justiça que anda a duas velocidades. Há uma justiça lenta, morosa e cega para a grande maioria dos cabo-verdianos e há uma justiça rápida e eficaz para uma pequena minoria. Isso não é justiça, a justiça tem de ser igual para todos. Porque sou camponês, pescador não há justiça para mim, mas se sou advogado há justiça para mim. Isso é intolerável, e viola a Constituição da República.

Está a dizer que o que determina a rapidez do funcionamento do sistema judicial é o estatuto social e o poderio económico-financeiro de cada um?

Sim, e isso viola a Constituição da República, repito. A Constituição da República não faz discriminação de pessoas porque uma pertence à alta sociedade e outra faz parte da baixa sociedade, e não possui rendimentos ou não integra uma certa elite. A justiça não pode ir por esse caminho, é inconstitucional. O próprio julgamento de Amadeu Oliveira, feito às pressas, é mais um exemplo de que não existe justiça em Cabo Verde, isso quando há milhares de casos que correm risco de prescrição. Veja as estatísticas dos tribunais, cerca de 12 mil processos-crime prescreveram, isso é não justiça. Como se justifica que processos-crime prescrevam. Mas no caso de Amadeu Oliveira o sistema foi montado rapidamente para calar a boca de uma pessoa que contesta a não-justiça em Cabo Verde. Estamos, estivemos e vamos estar ao lado do Amadeu Oliveira nessa luta.

O poder de compra dos cabo-verdianos só diminui, quando o Governo fez promessas de melhorar o nível de vida dos cabo-verdianos. Por que essa tão esperada vida melhor não chegou ainda para a maioria dos cabo-verdianos?

Tempos atrás, o Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, disse que uma coisa é conversa de campanha, e outra coisa é conversa de Governo. Ora, dizendo isso, está a tratar os cabo-verdianos como parvos e idiotas. Conversa de campanha é prometer mundos e fundos para conquistar o voto dos cabo-verdianos? Ulisses Correia e Silva prometeu 9 mil empregos/ano, isso na minha barba-cara, no primeiro debate na televisão, e depois diz que empregos não caem do céu. Prometeu actualizar anualmente o salário, em função da inflação, isso está no programa do Governo, e passados quase três anos - este governo não fez sequer uma actualização do salário. Isso é brincar com o povo, é populismo, é demagogia. Porque assim é este actual Governo do MpD, demagogo e populista, em grau superlativo.

Essa demagogia e esse populismo que atribui ao MpD também atinge o sector da Educação? Há, de facto, isenção de propina e melhor educação agora?

A educação, a saúde e a justiça são sectores em que os cabo-verdianos perderam benefícios.

A reforma que se está a fazer do sistema educativo é o caminho certo?

Não posso precisar porque apenas ouvi dizer, pois não conheço os meandros dessa reforma. O certo é que enquanto não formos por um caminho de rigor, de exigência, toda a alteração que se fizer cai em saco roto. Devíamos começar por estabelecer uma prova nacional para todas as escolas do país – por exemplo, uma prova só para a quarta classe, elaborada pelo Ministério da Educação e que o professor só toma conhecimento junto com o aluno, na hora de realizar a prova, e que é avaliada por um júri neutro que identifica os alunos através de um código, de um número, não pelo nome.

O sistema de atribuição de bolsas de estudo caiu já em descrédito junto de muita gente, pois continuam a ocorrer situações em que os que têm as notas mais altas são preteridos. Que mensagem passamos aos nossos estudates quando o principal critério do concurso – o do mérito – é esquecido?

A meritocracia é uma questão transversal a toda a sociedade cabo-verdiana. Veja o que disse o novo bastonário da Ordem dos Médicos, que não há promoção do mérito. Veja na Função Pública, onde não se separa o trigo do joio. É a mesma lógica que afecta o sistema de atribuição de bolsas de estudo, é a lógica do favorecimento. Infelizmente não estamos a seguir os bons exemplos que existem, como os Estados Unidos, onde o homem é valorizado em função do seu esforço. O desenvolvimento de um país deve ser feito na base no mérito, do esforço e do trabalho, não segundo a lógica da amizade, do favorecimento de cada um em função do partido político ou da família a que pertence, isso só nos atrasa, pois aquele que está mais bem preparado não consegue uma bolsa para estudar, aquele que é mais preparado não é valorizado num hospital, aquele que é mais determinado na sua profissão não é considerado, isso é característica do Terceiro Mundo. É um sinal negativo, configura tudo, menos o progresso, porque escolhe-se as pessoas menos preparadas, que depois irão ser maus profissionais, e isso só atrasa a nossa sociedade.

Ainda falando sobre a juventude cabo-verdiana. Os estágios que estão a ser criados abrem realmente a porta para um futuro emprego?

É a mesma lógica demagógica que o Governo aplica a outros sectores. O Primeiro-Ministro prometeu 9 mil empregos por ano, mas nem 900 empregos ele conseguiu criar. Os estágios profissionais são um meio de fazer lavagem cerebral aos cabo-verdianos, pois está-se a passar a ideia de que permitem que os jovens fiquem mais preparados, isso todos nós já sabemos, mas isso não substitui o emprego, que permite ao jovem projectar o seu futuro.

O Executivo de UCS instalou o Ministério da Economia Marítima na ilha de São Vicente. Por outro lado, a regionalização, prometida pelo actual Governo, já foi aprovada pelo Parlamento. O PP acredita que o desenvolvimento do país, nomeadamente das chamadas ilhas periféricas, virá através da descentralização /regionalização da governação?

Sobre a mudança de ministérios para a ilha de São Vicente não fazemos qualquer apreciação, nem negativa nem positiva, mas o certo é que a questão da regionalização é uma falsa questão. Fazer uma ligação entre a regionalização e o desenvolvimento é deitar poeira para os olhos dos cabo-verdianos, não há qualquer relação económica entre a regionalização e o desenvolvimento. A lei já foi aprovada, mas vai ficar tudo na mesma. Como criar tantos governos regionais em Cabo Verde, quando temos governos municipais já falidos, pela lógica financeira essas câmaras já teriam fechado as portas. E temos um governo central “gordo”, com muitos ministros, e um parlamento que consome cerca de 1 milhão de contos do Orçamento de Estado, e com 72 deputados que ganham cerca de 350 contos mensais. E querem criar uma outra estrutura do Estado, o que implica deputados regionais, staff executivo regional, etc, etc? Veja o conflito de papéis entre o Governo Central, o Governo municipal e o Governo Regional. É Estado a mais, aliás, já temos Estado a mais.

O PP também tem sido bastante crítico em relação à forma como o Governo tem conduzido o sector dos transportes marítimos, que já foi concessionado ao grupo português Transinsular, depois de um concurso em que as empresas cabo-verdianas foram ultrapassadas claramente devido a limitações financeiras. O que espera o PP do futuro deste sector?

Essa empresa, a Transinsular, ganhou o concurso para trazer cinco barcos, mas, afinal, vai alugar os que já estão a operar aqui em Cabo Verde. Isso é uma contradição enorme e revela mais uma vez que este Governo desvaloriza o empresário cabo-verdiano e favorece o empresário estrangeiro. Este é um governo fantoche, que defende os interesses dos estrangeiros em detrimento dos interesses dos nacionais, até parece que foi eleito pelos estrangeiros. Vejamos: os transportes aéreos estão agora nas mãos de estrageiros, os transportes marítimos também, a Praça do Palmarejo também, como se o cabo-verdiano não tivesse inteligência para nada. Só falta contratar um Primeiro-Ministro estrangeiro. Como o senhor Ulisses Correia e Silva tem tido um franco desempenho e pouca inteligência, devia também contratar um estrangeiro para substitui-lo.

Se a saúde é beneficiada com apenas 8% do bolo orçamental para este ano, o sector da comunicação social não é beneficiado com nada, ou seja, não há nenhuma verba destinada a investimentos na comunicação social, quando os órgãos privados estão com corda no pescoço e a televisão e a rádio pública enfrentam dificuldades várias. Que solução o PP proporia?

Em outros países a comunicação social, pública ou privada, recebe uma parte do bolo orçamental em função do seu desempenho em termos de audiência, pois todos prestam um serviço de utilidade pública. É esse o caminho mais justo. Neste momento, quem vai pagar a sua conta de electricidade sabe que 500 escudos são para a RTC. Acha justo que eu, cidadão, que tenho TV a cabo e pago para ver outros canais e quase não vejo a TCV tenho de pagar à RTC? Não, não é. Entretanto, os órgãos privados de comunicação social vivem no sufoco, veja o que aconteceu com o A Semana, desapareceu devido a um enorme sufoco.

O PP é um partido que não tem assento parlamentar mas verificamos que, entre os partidos que não tem deputados eleitos, é o mais activo, se não o único. Qual tem sido a receptividade dos cabo-verdianos às vossas actividades públicas?

A reacção dos cabo-verdianos tem sido boa. Temos vindo a fazer um trabalho que está a ser reconhecido pela população e nós vamos conseguir “levar a carta ao Garcia” [metáfora para vencer desafios e resolver problemas e conquistar vitórias]. Nós não estamos na política atrás de qualquer benefício pessoal, de carros BMW e chapa amarela, tudo pago pelo Estado, ou de terrenos e riqueza pessoal. Entendemos que a política é uma arte de servir e deve ser uma missão patriótica, voluntária. Quem faz política não deve exigir benefícios que este povo não pode comportar.

As eleições municipais aproximam-se e os partidos já se preparam para os próximos embates. Tendo em conta este cenário, o que o seu partido perspectiva?

Estamos já a preparar a nossa participação nas eleições autárquicas. Existe uma proposta de lei de parlamentarização dos órgãos municipais, ou seja, a apresentação de uma única lista, não duas como antes. O PAICV apresentou esta proposta, que pensamos que vai ser debatida e votada no Parlamento ainda a tempo de se alterar o Código Eleitoral. Mas se isso não acontecer, pensamos apresentar listas para a Assembleia Municipal em todos os municípios, mas em S. Vicente e na Praia também apresentaremos candidatos à Câmara Municipal.

Quando irá o PP definirá quem são os candidatos a essas duas câmaras municipais, as mais importantes do país?

Nós estamos à procura desses candidatos. Estamos a contactar muita gente, mas não é fácil, pois há quem tenha medo de assumir o PP, porque é um partido de confrontação, de exigência e que vem metendo o dedo na ferida de muita gente. Além disso, as pessoas são perseguidas quando aderem a outro partido que não os do arco do poder, e muitos não aguentam essa pressão. Ainda vamos a tempo, temos todo o ano de 2019 e acreditamos que até Dezembro teremos as listas feitas e as eleições autárquicas vão acontecer provavelmente em Setembro ou Outubro de 2020.

Entretanto, o PP vai ter eleições internas em Abril deste ano, sendo o actual presidente candidato à sua própria sucessão. Acredita que vai ser reeleito?

Eu não sei, mas pelo trabalho que tenho feito tenho esperanças de que serei reeleito. Penso que pelo trabalho que eu e a minha equipa temos feito e pelo reconhecimento que temos recebido do partido e da população é possível. Estamos em democracia, portanto tenho que estar preparado para dar o lugar a outro.

As legislativas ainda estão relativamente longe. Facto é que precisamos de um Parlamento mais equilibrado, com mais partidos, para que a acção governativa seja mais consentânea com as necessidades dos cabo-verdianos. Acredita que em 2021 teremos esse parlamento?

Tudo vai depender dos eleitores cabo-verdianos. Em 2015, quando o PP foi reconhecido, definimos como meta eleger cinco deputados e constituir uma bancada parlamentar. Tivemos apenas 77 votos. Em Ribeirão Chiqueiro, por exemplo, onde durante a campanha eleitoral os moradores quase que nos levaram ao colo e gritavam “Viva PP”, sabe quantos votos conseguimos?

Tendo em conta o que acaba de relatar, diria que obtiveram a maioria dos votos.

Zero, conseguimos zero votos. Por isso, desde essa altura entendi porque se diz que se ganha as eleições no sábado, o tal dia de reflexão. Isso ignifica que há fraude, muita coisa a ser entregue por debaixo da mesa. Nós não temos nada, mas ainda que tivéssemos não entregaríamos nada. De modo que vamos continuar a trabalhar como temos feito até aqui, seguindo o caminho com o seguinte pensamento de Mahatma Ghandi sempre presente: “A verdadeira alegria está na luta, no sacrifício envolvido, e não na vitória, propriamente dito”.

Foto: radiodia.cv

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SOBRE O AUTOR

Teresa Fortes