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Comunicação social. Um governo extraterreno ou um ministro das galáxias?...
Editorial

Comunicação social. Um governo extraterreno ou um ministro das galáxias?...

Duas notas prévias. (i) A comunicação social privada não está à venda. Ela não se vende. Jamais! (ii) O INE é uma instituição do Estado de Cabo Verde, trabalha com dinheiro do Tesouro Público, para servir os cabo-verdianos. De modo que, os dados produzidos pelo INE não são do INE e nem de outra entidade qualquer, seja governo, seja ministro, seja João da esquina, mas sim do Estado de Cabo Verde, e logo, desta nação, deste povo. Para que fique claro! 

Tudo indica que este país poderá estar a brincar de governação. Porque a verdadeira governação é aquela que se baseia na defesa do interesse coletivo, e consequentemente, do Estado de Direito. O resto não passa de conversas para animar a vasta “boiada desavisada”, parafraseando o ilustríssimo primeiro ministro, Ulisses Correia e Silva, espalhada pelas achadas, ribeiras, cutelos, aldeias, vilas e cidades deste país arquipélago, descontínuo, frágil, a braços com graves constrangimentos ao nível de ligações internas, hoje dominadas por interesses privados, geridas sob a dura imposição do mercado e do lucro. Enfim!

Avançando, temos que uma entidade pública, seja ela qual for, tem como missão básica defender as leis da República, a começar pela Constituição da República, que é a mãe de todas as leis, e primar pelo interesse coletivo.

Ora, a Constituição da República de Cabo Verde garante aos cabo-verdianos o direito à informação, à liberdade de expressão e de pensamento, sem restrição ou condicionamento de qualquer espécie.

Com esta determinação constitucional, resulta cristalino que um órgão de comunicação social, seja público, seja privado, é um parceiro incondicional do Estado de Direito, sobretudo no processo de materialização da vontade da lei magna, assegurando um bem básico aos cabo-verdianos, que é o serviço público de comunicação social.

Assim, por imperativo legal, a comunicação social se assume como um dos sectores estratégicos do processo de desenvolvimento do país, requerendo das instituições democráticas, nomeadamente do Governo, uma atenção particular, no quadro das suas atribuições enquanto gestor dos recursos do Estado e entidade central na condução dos destinos do país.

Estamos de acordo? Se estamos de acordo, imediatamente concluímos que todo e qualquer programa, projeto ou investimento que o Governo ou qualquer outra instituição pública desenvolve ou aplica no sector da comunicação social, nada mais é do que o cumprimento de uma obrigação pública, legal, não devendo jamais ser visto como um favor, e pior ainda, como moeda de troca.

Este país é tributário de uma longa história de luta e superação contra adversidades naturais, políticas, sociais e culturais, que ninguém consegue destruir. Nenhum governo, ou governante, mesmo que investido de poderes extraterrenos, conseguirá destruir o que foi conseguido com muito sangue e suor de homens e mulheres dignos da sua identidade, do seu nome, da sua origem, ao longo de mais de 500 anos de lutas, de sofrimentos e de vitórias.

Homens e mulheres que não se vendem, porque jamais se assumiram como objeto de troca. E não se assumem nunca.

Ao contrário de certos políticos, homens e mulheres, que não veem qualquer impedimento em se vender por posições nas listas elegíveis, ou promessas de um lugar no banquete do poder, quantas vezes gritando, sem qualquer pejo ou remorso, que ocupam o topo da “cadeia alimentar” do grupo, agremiação, movimento, partido, sabe-se lá…

E uma vez no topo da “cadeia alimentar”, fazem de conta que são governantes. Que governam. E exigem que a sociedade assim acredite, assim creia.

Por isso é possível que credenciem assinaturas de protocolos à margem das leis e da própria Constituição da República, como este que o INE firmou com a Inforpress, e que mereceu o imediato e forte repúdio da AJOC.1

Sim! A partir de agora, os dados do INE passarão a ser divulgados, em primeira mão, pela Inforpress, fruto de um protocolo firmado neste sentido, ferindo a ética, o bom senso, e tudo o que é legal e justo numa sociedade de homens e mulheres sãos.

Será que se está perante um governo extraterreno? Ou será o ministro da comunicação social (foto) um ser das galáxias?

Um homem que se contradiz, a cada segundo que abre a boca. Vejamos. A lei dos incentivos à comunicação social, muito elogiado por ele à data da sua publicação, em Novembro do ano passado, diz, no preambulo, coisas mirabolantes como estas: “o Governo pretende fortalecer o exercício plural e robusto das liberdades e direitos de informar e ser informado, incentivar a criação, a sustentabilidade, a competitividade e a inovação dos órgãos de comunicação social, potenciar o desenvolvimento de parcerias, promover a melhoria das condições de acesso e exercício do jornalismo, promover a qualificação e a empregabilidade, a leitura e a literacia…”, entre outros palavreados, eventualmente aqui imprimidos para animar a vasta “boiada desavisada”.

Porquê? Simples. Passado apenas um ano sobre a publicação deste diploma, o homem vem a público dizer que “o maior contributo que o Estado pode dar à imprensa privada é uma agência que possa fornecer notícias de qualidade e em tempo útil”, referindo-se à Inforpress.

Que contradição! Como acreditar num governante deste? Onde ficam as leis da República, concretamente nos domínios da livre concorrência, do acesso à informação, à liberdade de expressão e de pensamento? O que é feito do Estado parceiro, este que tem assento privilegiado em todos os fóruns e regabofes organizados nos últimos dois anos no país?

Afinal, o Estado já não quer fortalecer o exercício plural e robusto das liberdades e direitos de informar e ser informado, incentivar a criação, a sustentabilidade, a competitividade e a inovação dos órgãos de comunicação social, potenciar o desenvolvimento de parcerias, promover a melhoria das condições de acesso e exercício do jornalismo, promover a qualificação e a empregabilidade, a leitura e a literacia?...

Pensemos nisso, caro leitor.

1. COMUNICADO

A AJOC considera que as declarações proferidas ontem pelo Ministro Abraão Vicente configuram um “atestado de incompetência” passado aos jornalistas que trabalham nos órgãos privados de comunicação social cabo-verdiana, ignorando, por completo, o contributo desses meios e dos seus profissionais na defesa do direito constitucional dos cidadãos à informação, na promoção da liberdade de imprensa e no reforço dos princípios de transparência e de prestação de contas a que são obrigados os decisores políticos. A AJOC considera infelizes as declarações da tutela, uma vez que neste momento quase todos os órgãos privados atravessam uma profunda crise financeira, que poderá ditar, nos próximos tempos, o encerramento de vários projectos editoriais. O sindicato dos Jornalistas expressa ainda a sua preocupação em relação ao protocolo rubricado ontem entre o INE e a INFORPRESS, documento que privilegia o acesso da agência de notícias aos dados estatísticos produzidos em Cabo Verde. Por considerar que essa medida viola a liberdade de acesso às fontes de informação e põe em causa o pluralismo informativo e a salutar concorrência no campo mediático, a AJOC exige um posicionamento urgente da ARC.

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A Direcção Nacional da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde considera as declarações proferidas ontem, dia 17 de Dezembro, pelo ministro da Cultura e Indústrias Criativas, redutoras das funções que cabe ao Estado no domínio da comunicação social, bem como dos apoios de que deve beneficiar o sector.

Ao afirmar que “o maior contributo que o Estado pode dar à imprensa privada é uma agência que possa fornecer notícias de qualidade e em tempo útil”, o ministro ignora algumas garantias legais, nomeadamente a “preservação e a defesa do pluralismo e da concorrência.”

A AJOC reconhece a importância de uma agência noticiosa para um país arquipelágico, geograficamente disperso e com múltiplas comunidades emigradas, como é o caso de Cabo Verde, mas defende que o pluralismo informativo, o cruzamento das várias correntes de opinião relevantes na sociedade cabo-verdiana e a própria qualidade do jornalismo, não se esgotam na prestação do serviço público por parte da INFORPRESS, cujos resultados da propalada reestruturação estão ainda aquém das expectativas dos cabo-verdianos e dos principais clientes, que são os órgãos de comunicação social.

Quanto às afirmações proferidas pelo Dr. Abraão Vicente segundo as quais “a INFORPRESS tem sido a base de toda a produção jornalística da imprensa escrita” e que “mais 50% das notícias dos outros jornais privados são notícias da INFORPRESS, muitas vezes sem nenhum esforço de reescrita e muitas vezes sem a necessária citação da fonte”, a AJOC considera que elas demonstram um total desconhecimento por parte da tutela das condições materiais de produção de informação existentes nos OCS privados e do próprio funcionamento do campo mediático em Cabo Verde. A AJOC lembra ao Dr. Abraão Vicente que, enquanto ministro da República, as suas responsabilidades não se confundem com as dos gestores das concessionárias RTC e INFORPRESS, devendo ser sentidas em todo o sector.

A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde lembra ainda ao ministro que tutela a Comunicação Social que o apoio do Estado tem-se resumido à atribuição de um subsídio anual de 15 mil contos (valor nominal) apenas ao conjunto dos jornais impressos que se publicam no país. Um valor manifestamente irrisório que não é compensado pelas receitas do mercado publicitário. Ademais, trata-se de um mercado disfuncional, desequilibrado e frágil, porque dominado pela maior empresa pública de comunicação social de Cabo Verde, a RTC, empresa financiada em quase 100% com o dinheiro dos contribuintes. Os demais órgãos de comunicação social privados não beneficiam de qualquer apoio directo ou indirecto do Estado, não obstante o serviço público relevante que prestam aos cabo-verdianos.

Importa salientar igualmente que a INFORPRESS recebe todos os anos mais de 45 mil contos do Orçamento do Estado, sem contar com outros apoios pontuais no âmbito do processo de reestruturação em curso da agência, com vista à prestação do serviço público estipulado nos seus Estatutos e na lei da imprensa escrita e de agência de notícias.

É entendimento da AJOC que ao utilizar o acesso livre às informações disponibilizadas no site da INFORPRESS pelos órgãos privados de comunicação social (o que também é permitido aos cidadãos) para desvalorizar as preocupações e críticas desses meios em relação ao actual modelo de financiamento do sector privado, o ministro Abraão Vicente não se coíbe de rasgar alguns compromissos que o próprio Governo assume no preâmbulo ao “Regime de Incentivos à Comunicação Social” (Decreto-lei nº 55/2017 de 20 de Novembro), senão vejamos: “com o presente diploma, o Governo pretende fortalecer o exercício plural e robusto das liberdades e direitos de informar e ser informado, incentivar a criação, a sustentabilidade, a competitividade e a inovação dos órgãos de comunicação social, potenciar o desenvolvimento de parcerias, promover a melhoria das condições de acesso e exercício do jornalismo, promover a qualificação e a empregabilidade, a leitura e a literacia…”

A Direcção da AJOC expressa ainda a sua preocupação em relação ao protocolo rubricado ontem entre o INE e a INFORPRESS para a divulgação, “em primeira mão”, de indicadores estatísticos produzidos pelo Instituto Nacional de Estatística em vários domínios da vida do país.

É entendimento do Sindicato dos Jornalistas que a medida fere o princípio do livre acesso às fontes de informação, para além de condicionar o pluralismo informativo e a salutar concorrência no mercado dos conteúdos. Ao aceitar fornecer à INFORPRESS, em regime de privilégio, de acordo com declarações da própria Gestora Executiva da Agência Cabo-Verdiana de Notícias, Jaqueline de Carvalho, à TCV, os dados estatísticos que produz, o INE viola claramente o princípio de isenção e imparcialidade que deve caracterizar os agentes da administração pública.

Enquanto entidade pública e autoridade responsável pela produção de dados estatísticos nacionais, o INE é obrigado a divulgar as informações de forma periódica através de publicações e notas de imprensa que deverá enviar a todos os media sem discriminação de nenhuma espécie, ainda que algumas sejam acompanhadas de um embargo de tempo, compromisso normalmente respeitado pelos órgãos de comunicação social. Além disso, o INE é obrigado, enquanto prestador de um serviço público, a dar a devida publicidade dos dados que produz no seu sítio na internet ou por meio de outros suportes.

Privilegiar a INFORPRESS na divulgação de dados estatísticos é uma atitude, no mínimo, eticamente reprovável e põe em causa a liberdade de acesso às fontes de informação. Por isso, a AJOC exige da Autoridade Reguladora para Comunicação Social um pronunciamento público sobre o assunto.

A Direcção da AJOC

Praia, 18 de Dezembro de 2018

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