• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Judite Nascimento. "As críticas à qualidade do Ensino Superior são vazias ou então baseadas em perceções pessoais"
Entrevista

Judite Nascimento. "As críticas à qualidade do Ensino Superior são vazias ou então baseadas em perceções pessoais"

Reitora da Uni-CV, e candidata à sua própria sucessão nas eleições do próximo dia 19 de Janeiro, fala, sem tabus, sobre a sua liderança, o presente e o futuro da Universidade pública e reage às críticas de que é alvo.

Santiago Magazine – Termina agora um mandato de 4 anos à frente da Universidade de Cabo Verde e vai candidatar-se ao segundo mandato. Quais são as suas motivações?

Judite Nascimento – Em 2014, quando decidi avançar com uma candidatura, era motivada pelas seguintes razões, que acabamos por consolidar: Tenho uma boa relação com os docentes, funcionários e estudantes – apesar de não ser fácil responder às expectativas e interesses de todos, o que pode ter suscitado opiniões discordantes e deixado mágoas com relação a algumas decisões tomadas, sempre me pautei por uma postura andragógica em todas as situações de conflito, tomando sempre decisões ponderadas e justificadas, ao abrigo das leis e regulamentação em vigor e respeitando os princípios e valores anunciados no programa de acção de 2014 e dispostos nos Estatutos da Uni-CV.

Me sentia e me sinto capaz de criar e de liderar uma equipa capaz de dignificar, valorizar e dar o devido protagonismo aos docentes e investigadores no desenvolvimento da Uni-CV – conseguimos, em equipa, estimular e garantir a liberdade e as condições para que os docentes, estudantes e funcionários se sentissem motivados a inovar e a colocarem as suas competências e capacidades ao serviço da Uni-CV e do desenvolvimento do País. Vários docentes e estudantes apresentaram projectos inovadores e implementaram-nos na Universidade. Todas as iniciativas no GCI e nos STI, a UniTV, Uni-CV Kid’s, o Instituto GeoGebra, os módulos do SII, os aplicativos específicos desenvolvidos para resolver desafios da Uni-CV, entre muitos outros projectos, são exemplos de acções que foram desenvolvidas, nos Pólos de Santiago e de São Vicente nessa óptica, por iniciativa de docentes e estudantes inovadores, individualmente ou em grupo, que encontraram condições institucionais favoráveis para os implementarem. Tudo o que se faz na Uni-CV, por iniciativa de qualquer membro da academia, é divulgado no site da instituição como forma de valorização e de concessão da devida visibilidade e protagonismo dos autores. 

Queremos aumentar a eficácia e eficiência da Uni-CV através da transformação da sua identidade visual, que sofreu uma autêntica revolução positiva nos últimos 4 anos. Igualmente se provocou o mesmo efeito a nível da informatização do sistema pela criação de dois grandes sistemas de informação e da qualidade, o SII e o CGGI - Hoje a Uni-CV é uma Universidade moderna, no verdadeiro sentido, embora reconheçamos que ainda há muito a fazer.

Defendemos a democratização interna – aumentou-se a representação das classes (Docentes, funcionários e estudantes) nos órgãos de Governo da Uni-CV o que criou oportunidades efectivas de participação nas grandes decisões. Os debates no seio do CONSU são livres e transparentes.

Também defendemos a institucionalização estruturada de uma carreira profissional e académica dos docentes e investigadores – apesar da situação financeira sensível da Uni-CV e dos custos associados, para além das licenças, com ou sem vencimento concedidas aos docentes, através de uma análise detalhada das situações pendentes de disfunção laboral, procedemos à constituição de um programa de reestruturação laboral, que consistiu em 3 principais fases – a) Reclassificações, progressões e resolução das disfunções laborais existentes (foi implementado em 2 momentos, em Janeiro de 2015 e agora em Janeiro de 2018); b) Regulamentação da avaliação de desempenho e criação da plataforma; c) Regularização do quadro de pessoal. Por ser um processo muito complexo e custoso, conseguimos até agora cumprir com 2 fases e a última é remetida para o início do próximo mandato.

Defendemos, ainda, a institucionalização estruturada de uma carreira profissional dos funcionários – nos últimos 4 anos, incentivamos os funcionários a apostarem na sua capacitação e formação, dando dispensa para a frequência de aulas e redução de propinas em cursos da Uni-CV. Também incentivamos a participarem em formações e cursos oferecidos na Uni-CV ou fora dela, algumas vezes com apoio financeiro, quando foi possível.

Propomos construir uma Universidade onde o Estudante é bem-vindo e onde é estimulado a ser criativo e inventivo, onde é incentivado a participar activamente na academia e na vida da instituição, participando na organização de eventos e na gestão de actividades científicas, desportivas e lúdicas.

Também vamos criar condições para elevar a qualidade do ensino ministrado de forma a maximizar os esforços para que o estudante saia bem formado da Uni-CV, em condições para se inserir no mercado profissional sem dificuldade; e melhorar sistematicamente as condições das infraestruturas e equipamentos para garantir segurança e conforto aos estudantes que nos procuram, bem como aos docentes e funcionários, que passam muito do seu tempo na Uni-CV. Foram reabilitados quase todos os edifícios da Uni-CV, em Santiago e em São Vicente.

Hoje, 4 anos depois, nos sentimos ainda mais motivados visto termos feito o possível para cumprir com os compromissos assumidos, tendo conseguido, apesar das dificuldades financeiras, atingir um elevado nível de implementação. Estamos motivados e seguros de que conseguiremos consolidar os projectos implementados e lançar os novos projectos com igual sucesso dos anteriores.

-  Acha que fez um bom trabalho neste primeiro mandato, ao ponto de merecer a confiança dos votantes nesta disputa?

- Acredito que, tendo cumprido, apesar das dificuldades encontradas, cerca de 90 % dos compromissos assumidos em 4 anos (refira-se que o horizonte temporal do Plano Estratégico é de 6 anos), a comunidade académica saberá apreciar objectivamente os factos e resultados do último mandato. Porque já provei ser capaz de congregar e de liderar uma equipa com competências para, no próximo mandato defender a autonomia da Uni-CV, a autonomização paulatina das unidades de gestão intermédia e a liberdade académica; garantir o diálogo permanente, a estabilidade e a participação efectiva dos membros da comunidade académica nas decisões importantes; apostar em estratégias para o reforço contínuo do perfil e das condições de trabalho dos docentes e funcionários da Uni-CV; concluir a implementação do projecto de reestruturação laboral iniciado neste mandato; reforçar a aposta na cooperação e internacionalização da Uni-CV; consolidar a negociação com os parceiros e o Governo para atingir a sustentabilidade; apostar na revisão dos Estatutos para adequação ao contexto actual; apostar no reforço da Acção Social criando uma Pró-Reitoria própria, e um Fundo específico para este domínio; apostar em estratégias que promovam a elevação da qualidade do Ensino, da Investigação e da Extensão Universitária; criar uma provedoria do estudante e um Gabinete jurídico da Uni-CV; e defender um projeto de uma “Universidade Integradora, inovadora e empreendedora, construída com a colaboração de todos os membros da academia Uni-CV”.

- Qual é o estado de saúde da Uni-CV, do ponto de vista académico?

- Do ponto de vista académico, a Uni-CV melhora a cada dia. Ainda não atingimos o nível desejado, estamos conscientes dos inúmeros desafios que temos a enfrentar para atingirmos a qualidade almejada, mas estamos a caminhar firmemente nesse sentido. Já foi feita a revisão dos Planos de Estudo, à luz das novas tendências. Melhorou-se sensivelmente as condições técnicas, equipamentos e infraestruturas de suporte ao Ensino e à Formação. Elevou-se o perfil global dos docentes da Uni-CV, seja pelo recrutamento de novos docentes com doutoramento, seja pelo incentivo aos docentes do quadro para a formação avançada. Criamos oportunidades múltiplas de participação da academia em programas de mobilidade internacional, cujos impactos também se repercutem na melhoria da qualidade. Os processos e procedimentos académicos estão a ser paulatinamente automatizados através dos portais do docente e do estudante. Foram criados os Institutos de Línguas, Literatura e Cultura (em Língua Chinesa, Língua Francesa e Língua Inglesa e pretende-se instalar o de Língua Cabo-verdiana) que promovem a elevação da proficiência linguística e da cultura geral dos membros da academia. Incentivou-se a intensificação da extensão universitária que permitiu aos membros da comunidade académica trocarem conhecimentos e tecnologias com o exterior (universitários parceiros, sociedade, empresas, etc.). Aumentou-se as oportunidades de participação em consórcios internacionais de investigação em áreas relevantes para o país e para o mundo. Os nossos docentes e estudantes ganham cada vez mais prémios nacionais e internacionais. A Uni-CV está inserida nas equipas de liderança das grandes redes de Universidades de que é membro.

- O financiamento tem sido um grande problema para o ensino superior em Cabo Verde. Como é que avalia esta situação no quadro do funcionamento da universidade pública?

- Do ponto de vista financeiro, como é de conhecimento geral, o sistema de financiamento da universidade pública não é o melhor modelo para garantir a sua sustentabilidade. A universidade pública tem o valor das propinas para a licenciatura, fixado por lei em 108.000$00 anuais, que a Uni-CV permite subdividir em 12 prestações de 9.000$00 mensais. A média do custo mensal de um estudante de licenciatura é de cerca de 21 000$00, o que corresponde a 252 000$00. Assim, o estudante somente custeia 42% dos custos e o Estado tem custeado nos últimos anos, de 2015 ao ano 2017, cerca de 33%, restando 24% totalmente descobertos. Aí reside a principal causa do défice crónico que tem levado a Uni-CV a acumular uma dívida perante o Tesouro que já rondava os trezentos mil contos (300 000 000$00 CVE) no presente ano. Esta dívida acabou por ser perdoada pelo Governo, o que alivia consideravelmente a tensão gerada pelo desequilíbrio financeiro da instituição. Contudo, o desequilíbrio financeiro persiste, visto que é estrutural, tendo em conta que a causa principal não está eliminada. Como instituição pública e estando limitada pelos condicionantes apontados, afigura-se crucial o Estado subsidiar também os 24% do défice das propinas dos estudantes. Assim, a negociação levada a cabo com o governo durante a arbitragem do orçamento de 2017, levou a que este aumentasse 15 000 000$00 ECV nos duodécimos atribuídos à Uni-CV e, para o orçamento de 2018, foram afectados 25 000 000$00, para ajudar a reduzir o défice. É de se registar que a Uni-CV depende do Estado, que é a entidade instituidora e que, portanto, nas suas políticas e estratégias deve salvaguardar a sustentabilidade da mesma, não obstante a responsabilidade que a própria universidade deve assumir (e tem assumido, na medida do possível) para promover a sua sustentabilidade. Desde 2014, inúmeras estratégias foram desenhadas e implementadas para a racionalização dos recursos. Com um parceiro tecnológico, conseguimos reduzir as despesas de comunicação em cerca de 25%. Com o apoio de todos os nossos parceiros tecnológicos, procedeu-se à informatização dos processos e procedimentos e conseguimos importantes economias em consumíveis tecnológicos, reduzindo paulatinamente a impressão de documentos.

Algumas instituições públicas e parceiros privados têm apoiado os estudantes através da atribuição de bolsas de estudo, o que tem ajudado os estudantes a cumprirem o seu compromisso financeiro com a Uni-CV. Estas bolsas, cujo montante referente à propina é transferido directamente para a Universidade de Cabo Verde, têm sido importante para a arrecadação de parte dos 67% das receitas próprias que a Uni-CV deve arrecadar como contrapartida orçamental. Infelizmente, algumas instituições que concedem bolsas não têm conseguido liquidar as dívidas atrasadas, o que constitui um grande constrangimento pois leva a universidade a ter dificuldades em cumprir, em tempo útil, os seus próprios compromissos com os fornecedores.  Com uma gestão racional e coerente, temos conseguido gerir a situação, fazendo muito, com poucos recursos.

- A candidata Eurídice Monteiro afirmou numa recente entrevista a este diário digital, que a Uni-CV está voltada para o seu próprio umbigo. Concorda?

- Discordo totalmente. É visível a abertura da Uni-CV à sociedade e ao mundo, desde sempre. É indiscutível que houve uma intensificação dos projetos e programas de extensão universitária a partir de 2014. Não sou eu que o digo, os factos falam por si. Basta visitarem o nosso site www.unicv.edu.cv, percorrerem as notícias e a página da Extensão Universitária, para tirarem qualquer dúvida a esse respeito. Os nossos docentes e estudantes desenvolvem, em parceria com universidades amigas, projectos de troca e de transferência de conhecimentos e tecnologia. A Uni-CV, através das suas unidades, presta serviço a empresas e outras instituições (por exemplo, a prestação de serviços a entidades externas  pelo GCI, os cursos oferecidos pelos Institutos de Línguas, Literatura e Cultura, a participação dos docentes e estudantes da Uni-CV no Programa de Introdução à Programação nas Escolas básicas - desenvolvido pela DNE, etc.), as campanhas que os Serviços de Acção Social desenvolvem regularmente para apoiar comunidades desfavorecidas, sobretudo as crianças, as actividades de verão que são desenvolvidas anualmente envolvendo crianças e jovens do ensino básico e secundário (ex: o programa Uni-CV Kids, as visitas e aulas de laboratório, etc.). Vários grupos disciplinares organizam seminários temáticos que têm envolvido instituições e pessoas fora da academia – a título de exemplo, os seminários na área da Enfermagem, a semana TIM, … A Associação de Estudantes tem sido muito activa na promoção de actividades de extensão. Recebemos conferencistas e docentes de todos os continentes para leccionarem módulos nas Pós-Graduações ou para darem conferências à nossa comunidade académica. A Prof. Eurídice foi convidada a dirigir a Cátedra Amílcar Cabral, com a missão de abrir a Cátedra à sociedade e ao mundo. Talvez ela se tenha referido à essa unidade em específico?  Isto são factos.   

- O candidato Artur Furtado afirmou também numa recente entrevista aqui, que a Uni-CV tem problemas de qualidade das investigações, de relacionamento com os professores. É verdade?

- Também, discordo totalmente. Não tem havido problemas de relacionamento com nenhum membro da comunidade académica, nem mesmo com o próprio Prof. Artur Tavares. Temos absoluta consciência que gerir uma academia com mais de 5.000 membros, sem que haja vozes discordantes, é impossível. A nossa universidade transformou-se, nos últimos 4 anos, num espaço onde a universalidade, a liberdade e a verdadeira democracia são princípios transversais. Nós incentivamos e cultivamos esses valores porque acreditamos serem a essência de uma organização, sobretudo de uma universidade. Afinal, é o templo do conhecimento científico, da inovação e do desenvolvimento da tecnologia. Mas também é o templo do trabalho cooperativo e de estabelecimento de redes, qualquer que seja a natureza das organizações. Para que haja criatividade, inovação e investigação científica numa universidade, esses princípios devem ser garantidos e defendidos.

Daí que surgem, em certos momentos, vozes discordantes acerca de algumas decisões estratégicas, o que consideramos ser absolutamente normal e saudável. Refira-se que, por uma opção de gestão orientada para a promoção da participação livre dos membros da academia, a Uni-CV está organizada em diversos órgãos colegiais, cujos dirigentes são eleitos pelos membros (em vez de serem nomeados pelo dirigente máximo), desde os órgãos de governo estabelecidos nos estatutos aos órgãos de carácter mais operacional, criados por iniciativa da reitoria.

Portanto, todos os membros da academia, incluindo docentes, estudantes e funcionários, têm espaços e momentos de exprimirem livremente os seus pontos de vista. Convém referir, a título de exemplo, que o próprio Prof. Artur é membro do Conselho da Universidade, tendo sido eleito pelos seus colegas e no CONSU ele tem exprimido os seus pontos de vista sem quaisquer tipos de constrangimento, como de resto acontece com qualquer membro, incluindo os representantes dos estudantes e dos funcionários. Convém dizer que no dia em que os docentes de uma universidade deixarem de poder livremente expressar a sua discordância ou de poder opinar sobre assuntos importantes da universidade, então deixaremos de ser uma universidade, deixaremos de ser inovadores e passaremos a ser, como alguém disse há algum tempo, “um liceu de adultos”. Os momentos de discordância para nós são importantes, pois ajudam-nos a reflectir juntos e a tirar dúvidas sobre decisões relevantes e a avançarmos sem percalços. Sempre que houve tensões após alguma decisão, imediatamente marcamos encontros com os interessados para discutir o problema, de forma aberta, franca e directa. A única excepção é feita às manifestações anónimas que, para nós não são mais do que elementos perturbadores do sistema, que felizmente foram raros. Convém dizer que num ambiente de liberdade, onde nunca houve represálias em 4 anos, não há necessidade de anonimato para expor opiniões e resolver os problemas, a não ser que seja para falar mal dos outros sem nenhum compromisso com a verdade e com a responsabilidade e para anunciar falsos problemas. Portanto, a Uni-CV é uma instituição verdadeiramente democrática, tanto do ponto vista formal (a orgânica e os regulamentos), como do ponto de vista das relações pessoais em momentos informais, onde tem prevalecido a amizade e o respeito mútuo.

No que respeita à qualidade da investigação produzida também discordo totalmente. Pressuponho que o Professor Artur Tavares esteja a produzir investigação de altíssima qualidade, sem que tenhamos conhecimento. Se for confirmado, então ele está a perder uma grande oportunidade de valorizar a Uni-CV publicando como docente da mesma, elevando a qualidade da avaliação que, a nível internacional, se faz da investigação produzida pelos docentes. O facto é que se visitarem o nosso site (www.unicv.edu.cv) e percorrerem as notícias e as páginas da investigação e dos Serviços de Documentação e Edições, mas sobretudo se lerem os diversos números da nossa Newsletter e das revistas da Uni-CV, terão elementos suficientes para discordarem igualmente dessa afirmação. Terão a oportunidade de conhecer os múltiplos projectos em que os investigadores da Uni-CV participam, nomeadamente: os Projectos INTERREG –MAC, CAPES AULP , PRÓ-ÁFRICA, ERASMUS MUNDUS, UNAMUNO, SEMACA, ERASMUS, PLUS e HORIZON 2020 e, no âmbito de Convénios de Cooperação Brasileira, Portuguesa, Espanhola e Galega, com outros organismos internacionais como as Nações Unidas e a participação em Redes Internacionais de Excelência que proporcionam actividades de ensino, investigação e extensão universitária.

Duvido muito que os investigadores da Uni-CV que publicam dentro e fora do país e o corpo editorial das revistas internacionais e nacionais onde os nossos docentes divulgam os resultados da sua investigação, estejam de acordo com essa afirmação. E para falar da investigação feita pelos docentes da Uni-CV, como se poderia explicar o facto de a Uni-CV ter participado ao longo destes anos em mais de uma dezena de projectos internacionais, muitos dos quais financiados pelo programa Europeu Horizonte 2020? Sem ter qualidade e prestígio a Uni-CV faria parte desses projectos? Quem tem conhecimento dos critérios de avaliação desses projectos não pode ter dúvidas sobre o perfil das instituições que fazem parte das instituições seleccionadas. E mais, como é que se justifica o bom desempenho dos nossos estudantes que participam nos programas de mobilidade internacional e dos vários prémios ganhos pelos nossos docentes e pelos nossos estudantes em concursos? Precisamos, aqui em Cabo Verde, começar a avaliar com conhecimento de causa e valorizar as coisas boas que temos. Não é pela desvalorização pura e simples que se contribui para a melhoria, nem tão pouco conseguiremos ir longe se desprezarmos aquilo que tem valor. Muito pelo contrário. Estará o Professor Artur a referir-se a si mesmo? Isto são factos.

- Na sua opinião, quais são os grandes males por que padece a universidade pública?

 - Acredito que a nossa universidade não tem males. Acho a expressão muito fatalista. Considero que a universidade pública tem muitos desafios a enfrentar, mas também penso que tem condições reunidas para ir colmatando as dificuldades e transformando os desafios em forças  para alavancar o seu desenvolvimento e a sua procura pela qualidade e pela excelência. Não se constrói coisas sobre o nada e a Uni-CV já tem uma base construída e tem grandes potencialidades que, sendo bem aproveitadas, poderá dar um grande salto nos próximos tempos. Para além das potencialidades internas (a juventude e o perfil profissional dos recursos humanos é uma das potencialidades), são muitas as oportunidades que temos pela frente, tanto no plano interno como no plano externo. Convém referir ainda aquela que é das maiores oportunidades para a Uni-CV e para Cabo Verde: o Novo Campus que está sendo construído pelo Governo Chinês na zona de Palmarejo - Cidade da Praia.

- É acusada de centralizadora. É assim?

- Vejamos: a) as principais decisões da Universidade são preparadas a nível das coordenações de áreas disciplinares, que estão na base da gestão da Uni-CV. Refiro-me à preparação das propostas de distribuição da carga horária, organização dos Planos de Estudo, distribuição das disciplinas pelos docentes, preparação das propostas anuais de necessidades em novos recrutamentos de docentes, indicação de pessoas para representarem a área científica em eventos, e ainda é-lhes solicitado o parecer sobre as licenças a serem concedidas aos colegas; b) A gestão das Unidades orgânicas é feita, com liberdade e responsabilidade pelos Presidentes das Unidades Orgânicas, a quem sempre delego as competências de gestão local, com pouca e ponderada intervenção directa minha. Eu estou sempre atenta e quando é necessário intervenho, felizmente acontece raramente. A minha intervenção só acontece quando vejo que está em causa a sustentabilidade da gestão da unidade em causa e da universidade no seu todo. Se não o fizesse seria uma péssima Reitora; c). Delego nos meus colegas da equipa Reitoral, todos os poderes sobre as respectivas pastas, que gerem com muito profissionalismo e não tenho a necessidade de intervir directamente, mas nós estamos sempre em sintonia, reunimo-nos todas as sextas-feiras e sempre que necessário para discutir e sintonizarmo-nos sobre as decisões importantes em cada pasta; d) O Administrador Geral exerce os poderes que os Estatutos lhe conferem com total liberdade de ação.

Portanto discordo desta acusação pois eu conservo os poderes necessários para: i) poder representar condignamente a universidade, dentro e fora dela; ii) poder emitir orientações e estratégias de gestão salvaguardando os princípios e valores dispostos nos nossos estatutos; iii) analisar e conferir a conformidade legal, normativa e estatutária das propostas que me chegam das diferentes unidades e serviços da Uni-CV (propostas de contratação, pedidos de licença; propostas de distribuição de carga horária, etc.) .

Esses poderes eu não os delego mas partilho com os colegas, auscultando a sua opinião sobre as decisões que tomo, antes de as oficializar. Para mim isto não é ser centralizadora, mas sim exercer a responsabilidade e a precaução que é exigida de mim enquanto dirigente máxima da instituição, afinal de contas quem responde em juízo e fora dele pela Uni-CV é quem exerce o cargo de Reitor.   

- Já agora, qual é o seu estilo de gestão na Uni-CV?

Adotei sempre uma postura de liderança em oposição clara a de chefia. Considero que o líder é a pessoa que lidera uma organização, com as pessoas e envolvendo os seus colaboradores independentemente de qualquer outro fator, reconhecendo o valor e o potencial dos mesmos e desafiando-os a explorarem a sua criatividade e espírito inovador em prol de objetivos comuns, os da instituição, definidos em concertação e formalizados em documentos estratégicos de gestão. A nossa estratégia foi baseada em algumas premissas: a) identificação de pessoas tecnicamente competentes nas áreas específicas e com sentido de liderança, estimulando o seu espírito inovador e criativo e nomeando-os os líderes intermédios dos grandes programas e projetos; b) Estímulo aos líderes para que também estimulassem a criatividade e o espírito inovador dos seus colaboradores diretos em prol do desenvolvimento institucional; c) delegação, nesses líderes, da responsabilidade de constituírem um plano de ação e o implementarem no quadro das orientações globais emanadas da Reitoria e dos regulamentos em vigor, mas sobretudo em prol dos objetivos estratégicos da Uni-CV; 

Partindo de um conjunto de princípios e de valores, liderei uma vasta equipa que desenvolveu, no mandato cessante, um projeto comum de universidade, em que as orientações emanavam da liderança global, que os delegava em lideranças intermédias e locais, as quais as implementaram ao abrigo da regulamentação em vigor.

- Se for reeleita, o que é que irá acontecer de novidade na sua gestão?

 - Haverá muitas novidades, que estão espelhadas no nosso programa de acção, mas vou elencar aqui as principais:  Rever os Estatutos de modo a introduzir alguns ajustamentos que se revelam indispensáveis. Desde logo, do ponto de vista orgânico, revela-se necessário rever o actual arranjo institucional criando 3 Pólos: o de Santiago Sul, na Praia, o de São Vicente, no Mindelo e o de Santiago Norte, na Assomada.

Vamos criar uma Pró-Reitoria para a Acção Social para reforçar essa área e procurar fundos para apoiar os estudantes a acederem a bolsas de estudo; Instalar a provedoria do estudante, para apoio e orientação aos estudantes; Reforçar o Gabinete de Apoio Psicopedagógico para aumentar a sua ação junto dos membros da academia, sobretudo junto dos estudantes; Aumentar a eficácia e eficiência das lideranças intermédias e locais, empoderando-as e responsabilizando-as através da assinatura de cartas de missão; Reforçar os 3 Pilares da acção universitária, o Ensino, a Investigação e a Extensão, através de projectos estruturantes e que criem sustentabilidade global; Reforçar a internacionalização da universidade capitalizando as parcerias já existentes e procurando novas parcerias, sobretudo a nível do continente africano; Concluir o programa de reestruturação laboral iniciado; Rever os Estatutos de Pessoal docente e não Docente; e Consolidar as estratégias de valorização dos recursos humanos (docentes e não docentes)

- Volta e meia a qualidade do ensino superior é posta em causa por professores, empresários, até alunos. Como a avalia a qualidade de ensino superior em Cabo Verde?

 - A qualidade é um conceito à priori, abstracto e subjectivo. No entanto, é possível concretizá-lo, estabelecendo um conjunto de parâmetros e metas. No que respeita à qualidade no Ensino Superior, há consensos internacionais à volta de alguns parâmetros para a sua avaliação e têm a ver com: a) relevância do ensino ministrado, b) intensidade e relevância da investigação produzida pelos docentes que se traduz no número de publicações, c) a intensidade e relevância da extensão universitária, d) o nível de internacionalização da Universidade, e) a relação com a sociedade e com o exterior.

As Universidades em Cabo Verde estão cada vez mais atentas a esses aspectos e vão intensificando, na medida do possível, acções para atingir os parâmetros exigidos, sobretudo após a primeira experiência de avaliação das IESCV.

Quando eu oiço críticas à qualidade do Ensino Superior, elas são vazias de conteúdo ou então são baseadas em perceções e opiniões pessoais ou são generalizações superficiais de casos de insucesso concretos e individuais, mas nunca fundamentadas com factos representativos do produto do Ensino Superior cabo-verdiano. Nos meus 22 anos de carreira como docente do Ensino Superior, eu posso citar vários casos de insucesso, mas tenho orgulho em dizer que os casos de sucesso são muitíssimo mais numerosos. Aliás, é contraditório o discurso da má qualidade do Ensino, que se tornou moda, quando nós somos conhecidos como um país bem gerido e boa parte dos nossos gestores foi formado pelas IES cabo-verdianas.

- Numa recente entrevista à Rádio Nacional, o Director Geral do Ensino Superior disse que com os cursos que estão sendo oferecidos pelas instituições de Ensino Superior em Cabo Verde, está-se a formar jovens para o desemprego. O que tem a dizer sobre isso? 

- Não conhecendo as fontes de referência do Senhor Director Geral, não posso concordar nem discordar. No entanto, convém dizer que o objectivo maior das Universidades é formar cidadãos capazes de virem a ser profissionais interventivos e promotores do desenvolvimento do País. Sob esta perspectiva, não é objectivo da Universidade formar para o emprego. No entanto, considerando que a relevância é um factor importante pois a aspiração dos estudantes quando obtêm o diploma é encontrarem um emprego, é algo que nos preocupa e temos tomado várias medidas no sentido de aumentar a empregabilidade, melhorando o perfil dos nossos formados.

O diplomado não tem que vir a ser empregado do Estado ou de alguém, pode se transformar num empreendedor e criar ele mesmo postos de trabalho, contribuindo para dinamizar a economia. Assim, deve-se apostar em políticas que promovam o empreendedorismo jovem em vez de impedir as Universidade de formarem cidadãos em todas as áreas.  O Filósofo, o sociólogo, o psicólogo e o linguista, são tão importantes para o desenvolvimento do país como o Engenheiro. Aliás, a diversidade de perfis e a pluridisciplinaridade é que encerram o segredo da sustentabilidade e da resiliência dos sistemas. Os desequilíbrios são criados quando priorizamos em demasia uma área e acabamos por ter excedentes em algumas áreas e défice em outras. Há que se fazer uma análise do perfil dos docentes do Ensino Secundário e da idade dos mesmos, teremos certamente surpresas pois muitos dos que asseguram hoje as línguas, a Geografia, a sociologia, a história e a Filosofia, já devem estar próximos da reforma pelo que o Estado deveria começar a frequência dessas licenciaturas para cobrir as futuras necessidades.

- Tem informações sobre o índice de empregabilidade dos diplomados pela Uni-CV no mercado de trabalho nacional?

- É algo que pretendemos estudar mas ainda não o fizemos. Temos muito interesse em compreender os impactos da formação que ministramos para desenharmos estratégias para melhor adequar os perfis de saída às opções do mercado. Não conheço nenhum estudo fiável sobre esta matéria.

Partilhe esta notícia

SOBRE O AUTOR

Redação