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“A jota não deve ser caixa-de-ressonância ou uma simples “dadora” de recados do partido”
Entrevista

“A jota não deve ser caixa-de-ressonância ou uma simples “dadora” de recados do partido”

Sem muitos rodeios, Euclides Silva, presidente da JpD, fala dos jovens cabo-verdianos, seus desafios e frustrações, neste exclusivo ao Santiago Magazine, defendendo que é preciso colocar os jovens no centro do processo de desenvolvimento, ciente de que “a jota não deve ser uma mera caixa-de-ressonância do partido e nem uma simples “dadora” de recados do partido”.

 

Santiago Magazine - É presidente de uma associação juvenil partidária. Como avalia esta associação?

Euclides Silva - A avaliação que faço da JpD é uma avaliação positiva. JpD é uma organização com uma longa história de boas práticas e de formação cívica e politica. Não obstante as dificuldades típicas de uma organização deste tipo, temos estado a reorganizar as estruturas nacionais e concelhias, já criamos o nosso site, que é a nossa “morada” no mundo virtual. Neste momento já elegemos os delegados às Assembleias Concelhias em todos os concelhos do país, e no dia 29 iremos iniciar as Assembleias Concelhias Eletivas para eleger os novos dirigentes concelhios.

Está agora a empossar os órgãos locais da associação. O que é que falta à JpD no concernente á organização das suas estruturas e partilha de acções políticas?

Ainda não completamos dois meses de mandato, mas estamos a acelerar o processo de renovação dos mandados das coordenações concelhias. Como já tinha dito, os delegados já foram eleitos, falta apenas a realização das Assembleias Concelhias. Estamos em crer que até finais de Setembro teremos todos os coordenadores eleitos a trabalhar. O que falta agora é operacionalizar os núcleos de estudantes da JpD, porque entendemos que a porta de entrada na jota deve ser por via da participação nas escolas e nas universidades. É nossa intenção que o ensino e o associativismo académico sejam a principal escola de quadros da JpD. Nossa ideia não é partidarizar as associações, mas queremos que os nossos jovens comecem a ganhar experiência e o gosto pelas acções cívicas desde muito cedo nas escolas.

Acha que faz sentido haver agremiações da juventude junto dos partidos políticos, no figurino actual do funcionamento dos partidos?

Sim. As agremiações da juventude fazem todo o sentido. A JpD passou, em 2013, por uma profunda restruturação e foi adaptada aos novos tempos. Entendemos na altura que o modelo que tínhamos anteriormente já não dava respostas aos novos desafios da juventude. Também baixamos a idade máxima para se estar na jota. Fizemos isso, porque agora já temos várias universidades no país e é necessário criar espaços para que os jovens universitários possam ter palcos para darem as suas contribuições.  Passamos a ter uma estrutura mais leve e mais funcional, entre outras medidas. A jota não deve ser uma mera caixa-de-ressonância do partido e nem uma simples “dadora” de recados do partido. Temos o nosso campo próprio de atuação, definimos a nossa própria agenda que visa resolver as grandes questões da juventude cabo-verdiana, apostando na formação cívica e política, nos debates de ideias, em trazer temas fraturantes para o debate juvenil e estar sempre na linha da frente na defesa dos interesses da juventude. São os nossos propósitos para próximos tempos, ou seja, ocupar o nosso verdadeiro espaço e resgatar o verdadeiro espírito da JpD.

Os partidos, sendo donos de recursos, não acabam sufocando as reivindicações e programas das associações juvenis, sobretudo quando as posições de uns e outros não combinam?

A nossa relação com o MpD, que é o nosso partido e com quem comungamos os princípios e valores políticos e ideológicos, é uma relação muito bem definida e consolidada. A autonomia da jota está consagrada nos nossos estatutos e é prática consolidada na própria atitude do partido para com a JpD. Mas o MpD tem todo interesse em ter uma jota forte, mobilizadora, de excelência, combativa e capaz de acrescentar valor não só ao partido mas também a Cabo Verde. Por isso, mesmo sendo a financiadora da jota e de articularmos sempre, não tenta condicionar as acções e as revindicações da JpD. Mas é lógico que, fruto da nossa boa organização interna relacional, temos constantemente articulações e concertações para que possamos ser uma voz una na resolução dos problemas da juventude cabo-verdiana.

Quais são as principais linhas de força das suas acções enquanto presidente da JpD?

As linhas principais da minha atuação vão ser aquilo que escrevi na minha moção, que para além de operacionalizar as estruturas internas e pôr a jota a funcionar em rede e como sistema, vai ser contribuir com ideias para empoderamento dos jovens, combater o uso abusivo de álcool e outras drogas. Mas também lutaremos para que as questões das dívidas dos estudantes nas universidades sejam resolvidas, bem como estamos a fazer contactos junto do Governo para ver a possibilidade do reconhecimento imediato dos diplomas obtidos pelos estudantes cabo-verdianos no exterior, que pode ser feito tanto através do bloco normativo interno de Cabo Verde ou por via de acordos bilaterais com os Estados em causa. Esta nossa luta para esse reconhecimento automático visa fundamentalmente eliminar tanto os custos financeiros para jovens à procura do primeiro emprego, bem como o custo de uma oportunidade perdida por falta dessa equivalência. Lutaremos, também, para que haja uma política de bonificação de juros, que beneficiem os jovens com menos de 35 anos no acesso ao crédito à habitação. Por fim, estaremos sempre na linha da frente na defesa dos demais interesses dos jovens.  

Gerir a juventude é tido como complicado, na medida em que os jovens são a maioria da população e exigem muito de um país. Que avaliação faz da política da juventude desenvolvida pelos sucessivos governos de Cabo Verde, desde a independência?

A tarefa de avaliar as políticas da juventude desenvolvidas nos últimos 42, deixo para os analistas e historiadores. Todavia, nos últimos 6, 7 anos, as políticas foram desastrosas. O governo anterior castrou as esperanças dos Jovens, jogando-os no desemprego e as melhores propostas que conseguiram apresentar foi convidar-nos a “djuguta” na venda de pasteis e canjas.  Agora com o novo Governo estamos convictos que a tendência irá mudar para que possamos ter mais emprego e mais condições de vida e de felicidade para os jovens. E nós da JpD estaremos vigilantes e a fiscalizar o cumprimento dos compromissos assumidos, mas também contribuiremos sempre com as nossas propostas.

Acha que o programa do actual Governo para o sector da juventude satisfaz as necessidades e os anseios dos jovens?

Sim. O governo tem um programa ambicioso para o sector da juventude e a sua materialização vai trazer ganhos enormes para o país. Já há sinais claros de uma inversão de tendência por parte deste Governo, bem como programas claros de empoderamento dos jovens e das suas ideias, no sentido de resolver uma pesada herança dos 16 anos de políticas desastrosas para a Juventude, que é o desemprego jovem.

Se fosses tu o primeiro-ministro de Cabo Verde, como é que resolveria o problema do desemprego jovem? Tem alguma receita específica para este grande desafio nacional?

Para resolver a questão do desemprego jovem, primeiro de tudo temos que apostar numa juventude de excelência, capaz de competir neste mundo cada vez mais globalizado e sem fronteiras. Ou seja, fazer bem aquilo que sabemos. Para isso há um conjunto de reformas que tem que ser feita, desde o nosso sistema educativo (do básico ao superior) que no meu entender não está vocacionado para o mercado de trabalho, é necessário flexibilizar a legislação laboral para incentivar a contratação dos jovens por parte das empresas, fomentar a cultura de empreendedorismo, massificar os estágios profissionais para podermos ter uma juventude de excelência. Outra importante medida que a JpD considera fundamental para resolver o problema do desemprego jovem em Cabo Verde, é criar espaço, preferir e fomentar a entrada do sector privado no campo económico, como principal gerador de riqueza nacional e de postos de emprego, para inverter a tendência do Governo anterior, que pensou que o motor da economia é o Estado e que fez do Estado o melhor empregador. Sem falar na adoção de políticas de costas voltadas para o tecido empresarial nacional. E o atual Governo já deu sinais de abertura para com o sector privado, por ser o sector que, por excelência, cria postos de emprego.

Acha que os jovens cabo-verdianos são dinâmicos e empreendedores?

O empreendedorismo em Cabo Verde foi utilizado como chavão nos últimos anos, mas teve pouca consequência na prática. Disseram-nos que era necessário empreender, mas o que assistimos era um grande número de empresas a serem criadas e a falirem ao mesmo tempo. 

Porquê?

Não obstante ainda não sermos tão empreendedores como era desejado, é verdade também que havia falta de instrumentos de apoio financeiro e técnico, e incentivo aos empreendedores.

És certamente daqueles que defendem que os jovens devem participar na política partidária. Como é a vida de um jovem político, do ponto de vista social? Como é visto na sociedade e no seio de outros jovens

É logico e percetível um certo descredito na política e do político na presente conjuntura. Porém, é uma tendência que deve ser invertida. Defendo que os jovens devem entrar na política sim e estar na linha da frente na defesa dos interesses colectivos e também contribuir com as suas ideias para o desenvolvimento do país. Do ponto de vista social as opiniões das pessoas não são unanimes, no entanto, penso que a acção política do jovem de hoje deve ser pautada pelos valores do trabalho, do esforço, do mérito e da excelência, por forma e evitar uma aquisição de ideias negativas relativamente ao objecto dinâmico e em permanente evolução, característico da própria acção política. Pelo que urge começar a repensar a política, repensar a forma de fazê-lo, e esperar que os que nela entram o façam em nome dos interesses do povo, com o povo e para o povo e não com interesses elitistas e/ou meramente pessoais. 

Tem algum conselho para deixar aos jovens cabo-verdianos?

Aconselho os jovens a serem proactivos, participativos, tolerantes e de causas. Lutem sempre pelas coisas que acreditam que é o melhor. E que sejamos uma juventude capaz de resgatar os nobres valores do trabalho, do pudor, da responsabilidade e da família enquanto pilar de uma sociedade.

E aos jovens da JPAI, seu adversário directo?

Que coloquem sempre a juventude cabo-verdiana acima de tudo.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine