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Governação e suas metáforas
Editorial

Governação e suas metáforas

Uma no cravo e outra na ferradura. O governo canta de júbilo e o povo grita de sofrimento. As metáforas da governação, em muitos casos, provocam mais males que a corrupção e os seus tentáculos, porque frustram sonhos, arruínam expectativas e ludibriam a nação.

Os governos existem porque existem um povo e um território para serem governados. Seja qual for o modelo de governação, ou o sistema político que o sustenta, a finalidade do processo governativo é o bem-estar colectivo. Nenhum governo, por mais déspota e sanguinário que for, alguma vez assumiu, seja de forma clara ou subentendida, que o seu objectivo é aprisionar o povo, condicionar a sua liberdade, desprezar os seus direitos.

Todas as ditaduras do mundo afirmaram-se como governos defensores do povo e do bem-estar colectivo, até os dias de hoje.

O estado social, enquanto discurso, é defendido em todos os regimes políticos. Da direita xenófoba e capitalista à esquerda conservadora e socialista, os fundamentos do estado social preenchem programas e projectos de ditadores, comunistas, progressistas, democratas e socialistas.

Porque isto aqui, mais do que conceitos, são discursos, conversas, entretenimentos, para se atingir o poder e ali manter, a todo o custo. É, no limite, a governação e suas metáforas.

Pois, é! O processo governativo tem sido, não raras vezes, uma metáfora violenta, sádica, traidora, para eterna condenação de povos e nações. A crise por que passa o mundo moderno é, sobretudo, uma crise das governações e dos governos.

O governo, o povo e o território são membros de um corpo só. E é nesta condição é que devem identificar-se e afirmar-se como actores principais de todo o processo de desenvolvimento.

Porém, o que recorrentemente tem acontecido é precisamente o contrário – um grande fosso entre os interesses do governo e os interesses do povo. E instala-se o diálogo de surdos, enquanto o processo de desenvolvimento é adiado e a qualidade de vida das famílias se agrava, com consequências imprevisíveis na paz social e na autoestima colectiva.

Por exemplo, é de uma violência inqualificável o que está a passar à volta do programa de salvamento de gado em Cabo Verde. O governo diz que mobilizou 10 milhões de euros para mitigação dos efeitos da seca no país, assumindo que uma grande fatia deste dinheiro vai ser alocada ao programa de salvamento de gado.

Entretanto, todos os dias aparecem nos órgãos de comunicação social criadores de gado a lamentar pela falta de apoios para salvar o seu gado. Por todo o interior de Santiago os criadores afirmam que nada viram do programa de salvamento de gado do governo, entre outras queixas, e o governo, por sua vez, insiste que já disponibilizou fundos junto de organizações de microcréditos e outras entidades da sociedade civil para salvar o gado.

As organizações do microcrédito, por seu turno, mandam recados ao governo e aos criadores que os fundos disponibilizados esgotaram-se em menos de uma semana e que precisam de mais dinheiro para responder à demanda.

Apesar das informações de que os fundos disponibilizados são manifestamente insuficientes para a demanda, os criadores, na sua grande maioria, não conseguem ter acesso ao crédito, porque não preenchem os requisitos básicos exigidos para o efeito.

Assim, restam-lhes o benefício dos vales cheques, mas estes só servem àqueles que possuem alguma poupança. Porquê? Um vale cheque tem valor facial de 300 escudos, porém um saco de ração custa mil e 480 escudos, pelo que um criador terá que mobilizar mais mil e 180 escudos para comprar um saco de ração. Neste momento, poucos têm essa possibilidade, porque a mesa familiar exige também a sua parte, comer é preciso!

E se, de acordo com as informações tornadas públicas, o programa de salvamento de gado não esteja eventualmente a cumprir os seus objectivos, a quem cabe resolver o problema, corrigir potenciais desvios?  Em quem acreditar? Nos homens do campo, ou no governo? O governo diz uma coisa, os criadores dizem outras. Neste tira teimas, a quem pertence o ónus da prova?

A direcção

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Redação