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A imortalidade em tempos de pandemia. Apontamentos avulsos de um confinado por mor da vigente situação de calamidade pública sanitária VI
Cultura

A imortalidade em tempos de pandemia. Apontamentos avulsos de um confinado por mor da vigente situação de calamidade pública sanitária VI

SEXTAS E PENÚLTIMAS ANOTAÇÕES ELABORADAS, SISTEMATIZADAS E COMENTADAS EM MODO VAGAMENTE ENSAÍSTICO PARA A VEEMENTE E DESCOMPLEXADA LOUVAÇÃO DO COSMOPOLITA BILINGUISMO DO POVO CABOVERDIANO

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Como é sabido, são considerados e normalmente tidos por bilingues os caboverdianos das ilhas e diásporas, mesmo se a maior parte deles continue ainda a manter-se sujeita aos nefastos e contraproducentes efeitos da situação sociolinguística de diglossia que ainda se continua a viver no país, por mor da teimosa incompreensão de alguns decisores políticos colocados em cargos ministeriais de grande relevância e da sua (in)compreensível teimosia em não cumprir a Constituição da República de Cabo Verde e outras pertinentes Leis da República, com destaque para a Lei de Bases do Sistema de Ensino e as suas sucessivas actualizações, introduzindo e/ou formalizando e consolidando o ensino bilingue português-caboverdiano nos estabelecimentos escolares do país (mas, nunca por nunca, boicotando, sabotando, neutralizando, desfeiteando, esvaziando, liquidando, extirpando ou extinguindo o mesmo ensino bilingue).

   Segundo o modelo experimentado pela professora Ana Josefa Cardoso, aliás, com grande sucesso, tanto em Portugal (em Vale de Amoreira, na Região da Grande Lisboa), como em Cabo Verde (nas ilhas de Santiago e de São Vicente), esse mesmo ensino bilingue deve ter como língua segunda o português (língua oficial plena e, por isso também, considerada histórica e sociolinguisticamente uma das duas línguas de Cabo Verde) e, necessariamente e sem quaisquer castas de entraves, obliterações ou tergiversações, como língua primeira o caboverdiano, porque língua materna da generalidade dos caboverdianos.

   Deste modo, a titularidade dos cargos ministeriais acima referidos vem-se revestindo de enorme importância para as questões agora em pauta porque directamente ligados ao ensino, à educação e à cultura. A mais recente mudança de governos verificada com a alternância democrática resultante das eleições legislativas de Março de 1916 com a correspondente mudança dos titulares das pastas da educação e do ensino superior revelaram isso mesmo e provaram-se como tendo consequências imediatas de grande importância no tratamento das problemáticas da diglossia e do bilinguismo, ainda assimetricamente partilhados entre a língua portuguesa e a língua caboverdiana, com nítido e escandaloso saldo negativo para a introdução e a prossecução do ensino bilingue português-crioulo caboverdiano no nosso sistema educativo.  

     Outro, muito diverso, e, aliás, assaz louvável, tem sido o posicionamento do actual titular da pasta ministerial da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Abraão Barbosa Vicente.

   Com efeito, e tal, como, aliás, o anterior Ministro da Cultura, Manuel Monteiro da Veiga, e alguns (re)conhecidos, assumidos e prosélitos Alupecadores, também considerados dos melhores cultores da língua portuguesa em Cabo Verde e em outras vastas partidas do mundo lusófono, e não só, o mesmo Ministro tem-se evidenciado como um intrépido defensor do bilinguismo caboverdiano e da consequente (co) oficialização da língua caboverdiana em programada paridade (inicialmente, tão-somente político-simbólica) com a língua portuguesa, que já é - e desde há muito goza do estatuto de - língua oficial plena da República de Cabo Verde.

   Por outro lado, almeja-se, segundo o Ministro, e pretende-se, a breve trecho, fazer uma ampla e sustentada promoção da língua caboverdiana com o fito de lograr a elevação do nosso idioma nacional crioulo a património cultural imaterial de Cabo Verde enquanto língua materna dos caboverdianos e expressão linguística da cultura nacional do povo caboverdiano, acrescendo a isso ainda o seu papel de língua identitária transnacional dos caboverdianos no mundo todo e inteiro, porque insubstituível e insubmergível elo de ligação entre o povo das ilhas e as suas diásporas e entre as comunidades diaspóricas caboverdianas de todos os países de acolhimento onde as mesmas estão radicadas.

O BILINGUISMO CABOVERDIANO NAS ILHAS E NAS DIÁSPORAS COM BREVE CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO CABOVERDIANA DO PONTO DE VISTA SOCIOLINGUÍSTICO

   Tanto mais que o bilinguismo caboverdiano se actualiza nas ilhas e nas diásporas de forma assaz diferenciada.

     Com efeito, e em síntese panorâmica: nas ilhas, o bilinguismo caboverdiano faz-se presente com as chamadas duas línguas de Cabo Verde, isto é, entre, por um lado, o português, enquanto i. língua plenamente oficial desde o período colonial e, sublinhe-se, tendo-se-lhe reconhecido e mantido esse mesmo estatuto com a conquista/obtenção da independência nacional de Cabo Verde, ii. principal instrumento do labor literário, científico e cultural dos autores e iii. alfaia imprescindível para os oficiantes em geral nos trabalhos da escrita (escritores, escribas e escreventes de quaisquer ocupações e profissões); e, por outro lado, o crioulo caboverdiano, enquanto i. língua nacional identitária dos caboverdianos de todas as categorias sociais, de todas as identificações raciais, de todas as ilhas e de todas as diásporas, e ii. língua materna co-oficial da República de Cabo Verde e em processo de almejada e programática oficialização plena em paulatina e segura paridade com o português.

     Nas comunidades caboverdianas radicadas nas diásporas, o bilinguismo caboverdiano assume aspectos assaz multiformes:

     Enquanto que nos países lusófonos de acolhimento das comunidades caboverdianas e, muitas vezes também, pátrias natais de acolhimento dos seus descendentes, o bilinguismo caboverdiano continua a operacionalizar-se mediante a conjunção do português e da língua caboverdiana nas sua diferentes variantes dialectais insulares, nos países não-falantes do português e em que as línguas oficiais são outra línguas, note-se que predominantemente europeias, o bilinguismo caboverdiano consubstancia-se na conjugação do crioulo do povo das ilhas e diásporas com essas mesmas línguas oficiais/dominantes, designadamente: o inglês, nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Grã-Bretanha, na Austrália e em outros países anglófonos, designadamente caribenhos e africanos; o francês, em França e nos outros países e regiões francófonos, como o Senegal, a Côte d´Ivoire, o Gabão, os Congos, entre outros países africanos, o Quebeque e as Antilhas francesas, a Suíça francesa e a Bélgica francófona, entre outras regiões francófonas; o holandês, nos Países Baixos, na Flandres e nas Antilhas holandesas; o italiano, na Itália e na Suíça italiana; o alemão, na Alemanha, no Luxemburgo e na Suíça alemã; o castelhano (espanhol), em Espanha, nas Canárias, na Argentina, na Venezuela e em outros países (latino-) americanos de língua materna e/ou oficial castelhana; as línguas dominantes nas comunidades autónomas espanholas, tais o basco, o galego, o catalão, a par do castelhano/espanhol…

   Anote-se que parece constituir tendência geral nas diferentes comunidades diaspóricas caboverdianas a aquisição dessas línguas oficiais e/ou dominantes (português, inglês, francês, alemão, wolof senegalês, forro santomense, lingala congolês, crioulo (bissau-) guineense, galego, catalão, basco, etc.) como língua materna, língua co-materna ou, pelo menos, língua segunda e/ou terceira das várias gerações de descendentes de caboverdianos nascidos e/ou crescidos nessas suas doravante consideradas pátrias natais de acolhimento, podendo-se agregar nesses processos de aquisição, diversificação e enriquecimento linguístico-culturais e consubstanciados na bi(multi)linguização, multiculturização e hibridização identitária das comunidades diaspóricas caboverdianas outras línguas étnico-nacionais desses países ainda que sem estatuto de língua oficial (como são os casos do wolof senegalês, do crioulo (bissau-) guineense, do forro santomense e do lingué principense, do lingala congolês e do swahili multinacional, estas duas últimas também correntes como línguas francas em vários países africanos, incluindo Angola, Moçambique, a Tanzânia, o Quénia e os Congos; do espanhol das comunidades latino-americanas (também denominadas hispânicas) radicadas nos Estados Unidos da América ou importantes línguas de cultura e comunicação em alguns Estados federados desse grande país que acolhe a maior e mais antiga comunidade caboverdiana das nossas diásporas.

Interessante é que o bilinguismo característico das ilhas, e no qual ressalta, como já referido, o desestruturante papel da diglossia como principal factor sociolinguístico impeditivo da co-oficialização plena da língua caboverdiana e da sua introdução no ensino, tem como consequências mais evidentes na caracterização da população protagonista desse mesmo bilinguismo:

a) a classificação de uma parte da população como efectivamente bilingue, dominando com suficientes proficiência e performance linguísticas ambas as chamadas duas línguas de Cabo Verde;

b) a classificação de uma outra parte da população como imperfeitamente bilingue, pois que com fraco, deficiente ou insuficiente domínio (sobretudo escrito) do português, que além de língua oficial, é também língua de escolarização primária e em todos os níveis de ensino, incluindo o secundário e o universitário;

c) a classificação de uma terceira parte da população como efectiva e exclusivamente monolingue na língua caboverdiana.

Essa situação sociolinguística tem consequências importantes na estruturação do bilinguismo caboverdiano nas comunidades da diáspora, na medida em que, em se tratando de comunidades integradas por trabalhadores com nulo ou baixo nível de escolarização aquando da sua emigração, não se assiste à reprodução do bilinguismo português-caboverdiano nas terras de acolhimento, a não ser que se trate de países falantes (oficiais ou não) do português e esses emigrantes se vejam e se sintam obrigados a adquirir competências linguísticas na língua portuguesa desses países lusófonos do seu acolhimento, todavia em grande medida de forma elementar, incipiente e periclitante e, em regra, tão-somente no plano oral da comunicação.

   No caso de os emigrantes serem efectivamente bilingues ou terem um domínio razoável ou considerável do português em função do seu médio ou elevado nível de escolarização em português adquirido no país natal antes de encetado e concretizado o processo de emigração, o bilinguismo português-caboverdiano tende a emigrar com eles, permanecendo o português como língua da comunicação escrita com os concidadãos caboverdianos das ilhas e das diásporas e de generalizado acesso aos bens culturais não marcados pela tradicionalidade caboverdiana, incluindo a de feição e teor eruditos, mesmo nos casos de surgimento, expansão e consolidação de outras modalidades de bilinguismo entre o crioulo e outras línguas maioritárias/dominantes nos países de acolhimento que não o português. É o que se pode verificar, por exemplo, nos Estados Unidos da América, país no qual reside, como já se referiu, a mais numerosa e a mais antiga comunidade caboverdiana diaspórica do mundo e se tem verificado tendências contraditórias no desenvolvimento do bilinguismo: por um lado, a notável manutenção da identidade cultural caboverdiana, em aspectos fulcrais, como os relacionados com a língua, a música, a dança e a gastronomia e o desenvolvimento pioneiro e com apoio e incentivos oficiais do ensino bilingue inglês-crioulo e, por outro lado, a manutenção das tradições elitistas do uso do português em espaços formais de comunicação e de veiculação de hábitos e tradições culturais e de que constitui ilustração elucidativa o surgimento de algumas revistas e publicações culturais caboverdianas de feição assumidamente lusófona, como, por exemplo, a revista literária e cultural Arquipélago, muito ligada a antigos funcionários caboverdianos do quadro ultramarino da administração pública colonial portuguesa.

   Essa situação pode ser ainda verificada em outros paragens, como, por exemplo, na Itália, país onde reside uma comunidade caboverdiana de perfil eminente e tradicionalmente feminino e no seio da qual a Escola Portuguesa de Roma desempenhou e vem desempenhando um importante papel, sobretudo nos domínios da superação e da educação escolares, veiculadas em língua portuguesa. Muit@s caboverdian@s integrantes dessa comunidade diaspórica e emigrad@s das ilhas para o país transalpino puderam ter acesso ao ensino superior universitário graças à sua frequência da Escola Portuguesa.

ESCRITORES CABOVERDIANOS BILINGUES LITERÁRIOS EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA CABOVERDIANA

     Tal como referido em geral para o povo das ilhas e diásporas, é igualmente bilingue parte considerável dos grandes escritores, letrados e estudiosos caboverdianos, tanto os mais antigos, como António da Paula Brito, autor da primeira gramática da língua caboverdiana, publicada em versão bilingue crioulo-português nos finais do século XIX (1887) pela Sociedade de Geografia de Lisboa; o Cónego António Manuel da Costa Teixeira, tradutor para o crioulo de excertos de Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões; Eugénio da Paula Tavares, celebrado autor de mornas, incluindo algumas vazadas em português, tais “Mar Eterno” e “Camponesa Formosa”, e tradutor para o crioulo do famoso poema camoniano “Endecha para a Bárbara Escrava”; Pedro Monteiro Cardoso, acérrimo defensor do idioma caboverdiano e autor de vários poemas em crioulo, constantes de alguns dos seus livros e de jornais de que foi assíduo colaborador, como, por exemplo, A Voz de Cabo Verde e Manduco; João José Nunes, autor de poemas em crioulo, constantes de alguns dos seus livros; Juvenal Cabral, autor de Bejo Caro, poema em crioulo publicado em forma de folheto; Armando Napoleão Fernandes, autor de uma importante recolha do espólio lexical em crioulo de todas as ilhas de Cabo Verde, iniciada nos anos vinte do século XX, mas infelizmente somente publicada nos anos noventa do mesmo século;

mas também Jorge Barbosa e Manuel Lopes, autores de esparsos poemas em crioulo; Baltasar Lopes da Silva, autor da monumental obra O Léxico Crioulo de Cabo Verde e de inúmeros ensaios sobre o idioma das ilhas, com destaque para “Notas sobre a Linguagem das Ilhas” e “Uma Aventura Românica nos Trópicos”, ambos publicados na revista Claridade; Sérgio Frusoni, autor de Vangêle Contóde de Nós Moda (tradução para o crioulo, na variante da ilha de São Vicente, da recriação em dialecto romano do Novo Testamento) e do livro bilingue de poemas em crioulo (incluindo vários sonetos), acompanhados da sua respectiva versão em português, publicados pelo malogrado Professor Mesquitela Lima no livro A Poética de Sérgio Frusoni-Uma Análise Antropológica; Mário Macedo Barbosa, autor de inúmeros poemas em crioulo, muitos deles musicados nos géneros mazurca e talaia-baxo; Arnaldo França, tradutor para português de poemas em crioulo de Corsino Fortes e tradutor para crioulo de poemas de Fernando Pessoa e David Mourão-Ferreira, alguns publicados com o pseudónimo Guedes Brandão em Xatiadu Si, folha cultural editada na cidade da Praia, elaborada exclusivamente em crioulo e dirigida pelo ferrenho crioulista e pan-africanista António (Tony) Pires; Luís Romano, autor de vários poemas em português e em crioulo (por exemplo, do poema “Té log”), do livro bilingue intitulado Negrume/Lzimparim e da antologia de poesia bilingue crioulo-português intitulada Contravento; Gabriel Mariano, autor de vários poemas em crioulo publicados na revista Claridade, alguns depois musicados por Jacinto Estrela; Ovídio Martins, autor de vários poemas em crioulo, constantes de vários livros da sua autoria, alguns reeditados postumamente; de Jorge Pedro Barbosa, autor de alguns poemas em português e de emblemáticos poemas em crioulo, tais como “Djon Pó di Pilon”, “Nha Tabaquero” e “Mudjer di Hoji”; Virgílio Pires, autor de alguns poemas em português e em crioulo, incluindo “Reminiscência” e “Es sai fépo”; Corsino Fortes, autor de alguns dos mais emblemáticos poemas em crioulo, constantes dos seus três livros de poesia publicados, como, por exemplo, “Recode d´Humbertona”; Arménio Vieira, autor de alguns poucos poemas em crioulo, tendo-se também tornado involuntário (e quase anónimo) letrista porque autor do célebre poema “Canta co alma sem ser magoado”, musicado por Pedro Rodrigues e Paulino Vieira, a quem, aliás, foi erradamente atribuída a autoria do poema/letra, em vez de, como correctamente, os arranjos musicais) e magistralmente interpretado nas vozes de Bana, Maiúca Marta, Nhonhô Hopffer, no disco Frederika Santa Maria e em dueto com Calú Bana; Kwame Konde (pseudónimo do médico e dramaturgo Francisco Fragoso), autor do livro bilingue de poesia intitulado Korda Kaoberdi….

   Os períodos pós-25 de Abril de 1974 e pós-colonial são marcados positivamente pelo enriquecimento da literatura caboverdiana com a valorização do crioulo caboverdiano e a alavancagem social, política e sociolinguística do seu estatuto a património cultural e língua nacional identitária dos caboverdianos, constante, aliás, do programa maior do movimento binacional de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, o PAIGC, ainda com a denominação, corrente na época, de dialecto crioulo (como também se pode constar nos títulos da obra monumental de Baltasar Lopes e da tese de licenciatura de Dulce de Oliveira Almada (a futura Dulce Almada Duarte) sobre o idioma caboverdiano), mantendo-se o português ileso e incólume no seu estatuto, numa primeira fase pós-colonial, de única língua oficial e, posteriormente e até aos dias de hoje, de única língua oficial plena (em virtude/apesar da co-oficialização, ainda que meramente semântica, da língua caboverdiana, com a revisão constitucional de 1999), bem como de língua de ensino e escolarização nos vários níveis dos sistemas formais de educação, e, conexo com isso, a emergência de vários novos escritores bilingues, de entre os quais cabe destacar: Artur Vieira, autor de vários poemas em crioulo constantes dos livros bilingues da sua lavra, bem como da peça de teatro em versão bilingue Matilde-Viagi di Distino/Matilde-Viagem do Destino; Osvaldo Osório, autor de uma vasta obra poética e ficcional lusógrafa bem como de Cantigas de Trabalho, livro de recolha de tradições orais caboverdianas vazadas em crioulo, publicou no suplemento cultural Ariópe do jornal independentista Alerta o seu único poema conhecido em crioulo intitulado “Konde lienação tava mandá na gente”; Ivone Ramos, ficcionista bilingue, autora de versões em crioulo de alguns dos contos da sua autoria lavrados em português; Donaldo Macedo, autor do livro de poesia em português Cabo Verde no Coração e da peça teatral em crioulo intitulada Descarado, é natural da ilha Brava, de onde emigrou ainda adolescente para os Estados Unidos da América, acompanhando os pais e após ter frequentado o Liceu Gil Eanes, na ilha de São Vicente, tendo-se doutorado em Psicolinguística e Crioulística com foco no Crioulo de Cabo Verde e tornado um professor universitário prestigiado, especialista nas problemáticas do ensino bilingue inglês-crioulo caboverdiano e autor de uma vasta obra científica e de divulgação nos domínios da crioulística e da pedagogia, bem como nas áreas da discriminação racial e da exclusão social, obra essa redigida essencialmente em inglês mas também em português, tendo colaborado estreitamente com o pedagogo brasileiro Paulo Freire, de cuja obra foi tradutor para o inglês; David Hopffer Almada, autor de alguns poemas em crioulo, constantes dos seus livros de poesia; Kaká Barboza (nominho, pseudónimo e nome artístico de Carlos Alberto Lopes Barbosa, recentemente falecido), renomado músico e compositor e autor de uma importante obra literária bilingue e que se consubstanciam nos seguintes livros de poesia e ficção narrativa: Vinti Xintido Letrado na Kriolo, Son di ViraSon, Konfison na Finata, Terramaiamo, Gaveta Branca, Sonhos Cantantes-Terra Eleita, Cântico às Tradições, Descantes da minha Ribeira; Manuel Veiga, autor de Odju d´Águ, o primeiro romance escrito em língua caboverdiana, bem como de um livro científico no domínio da linguística do crioulo, escrito inteiramente em crioulo e intitulado Diskrison Strutural di Língua Kabuverdianu, de um Dicionário Português-Caboverdiano e de uma vasta obra científica e ensaística em português e em francês sobre problemáticas atinentes à língua, à literatura e à cultura caboverdianas; T. V. da Silva, autor da colectânea de contos em crioulo intitulada Natal y Kontus, de inúmeros poemas em crioulo, integrantes dos seus livros de poesia em crioulo e, por vezes, bilingues, bem como de uma colectânea de ensaios escritos exclusivamente em língua caboverdiana; Viriato Gonçalves, autor do livro de poesia bilingue português-crioulo intitulado Grito; Eutrópio Lima da Cruz, autor do segundo e do terceiro romances em língua caboverdiana intitulado Perkurse de Sul d´Ilha (existindo uma tradução para o português feita pelo próprio autor, mas ainda não editada) e Ta Rondâ Degradasons ma Speransas (escrito originalmente em língua portuguesa com o título Azimutando Degradações e Esperanças e traduzido e editado em língua caboverdiana), sendo os primeiros romances escritos na variante da ilha da Boavista; Viriato de Barros, romancista lusógrafo com várias obras publicadas, professor de língua caboverdiana, autor da versão em crioulo (Sonhu Sonhadu) do livro de poemas Sonho Sonhado, de Carlota de Barros; Fernando Monteiro, autor de alguns contos em crioulo, integrantes da colectânea À Roda do Sexo, o seu mais recente livro de contos, publicado postumamente; Mário Matos, autor de poemas em crioulo, ainda em grande parte inéditos; Canabrava (pseudónimo do já falecido Pedro Vieira, mais conhecido pelo seu nominho Pirex), autor de alguns poemas em crioulo, constantes das colectâneas Aulil (de poetas e prosadores residentes na ilha do Sal) e Mirabilis-De Veias ao Sol (Antologia Panorâmica dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos), bem como das revistas Ponto & Vírgula, onde se estreou, do suplemento literário-cultural Voz di Letra do semanário Voz di Povo, das revistas Dja d´Sal e Fragmentos; José Luís Hopffer C. Almada, autor de inúmeros poemas em crioulo, de entre os quais os integrantes do sexto caderno, intitulado “Ta Madura na Spiga”, de À Sombra do Sol (Seis Cadernos de Poesia), a sua primeira obra publicada, em 1990, em dois volumes simultâneos; Filinto Elísio Correia e Silva, tradutor da obra Morreste-me do escritor português José Luís Peixoto para o crioulo com o título Bu More-m; Danny Spínola, autor de uma importante obra poética, ficcional e de divulgação cultural em português e em crioulo, autor de versões em crioulo de obras de lavra própria e de obras de outros autores, como Capitão Ambrósio, de Gabriel Mariano, ou A Invenção do Amor, de Daniel Filipe, publicadas originalmente em português; José Luiz Tavares, autor de versões em crioulo de originais seus publicados em português, com destaque para o livro de poemas Paraíso Apagado por um Trovão, autor de traduções em diversas versões para o crioulo de sonetos de Camões, constantes da edição bilingue Ku ki Vos/Com que Voz, de poemas de Fernando Pessoa, como, por exemplo, Ode Marítima e Ode Triunfal, bem como de uma ainda inédita Antologia de Dez Poetas Caboverdianos (Mais Um) Traduzidos para o Caboverdiano, etc.; Ariki Badiu Branku (pseudónimo do malogrado Henrique Lopes Mateus), em período anterior à sua definitiva radicação em Cabo Verde conhecido pelo nominho e pseudónimo Ariki Tuga, em razão da sua origem portuguesa e com que assinou a sua primeira obra literária em crioulo, intitulada Sen Mantxontxa, tendo o mesmo emigrado já adulto para Cabo Verde, onde se fixou no interiorâneo sítio santiaguense do Monte Negro, deslocando-se à cidade da Praia diariamente para trabalhar no Departamento de Tradições Orais do Instituto Nacional da Cultura, onde viria a publicar o livro Kunba, tendo ademais participado na colectânea Mirabilis- de Veias ao Sol (Antologia Panorâmica dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos) com poemas em crioulo e em português, assinados, respectivamente, com o pseudónimo Badiu Branku e com o seu nome próprio português Henrique Lopes Mateus; Armindo Tavares, autor de inúmeras peças bilingues de teatro; Silvino Évora, autor do livro bilingue de poemas em português e em crioulo intitulado Rimas no Deserto, tendo também organizado uma Antologia dos Poetas do Tarrafal; Madalena Brito Neves, autora do livro Flor de Basalto, de poemas em português e em crioulo; Luís Lima, autor do livro Dôr di nha dôr, de textos versificados em crioulo e respectivas versões em português, e de uns poucos textos também versificados vazados unicamente em português, alguns deles de inconfundível teor poético, a maior parte deles musicados por grandes músicos caboverdianos, designadamente Paulino Vieira, Ramiro Mendes, Toy Vieira e Vaiss, e interpretados por vozes conhecidas, algumas muito sonantes, como Cesária Évora, Bana, Ildo Lobo, Maria Alice, Nancy Vieira, Vaiss e Zenaida Chantre; da jovem poetisa Dicla Gonçalves, autora do livro em crioulo intitulado Kretcheu e publicado numa plataforma online. Anote-se que, apesar de o seu livro de estreia ter sido totalmente escrito em crioulo, a autora Dicla Gonçalves tem publicado textos em português e em crioulo, pelo que é seguramente uma autora bilingue literária…

BREVE PANORAMA DE ESCRITORES CABOVERDIANOS MONOLINGUES LITERÁRIOS EM CRIOULO E EM PORTUGUÊS COM OPORTUNO COMENTÁRIO DO ESTRANHO CASO DO POEMA/MORNA “DJA N CREBO MÁ N CA TA FLABO”

   É muito diverso e diferenciado o número de autores monolingues no domínio da literatura caboverdiana, sendo assaz diminuto o número de caboverdianos monolingues literários em crioulo e muito assinalável e em muito maior número os escritores caboverdianos monolingues literários em português.

     No reduzido rol de escritores monolingues literários em crioulo, destacam-se os nomes do poeta fundador da poesia caboverdiana da negritude crioula ou da afro-crioulitude constante do livro Noti, de Kaoberdiano Dambará (pseudónimo de Felisberto Vieira Lopes, conhecido advogado, também recentemente falecido); do poeta, trovador e dramaturgo Ano Nobo (nominho e pseudónimo de Fulgêncio Baptista, também chamado Sá de Bom-Jardim), autor de inúmeros poemas e letras de mornas, coladeras, funanás, valsas, sambas e batucos e bem-elaboradas peças de teatro, parte delas publicada na revista praiense Fragmentos e agraciada com o Prémio de Mérito Teatral do Centro Cultural Francês/Associação Mindelact; do poeta de grande e inaudita envergadura Emanuel Braga Tavares, autor de escassos mas marcantes poemas, muito conhecidos do grande público, tais "Kabral ka more" (publicado pela primeira vez no suplemento cultural Ariópe do jornal independentista Alerta e, depois, na antologia panorâmica de poesia africana O Canto Armado, organizado por Mário de Andrade), "Kanponês di Kanpu Largu" e "Gentis o Gentis (...) ", todos publicados na colectânea Mirabilis-de Veias ao Sol (Antologia dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos), para além de "Bingansa´l Kadabra", constante da colectânea Contravento, organizada por Luís Romano; do dramaturgo, encenador, actor e contador de estórias Horácio Santos (mais conhecido pelo seu nominho Lalacho), autor de vários contos em crioulo, publicados em revistas caboverdianas, como, por exemplo, a revista praiense Fragmentos, e também de peças de teatro também em crioulo, com destaque para Spingardas di Tia Karar (tradução para o crioulo da peça Die Gewhere der Frau Karahr/As Espingardas da Sra Karahr, de Bertold Brecht); do poeta Tinudu (pseudónimo de Celestino Duarte), autor do livro Kaubersu, de diversificada poesia escrita na variante de Santiago da língua caboverdiana; do poeta e cantautor tarrafalense Princezito, autor do livro Últimu Testamentu; da malograda poetisa também tarrafalense Eneida Nelly, autora do livro Sukutam; do poeta Xan (nominho e pseudónimo de Alexandre Conceição), autor do livro de poemas Na Boka Portu Pedra Badeju (inédito, há mais de vinte anos); do poeta Kaliostro Fidalgo (pseudónimo do malogrado poeta e contador de estórias Pedro Freire), autor de vários poemas e estórias em crioulo, publicados no Voz di Letra (suplemento literário e cultural do jornal Voz di Povo), na revista Fragmentos e na colectânea Mirabilis-de Veias ao Sol (Antologia Panorâmica dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos); do cronista Zizim Figueira (nominho e pseudónimo de José Figueira) que, antes do seu falecimento, publicou no jornal online Liberal, uma longa série de crónicas em crioulo, na variante da ilha de São Vicente, sobre episódios da sociedade e da vida mindelenses e que, a crer nos comentários dos leitores das mesmas, granjearam grande popularidade...

     Sublinhe-se, nesta concreta e precisa circunstância, que há um número assinalável de autores (em grande medida jovens) a fazer uso das redes sociais para efeitos de divulgação de poemas da sua lavra escritos em crioulo e, a mais das vezes, ortografadas com base num ALUPEC adaptado do crioulista Marciano Moreira, o qual renunciou totalmente ao uso de acentos e, seguindo à letra as recomendações do Forum da Praia, substituiu o tradicional y oficial do ALUPEC pelo i, como conjunção copulativa.

   Assinale-se, por outro lado, que muita poesia escrita em crioulo tem sido musicada, por vezes, pelos seus próprios autores, como, por exemplo, no caso paradigmático do recentemente falecido Kaká Barboza com os poemas “Téra Madrasta”, “Kor di Fodjada”, “Konjuntura”, “Dimokransa”, “Konjunturadu”, “Joana”, todos de inegável (e, por vezes, comovente) qualidade literária e musical.

   Autores outros existem que se assumem mais como músicos/compositores do que como poetas e, por isso, e compreensivelmente, consideram como meras letras de música, e não como verdadeiros poemas, os textos/letras das canções da sua lavra e que eles próprios musicam e, por vezes, interpretam. Sendo as letras da música caboverdiana de todos os géneros e de todas as ilhas e diásporas na sua esmagadora maioria, se não na sua quase totalidade, escritas tradicionalmente em crioulo, alguns desses letristas/compositores/músicos podiam ser perfeitamente alcandorados ao estatuto de poetas em língua caboverdiana, no sentido pleno e inteiro da palavra, em razão da inegável qualidade poética de algumas letras de canções da sua autoria, pese embora a intrínseca ligação dessas letras com a música em que se integram e na qual se apoiam. Seriam, com mais ou menos propriedade, os casos, por exemplo, de B. Lèza (Francisco Xavier da Cruz), Jorge Monteiro (também conhecido por Jotamonte ou Jorge Cornetim), Rodrigo Peres, Abílio Duarte, Manuel de Novas, Antero Simas, Betu (Adalberto Silva), Mário Lúcio Sousa, Norberto Tavares, Zezé di Nha Reinalda, Nhelas Spencer, Orlando Pantera... sabendo-se embora que, somente em raríssimos casos, se logra atingir o nível poético dos poemas/letras de Eugénio Tavares.                

     Foi o que aconteceu, por exemplo, com o poema “Dja n crebo, ma n ca ta flabo”. Entregue de forma sigilosa por Jorge Barbosa a Pedro Cardoso, este vate ficou convencido, ou, melhor, estava convicto que esse era um poema/morna da lavra genial de Eugénio Tavares e, por isso, publicou-o, em 1933, como sendo da autoria do grande lírico bravense no seu livro Folclore Caboverdeano, acreditando ser uma grande novidade e um inestimável serviço prestado aos inúmeros admiradores do génio musical e intelectual recentemente falecido a publicação de um poema/morna inédito do grande Eugénio Tavares. Afinal, laborara num grande erro. O poema era da autoria do próprio Jorge Barbosa que lho mostrara sem nada dizer sobre a autoria do mesmo. Desvendado pelo próprio Jorge Barbosa na página literária do jornal praiense O Eco de Cabo Verde, aliás, dirigida por Pedro Cardoso, no número seguinte à publicação do livro Folclore Caboverdeano, o lapso foi aceite e corrigido pelo autor desta marcante obra, mas o pior é que persistiu nas páginas desse mesmo livro, onde, aliás, fora detectado pelo verdadeiro autor da morna que, dando conta do erro em que involuntariamente fizera incorrer Pedro Cardoso, resolveu assumir de forma inequívoca e descomplexada a sua verdadeira e, por isso, inalienável condição de autor. O pior é que o erro na justa e devida atribuição da verdadeira autoria da famosa morna persistiu no tempo, mesmo na reedição do livro Folclore Caboverdeano, de Pedro Cardoso, promovida, nos anos oitenta do século XX, pela associação Solidariedade Caboverdeana, de Paris, com introdução de Luís Silva e um importante estudo prefacial de Alfredo Margarido, apesar de ter sido o próprio Pedro Cardoso a primeira pessoa a reconhecer o erro e a dar a mão à palmatória na praça pública da página literária de O Eco de Cabo Verde, andava ele então furibundo com os mal-amados bolchevistas literários que, alegadamente, queriam dar cabo do verso bem medido e metrificado do velho Camões e dos seus corifeus ilhéus e de que ele se sentia um humilde émulo. Não imaginava ele o que Jorge Barbosa andava a congeminar com o modernismo telúrico que viria a insuflar de forma duradoura na terra e nas criaturas caboverdianas...

   Mas, retomando à sempre controversa e apaixonante questão do bilinguismo caboverdiano.

   Como escritores caboverdianos monolingues literários em português podem ser referidos os casos de Guilherme da Cunha Dantas, Guilherme Ernesto (pseudónimo de Félix Lopes da Silva), Gertrudes Ferreira Lima (chamada A Humilde Camponesa), Luís Loff de Vasconcellos e de outros tantos escritores pré-claridosos, por vezes, irremissivelmente caídos no esquecimento.

     Entre os escritores pós-claridosos, neo-claridosos e anti-claridosos podem ser elencados os nomes de António Nunes, Maria Helena Spencer, Aguinaldo Fonseca, Amílcar Cabral, Nuno de Miranda, Orlanda Amarílis, Iolanda Morazzo, Onésimo Silveira, Jorge Carlos Fonseca, Vera Duarte, Mário Lúcio Sousa, Dina Salústio, Fátima Bettencourt, Carlota de Barros, Ondina Ferreira, Gualberto do Rosário, Joaquim Arena, Eugénio Inocêncio, entre muitos outros. E, entre estes muitos outros, certamente, temos também Germano Almeida!

OS CASOS ESPECIAIS DOS ESCRITORES CABOVERDIANOS CONJUGADORES DO BILINGUISMO LITERÁRIO PORTUGUÊS-FRANCÊS, CRIOULO/FRANCÊS E PORTUGUÊS-ESPANHOL E DO TRILINGUISMO LITERÁRIO PORTUGUÊS-FRANCÊS-INGLÊS

     Muito relevante no contexto de sinalização de escritores caboverdianos bilingues é a existência de autores que cultivaram uma obra bilingue vazada não nas tradicionais línguas literárias de Cabo Verde que são o português e o crioulo caboverdiano, mas o francês, o inglês, o espanhol e outras línguas, ensinadas como línguas veiculares ou estrangeiras nos estabelecimentos de ensino secundário de Cabo Verde (por exemplo, o latim no Seminário-Liceu de São Nicolau, o português, o francês e o inglês nos liceus do Mindelo e da Praia e, no período pós-colonial, nas demais escolas secundárias de Cabo Verde), ou funcionando como línguas veiculares nas escolas médias e superiores frequentadas pelos seus autores (o francês, o inglês, o espanhol, o alemão e o russo nas universidades de países francófonos, anglófonos, hispanófonos, germanófonos ou russófonos) ou línguas dominantes nos países de acolhimento das diásporas caboverdianas.

   São os casos de José Lopes, autor de uma importante obra poética em português, mas também autor erudito de poemas em francês, incluindo da obra Ombres Immortelles, de 1940, em inglês e, até, em latim; e, ainda, de Osvaldo Alcântara (pseudónimo literário de Baltasar Lopes da Silva para a escrita da poesia), autor de alguns poemas em francês; de Arménio Vieira, autor de alguns poemas em francês e em espanhol; de José Luís Hopffer C. Almada, autor de alguns poemas em francês; de Filinto Elísio Correia e Silva, também autor de alguns poemas em francês; de Jó Spínola (nominho e pseudónimo literário de Carlos Jorge Spínola), autor de um poema em espanhol, publicado na colectânea Mirabilis - de Veias ao Sol (Antologia Panorâmica dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos).

Muito especiais são os casos dos seguintes escritores:

i. Mário Fonseca, poeta de grande envergadura que vazou em francês a maior parte da sua poesia (Mon Pays et une Musique, La Mer à Tous les Coups, L´Odiferante Evidence de Soleil qu´est une Orange), tendo depois do seu regresso pós-colonial ao país natal retomado a escrita da poesia em língua portuguesa e publicado a obra Se a Luz é para Todos, o livro compilativo de toda a sua poesia anterior lusógrafa conhecida.

Deixou pelo menos inédito um livro de poesia em língua portuguesa intitulado Morrer Devagar, tendo-se anteriormente extraviado o livro de poesia O Mar e as Rosas, da sua autoria, no contexto repressivo da ocupação da sede lisboeta da Sociedade Portuguesa de Escritores pela polícia política portuguesa, a famigerada PIDE, por essa agremiação cultural ter atribuído o seu Grande Prémio de Literatura ao livro de contos Luuanda, de Luandino Vieira, isto é, do nacionalista angolano, na altura inquilino forçado do famigerado Presídio Político/Campo de Concentração do Tarrafal e identificado pelo seu nome civil José Vieira Mateus.

ii. João Manuel Varela, autor de uma muito importante obra no domínio da investigação científica, assinada com o seu nome próprio, bem como de uma relevantíssima obra literária e ensaística, para cuja assunção autoral usou vários nomes literários, os quais qualificava indistintamente como pseudónimos e heterónimos, designadamente:

a) João Vário, de cuja obra monumental Exemplos, desde há muito programada e anunciada pelo próprio autor como vindo a comportar um conjunto de doze livros, viria a publicar-se em vida do autor com o pré-anunciado título geral Exemplos e, sob a sua directa direcção e coordenação, mediante a reunião dos dez livros atribuídos a João Vário e dados à estampa até então (nesse ano editorial de 2000, pela Pequena Tiragem, editora pessoal de João Manuel Varela), incluindo oito em língua portuguesa (Exemplo Geral (1966), Exemplo Relativo (1968), Exemplo Dúbio (1975), Exemplo Próprio (1980), Exemplo Precário (1981), Exemplo Maior (1985) e Exemplo Coevo (1998) e dois em língua francesa (Exemple Restreint (1989) e Exemple Irréversible (1989), não tendo sido ainda editados os dois anunciados livros em língua inglesa e intitulados European Example e American Example.

b) Timóteo Tio Tiofe, com cujo nome literário publicou a obra poética O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha (2001, também pela Pequena Tiragem, editora pessoal de João Manuel Varela) e algumas Epístolas ao Meu Irmão António, designadamente a “Primeira” (sobre O Primeiro Livro de Notcha, editado em 1975, pela Gráfica do Mindelo), a “Segunda” (sobre Pão e Fonema, de Corsino Fortes, com incursões a obras de outros literatos caboverdianos) e a “Oitava” (de réplica ao que denomina “desacertos da crítica”) e inseridos na mesma obra de poesia atribuída a esse nome literário.

  1. c) T. Didial, com cujo nome literário publicou a obra ficcional constante do romance O Estado Impenitente da Fragilidade e dos dois volumes dos Contos da Macaronésia, tendo sido também anunciada a publicação de uma obra poética também com esse nome literário e intitulada Sturiadas e de que alguns excertos foram postumamente publicados na antologia de poesia caboverdiana inédita intitulada Destino di Bai e organizada por Francisco Fontes.

iii. António Lima, autor do livro Errances et Réminescences – Quête d´ une Conscience Africaine, de poemas em francês (quase todos os 25 poemas constantes do livro) e em português (dois com as respectivas versões em francês) e de canções em crioulo intituladas “Korda Skrabu” (anteriormente editadas em disco e agora traduzidas para o francês) e interpretadas pelo Grupo Kaoguiamo, durante a luta pela independência de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e dos demais países africanos sob dominação colonial portuguesa.

   Filho de pais caboverdianos, nascido em Dacar, no Senegal, onde cresceu, António Lima estudou Línguas e Literaturas Modernas em França, tendo dirigido e coordenado durante o seu percurso de estudante universitário o Grupo Kaoguiamo, de teatro e música, que desempenhou um importante papel na mobilização político-cultural para a independência nacional no seio das diásporas caboverdianas da Europa e da África.

   Depois da independência de Cabo Verde, António Lima foi alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros do seu país, tendo representado Cabo Verde como Embaixador em alguns países e instituições internacionais.

iv. Misá Kwasi (pseudónimo de Maria Isabel Alves), pintora e escultora, mais conhecida simplesmente pelo nome artístico Misá, activista social com trabalho relevante desenvolvido em Porto Madeira (aldeia criativa e residência artística) e junto da comunidade dos rabelados de Espinho Branco (nos planos artístico, da saúde, da educação e da integração social e da cidadania, destacando-se a oficina Rabelarte), é autora de dois livros, com poemas em francês e em crioulo, alguns de feição erótica.

    Natural da cidade da Praia, cresceu na aldeia de Porto Madeira, do concelho de Santa Cruz, no interior da ilha de Santiago, viveu durante algum tempo na Suíça e na Côte d´Ivoire, de onde é originário o seu ex-marido, daí advindo talvez a sua opção pelo bilinguismo literário francês-crioulo caboverdiano.

v. Alexandre Deus Monteiro, autor do romance Hijo de un Dios Mayor (assinado com o nome Alex Deus Monteiro) /Filho de um Deus Maior, assinado por Alexandre Deus Monteiro, o nome oficial de registo do autor), o qual tem como protagonistas membros da comunidade caboverdiana residente em Espanha em activa interacção com espanhóis, integrantes de diversas comunidades étnico-culturais de Espanha, designadamente galegos e castelhanos, e de vários mundos, incluindo o mundo do crime e do tráfico de droga, a que todavia se busca escapar pelo activismo no movimento associativo caboverdiano de Madrid. A obra original foi escrita e editada em espanhol com o título Hijo de un Dios Mayor, sendo a primeira obra de literatura caboverdiana escrita e editada directamente em espanhol e tendo a comunidade caboverdiana radicada em Espanha como relevante protagonista, sendo a versão em português uma versão traduzida/refundida com o título Filho de um Deus Maior.  

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Redação