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Carta Aberta ao novo ME. Desabafo de um Professor em tempo de Pandemia
Colunista

Carta Aberta ao novo ME. Desabafo de um Professor em tempo de Pandemia

Sr. Ministro, antes de mais, apresento-lhe as minhas felicitações pela sua nova função, augurando maiores sucessos, mesmo a 4 meses para o final do mandato. Espero que tenha tempo para fazer algum algo de diferente a favor da nossa classe docente.

A sua nomeação lembrou-me de um jogador que estava suplente e, entrou quando faltavam 4 minutos para terminar o jogo. A primeira vez que ele tocou na bola, fez um golo e a sua equipa acabou por vencer a partida e o campeonato. Que grande sorte! Espero que o senhor tenha a sorte desse jogador. Na verdade, a sua equipa precisa marcar golo, pois, caso contrário poderá perder o jogo. E olhe que lhe faltam apenas 4 meses, equivalentes a 4 minutos num jogo de futebol!

Contudo, a vantagem poderá jogar a seu favor porque o senhor é jogador dessa equipa há já algum tempo.  

Tendo em consideração a árdua tarefa que lhe aguarda, o senhor, certamente, não terá tempo para atender a todas as chamadas telefónicas, nem responder a todas as mensagens e mormente receber todas as audiências. Por isso resolvi escrever-lhe esta “Carta Aberta”, para desabafar consigo, algumas preocupações que me vêm incomodando, desde o início do ano letivo 2020/2021.

1. Sr. Ministro, este ano letivo iniciou com muitas incertezas por causa da pandemia do COVID-19. Houve muitos avanços e recuos, mas felizmente agora estamos avançando em um bom ritmo;

2. Por força da lei, atribuíram-me 4 turmas, correspondendo a 16 tempos letivos semanais, tendo em conta os anos de serviço. Também por força dessa pandemia, cada turma foi sub-dividida em 2 grupos (A e B) e, multiplicando por dois, acabei por ficar com 8 turmas.

3. Cada grupo aparece nas aulas dia sim e dia não, mas eu tenho de ir todos os dias. Assim sendo, todo o meu trabalho foi obrigado a multiplicar-se por dois. Tentei reclamar e exigir alguma compensação financeira, mas os meus colegas aconselharam-me para não avançar porque estamos em pandemia e que deveríamos todos colaborar no combate à essa doença.  

4. Eu estava muito entusiasmado e cheio de ânimo porque já não suportava mais ficar em casa. Por outro lado, o Primeiro-Ministro e a então Ministra da Educação, haviam afirmado mais do que uma vez, que todas condições estariam sido criadas para o arranque normal das aulas. Fiquei mais animado ainda!

5. Fiquei ainda muito mais animado, quando vi uma publicação no BO, um Decreto-Lei que regula(va) o uso obrigatório das máscaras faciais, nos espaços interiores fechados, em que, no ponto 4., Artº 3º dizia o seguinte: “As máscaras faciais, quando obrigatórias (…) consideram-se instrumento de trabalho e como tal, devem ser garantidas a título gratuito pela entidade patronal aos trabalhadores e prestadores de serviço (…) BO Nº52, I Série, de 25/04/2020.

6. Sr. Ministro, sem querer ser “pé di galo”, mas é que esse artigo do dito Decreto-Lei, nunca foi aplicado no liceu onde eu trabalho, nem em nenhuma outra escola aqui do meu concelho. Portanto, no meu caso, diariamente, na minha casa são 4 máscaras por dia. Ora, sabendo que o nosso país recebeu milhares de milhões de euros para o apoio ao combate da COVID-19, porquê que o Ministério da Educação não cumpre essa lei, aprovada pelo seu próprio Governo? Ou então porquê que foi aprovada essa lei? Sr. Ministro, aqui está a sua primeira oportunidade de construir uma grande jogada e, aplicando essa lei, poderá marcar um importante golo.

7. Um outro desabafo é a questão do ensino que se diz que é gratuito. Tenho uma filha na 5ª Classe que foi obrigada a ir para o Liceu por causa do Agrupamento, passando a conviver com os alunos do 11º e 12 º anos. Apesar de continuar no EBO, abandonou a sua bata azul que tinha porque é obrigada a usar um novo uniforme do Liceu, mais o uniforme da Educação Física. E o senhor sabe quem é que suportou todos esses custos? Aqui nem vou fazer referência às cópias e fotocópias obrigatórias por causa da falta de manuais. Mas sou grato a Deus porque tenho um trabalho que gosto e um salário mensal. Entretanto, penso naqueles que estão desempregados ou com salário de miséria!  

8. Sr. Ministro, saiba que grande percentagem de professores sofre de vários problemas de saúde, nomeadamente, hipertensão, distúrbios vocais, alergias, falta de ar, stress, síndrome de burnout… Logo, somos profissionais de risco e estamos a trabalhar também na linha de frente. Já imaginou o sufoco em ministrar 5 aulas por dia, com a máscara e ainda usando óculos graduados?

9. Apesar de algumas formações para trabalhar com os alunos à distância, este procedimento não tem tido efeito, já que os professores ainda aguardam pela entrega de tabletes, telemóveis… e os televisores para os pais anunciados pelo Primeiro Ministro? Pois é, Sr. Ministro, segundo as orientações da DNE, os alunos quando estão em casa, devem assistir as tele-aulas.

10. Eu continuo a ter quase a mesma rotina com os alunos, aplicando-lhes os testes e os demais trabalhos escritos. E o senhor sabe que levando os testes/trabalhos dos alunos para a casa, estou a correr um grande risco de ser contaminado. Ademais, estas práticas não são recomendadas pela OMS nem pelo Ministério da Saúde.

11. Sr. Ministro, um outro importante golo que podia marcar seria fazer algo para nós recuperarmos a nossa MOTIVAÇÃO e AUTO-ESTIMA: anuncie o descongelamento das progressões e promoções; proponha o aumento salarial e conclua o processo das reclassificações pendentes. Apenas isso!! Porém, não sei se ainda vai a tempo de marcar esse golaço. Enquanto isso não acontecer, por causa da COVID-19, temos que entender e continuar a colaborar.

P.S. Qualquer semelhança com a realidade dos demais colegas, é a nossa realidade.

Liceu Amílcar Cabral, 14 de dezembro de 2020.

Adalberto Teixeira Varela

Professor do Ensino Secundário

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