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A história da nossa História
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A história da nossa História

Circula nas redes sociais uma Petição Pública do cabo-verdiano Gilson Lopes Varela, solicitando a remoção de monumentos pró-escravagistas, ou seja, os símbolos que contribuíram para o tráfico de escravos no continente africano. Um desses monumentos visados é a estátua de Diogo Gomes que se encontra erguido no miradouro do Plateau, Cidade da Praia, justificando que esse navegador português, apesar de ter descoberto algumas ilhas de Cabo Verde, também participou no tráfico e comércio de seres humanos africanos.

Esta iniciativa, surge na sequência das várias ações de protestos dos movimentos anti-racistas em vários países todo mundo, como consequência da morte do cidadão negro norte americano George Floyd, por um polícia branco.

Essa petição tem suscitado algum debate nas redes sociais, em que alguns têm-se manifestado a favor à ideia e outros contra, com a justificação de que tal ato se estaria a apagar a histórica dos descobrimentos das ilhas e que nenhum país é construído sem histórias (eu concordo).

Entretanto, muitos daqueles que agora se posicionam contra e apresentam a preservação da nossa História como argumento, esquecem-se que, num passado bem mais recente, alguns desses defensores, estiveram na linha de frente na aniquilação da nossa memória. Eles esqueceram-se que esses acontecimentos também deveriam ser preservados, por fazerem parte da nossa História.

Sendo assim, deixo aqui algumas efemérides para esses defensores da pátria, a fim de lhes reavivar um pouco as suas memórias:  

1. O Bairro Kwame Nkrumah foi substituído por Bairro Craveiro Lopes, entretanto não entenderam que se apagou a história de um homem que contribuiu para a libertação de África;

2. Retiraram da circulação todas as notas contendo efígies de Amílcar Cabral e, no seu lugar, colocaram gafanhoto, txota e tartaruga. Porém, ninguém questionou esse linchamento da história de um homem que, recentemente, foi considerado a segunda figura mais importante a nível mundial;

3. Acabaram com os bailes de conjunto, espetáculos e, sobretudo, o "Todo Mundo Canta" no Parque ‘5 de Julho’ (considerado o maior palco cultural dos anos 80) e no local, construíram um ‘elefante branco’. Contudo, não se lembraram que se estaria a apagar a nossa memória histórica e cultural/recreativa de uma cidade e de país;

4. Andam a tentar substituir o 20 de Janeiro, dia dos Heróis Nacionais por 10 de Junho, Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas. Aqui, ninguém questionou que se está a tentar apagar a memória e a honra dos nossos heróis nacionais;

5. A importância do dia 5 de Julho, dia da Independência Nacional foi substituída por 13 de Janeiro, data das primeiras eleições. No entanto, não se entendeu que andam a apagar a importância que a Independência teve na história de Cabo Verde;

6. Substituíram a Bandeira, o Hino Nacional e as Armas da República só para apagar a história da luta para a libertação de Guiné e Cabo Verde. Todavia, não questionaram o porquê desse apagão histórico do contexto, nem se dignaram em procurar saber os porquês que surgiram esses símbolos;

Portanto, se todos esses factos apontados não foram relevantes para a memória de um Povo, então porquê que retirar Diogo Gomes desse local poderia ser muito grave, tendo em conta aquilo que ele fez aos negros africanos? Até porque em Inglaterra, por exemplo, o presidente da Câmara de Londres já admitiu retirar todas as estátuas alusivas à escravatura.

Eu até sugeria que no lugar dele se edificasse um grande monumento representativo dos artistas já falecidos, em que se destacavam a Cesária Évora, o Ildo Lobo, Norberto Tavares, a Nácia Gomi…

Ou então, podia-se erguer um monumento de alguns dos nossos heróis negros que influenciaram a política de Cabo Verde e do Mundo, com destaque para Amílcar Cabral, Aristides Pereira, António Mascarenhas, Léopold Sédar Senghor, Nelson Mandela, Luter King, entre outros.

Cidade da Assomada, 10 de junho de 2020.

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Redação